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authorSilvio Rhatto <rhatto@riseup.net>2018-08-07 10:05:58 -0300
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+++ b/books/love/amor-liquido.md
@@ -0,0 +1,46 @@
+[[!meta title="Amor Líquido"]]
+
+* Autor: Zygmunt Bauman.
+* Editora: Zahar.
+* Ano: 2008.
+
+## Trechos
+
+* Ratos, 20.
+* Amor e criatividade, 21.
+* Amor, doação, alteridade, 24.
+* Economia moral, criatividade, rotina, anarquia, 93-96:
+
+ São essas as capacidades que constituem os esteios da "economia moral" -
+ cuidado e auxílio mútuos, viver _para_ os outros, urdir o tecido dos
+ compromissos humanos, estreitar e manter os vínculos inter-humanos, traduzir
+ direitos em obrigações, compartir a responsabilidade pela sorte e o bem-estar
+ de todos - indispensável para tapar os buracos escavados e conter os fluxos
+ liberados pelo empreendimento, eternamente inconcluso, da estruturação.
+
+ [...]
+
+ Os principais alvos do ataque do mercado são os seres humanos _produtores_.
+ Numa terra totalmente conquistada e colonizada, somente _consumidores_
+ humanos poderiam obter permissão de residência. [...] O Estado obcecado
+ com a ordem combateu (correndo riscos) a anarquia, aquela marca registrada
+ da _communitas_, em função da ameaça à rotina imposta pelo poder. O mercado
+ consumidor obcecado pelos lucros combate essa anarquia devido à turbulenta
+ capacidade produtiva que ela apresenta, assim como apo potencial para a
+ autossuficiência que, ao que se suspeita, crescerá a partir dela. É porque
+ a economia moral tem pouca necessidade do mercado que as forças deste se
+ levantam contra ela.
+
+ -- 96
+
+* Jogo, descartabilidade do humano, 111.
+* David Harvey, política local/global, 124.
+* Filantropia, verdade, Hannah Arendt, 179.
+* Diálogo, jogo, discussão 181.
+* Finale:
+
+ Na era da globalização, a causa e a política da humanidade compartilhada
+ enfrentam a mais decisiva de todas as fases que já atravessaram em sua longa
+ história.
+
+ -- 185
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index 0000000..48493ea
--- /dev/null
+++ b/books/love/arte-de-amar.md
@@ -0,0 +1,83 @@
+[[!meta title="A Arte de Amar"]]
+
+* Autor: [Erich Fromm](https://pt.wikipedia.org/wiki/Erich_Fromm).
+* Ano: 1956.
+* [Íntegra](http://estudioterraforte.com.br/wp-content/uploads/2013/07/arte-de-amar.pdf).
+
+## Trechos
+
+ O homem é dotado de razão; é a vida consciente de si mesma; tem,
+ consciência de si, de seus semelhantes, de seu passado e das possibilidades de
+ seu futuro. Essa consciência de si mesmo como entidade separada, a
+ consciência de seu próprio e curto período de vida, do fato de haver nascido
+ sem ser por vontade própria e de ter de morrer contra sua vontade, de ter de
+ morrer antes daqueles que ama, ou estes antes dele, a consciência de sua
+ solidão e separação, de sua impotência ante as forças da natureza e da
+ sociedade, tudo isso faz de sua existência apartada e desunida uma prisão
+ insuportável. Ele ficaria louco se não pudesse libertar-se de tal prisão e
+ alcançar os homens, unir-se de uma forma ou de outra com eles, com o
+ mundo exterior.
+
+ -- 15
+
+ a união com o grupo é o modo predominante de superar a
+ separação, É uma união em que o ser individual desaparece em ampla escala,
+ em que o alvo é pertencer ao rebanho. Se sou como todos os mais, se não
+ tenho sentimentos ou pensamentos que me façam diferentes, se estou em
+ conformidade com os costumes, idéias, vestes, padrões do grupo, estou salvo;
+ salvei-me da terrível experiência da solidão.
+
+ -- 18
+
+ não importando que esse uso fosse cruel ou “humano”.
+ Na sociedade capitalista contemporânea, o significado de igualdade
+ transformou-se. Por igualdade, faz-se referência à igualdade dos autômatos,
+ dos homens que perderam sua individualidade. Igualdade, hoje significa
+ “mesmice”, em vez de “unidade”. É a mesmice das abstrações, dos homens
+ que trabalham nos mesmos serviços, têm as mesmas diversões, lêem os
+ mesmos jornais, experimentam os mesmos sentimentos e as mesmas idéias.
+
+ [...]
+
+ A sociedade contemporânea advoga esse ideal de igualdade não individualizada,
+ porque necessita de átomos humanos, cada qual o mesmo, a fim de fazê-los
+ funcionar numa agregação de massa, suavemente, sem fricções, obedecendo todos
+ ao mesmo comando e, contudo, convencido cada qual de estar seguindo seus
+ próprios desejos. Assim como a moderna produção em massa exige a padronização
+ dos artigos, também o processo social requer a padronização do homem, e tal
+ padronização é chamada “igualdade”.
+
+ -- 20
+
+ Mesmo seu funeral, que ele antevê como o último de seus grandes eventos
+ sociais, está em estreita conformidade com os padrões. Além da conformidade
+ como meio de aliviar a ansiedade que nasce da
+
+ -- 21
+
+ Quase não é necessário acentuar o fato de que a capacidade de dar
+ depende do desenvolvimento do caráter da pessoa. Pressupõe o alcançamento
+ de uma orientação predominantemente produtiva; nessa orientação a pessoa
+ superou a dependência, a onipotência narcisista, o desejo de explorar os
+ outros, ou de amealhar, e adquiriu fé em seus próprios poderes humanos,
+ coragem de confiar em suas forças para atingir seus alvos. No mesmo grau em
+ que faltarem essas qualidades é ela temerosa de dar-se — e, portanto, de amar.
+
+ -- 27
+
+ Cuidado, responsabilidade, respeito e conhecimento são mutuamente
+ interdependentes. Constituem uma síndrome de atitudes que vamos encontrar
+ na pessoa amadurecida, isto é, na pessoa que desenvolve produtivamente seus
+ próprios poderes, que só quer ter aquilo por que trabalhou, que abandonou os
+ sonhos narcisistas de onisciência e onipotência, que adquiriu humildade
+ alicerçada na força íntima somente dada pela genuína atividade produtiva.
+
+ -- 31
+
+ Problema: considera o homossexualismo como desvio e fracasso.
+
+ -- 32
+
+ Segurança, prisão.
+
+ -- 93
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--- /dev/null
+++ b/books/love/enamoramento-e-amor.md
@@ -0,0 +1,63 @@
+[[!meta title="Enamoramento e Amor"]]
+
+* Autor: Franceso Alberoni.
+* Editora: Rocco.
+* Ano: 1988.
+* [Versão inglesa](http://www.fallinginlovecenter.it/falling_inlove_center_download.asp).
+
+## Trechos
+
+ Em todos os períodos históricos que antecedem um movimento social,
+ em todas as histórias pessoais que antecedem um enamoramento, há
+ sempre uma grande preparação em consequência de uma mutação, de uma
+ deterioração nas relações com as coisas amadas. Nesses períodos, os
+ velhos mecanismos, o de depressão e o de perseguição, continuam
+ funcionando. Protegemos com toda a força o nosso ideal, escondendo
+ o problema. A consequência é que o movimento coletivo (o enamoramento)
+ golpeia sempre de improviso. Era uma pessoa tão gentil e afetuosa, diz
+ o marido (ou a mulher) abandonado. Era tão feliz comigo, pensa. Na
+ realidade, ela já estava procurando uma alternativa, só que a rejeitava
+ obsessivamente.
+
+ -- págs. 16-17
+
+ As pessoas enamoradas (e muitas vezes ambas conjuntamente) revêem o passado
+ e se dão conta de que o que aconteceu foi assim porque, naquele momento,
+ fizeram opções, que elas quiseram e agora não querem mais. O passado
+ não é negado nem oculto, é privado de valor. É verdade que amei e odiei meu marido,
+ mas não o odeio mais; enganei-me, mas posso mudar. Então o passado se configura
+ como pré-história, e a verdadeira história começa agora. Desse modo terminam
+ o ressentimento, o rancor e o desejo de vingança. [...] Seu passado adquiriu
+ outro significado à luz de seu novo amor. No fundo, pode até continuar gostando
+ do marido ou da mulher justamente por estar apaixonada. A alegria desse amor a torna
+ dócil, meiga, boa. É geralmente a outra pessoa enamorada que não aceita esse
+ fato, que não acredita nele.
+
+ -- pág. 19
+
+ Por exemplo, ele diz que me ama, mas não me leva com ele na sua vida,
+ coloca-me à parte do seu trabalho; quando ele viaja, não viaja comigo;
+ quer confinar-me à figura da amante que se encontra que se encontra de
+ vez em quando, da amante silenciosa que ama à sombra. Ele continua a ser
+ o mesmo, não pôe em risco suas relações, mantendo-as todas. Eu tenho de
+ ser somente seu refúgio secreto, devo reduzir minha vida a um esperar
+ que venha quando bem quiser, de acordo com as regras que se atribui.
+ Não, não posso aceitar isso; para mim, isso é um não-viver. Para outra
+ mulher, poderia ser, teria sido também para mim no passado, mas agora não.
+ Agora quero uma vida plena. Agora peço-lhe coisas: ''Posso ir com você?''
+ Minha pergunta é uma prova. Se responde que não, quer dizer que me afasta
+ para onde eu não posso existir.
+
+ -- pág. 61
+
+ No início, vai procurar lutar, conquistá-lo com o fascínio, com todos os
+ cuidados e dedicação, mudando sua própria maneira de ser, mas quando
+ compreender que o ser amado não o ama mais, não lhe resta mais nada a
+ fazer senão empunhar a espada da separação. A força que lhe resta permite-lhe
+ cortar as mãos que se estendem até esse ser querido, cegar os olhos que o
+ procuram por toda a parte. Pouco a pouco, para não mais desejar a quem amou,
+ deverá encontrar nele razões para se desenamorar; deverá procurar refazer
+ o que viveu, cobrindo de ódio tudo aquilo que foi. O ódio será sua tentativa de
+ destruir o passado, mas é um ódio impotente
+
+ -- pág. 67
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--- /dev/null
+++ b/books/love/livro-da-dor-e-do-amor.md
@@ -0,0 +1,104 @@
+[[!meta title="O Livro da Dor e do Amor"]]
+
+* Autor: J. D. Nasio.
+* Ano: 210.
+* Editora: Zahar.
+
+## Trechos
+
+ A imagem do ser perdido não deve se apagar; pelo
+ contrário, ela deve dominar até o momento em que — graças ao luto
+ — a pessoa enlutada consiga fazer com que coexistam o amor pelo
+ desaparecido e um mesmo amor por um novo eleito. Quando essa
+ coexistência do antigo e do novo se instala no inconsciente, podemos
+ estar seguros de que o essencial do luto começou.
+
+ -- 13
+
+ Eu também estava surpreso de ter
+ expresso espontaneamente, em tão poucas palavras, o essencial da
+ minha concepção de luto, segundo a qual a dor se acalma se a pessoa
+ enlutada admitir enfim que o amor por um novo eleito vivo nunca
+ abolirá o amor pelo desaparecido.
+
+ -- 14
+
+ dar um sentido à dor do outro significa, para o psicanalista,
+ afinar-se com a dor, tentar vibrar com ela, e, nesse estado de resso-
+ nância, esperar que o tempo e as palavras se gastem.
+
+ -- 16
+
+ Ao longo destas páginas, gostaria de transmitir o que eu próprio aprendi,
+ isto é, que a dor mental não é necessariamente patológica; ela baliza
+ a nossa vida como se amadurecêssemos a golpes de dores sucessivas.
+
+ -- 17-18
+
+ Para quem pratica a psicanálise, revela-se com toda a evidência —
+ graças à notável lente da transferência analítica — que a dor, no coração
+ do nosso ser, é o sinal incontestável da passagem de uma prova. Quando
+ uma dor aparece, podemos acreditar, estamos atravessando um limiar,
+ passamos por uma prova decisiva. Que prova? A prova de uma
+ separação, da singular separação de um objeto que, deixando-nos súbita
+ e definitivamente, nos transtorna e nos obriga a reconstruir-nos.
+
+ -- 18
+
+ O luto
+ do amado é, de fato, a prova mais exemplar para compreender a natureza
+ e os mecanismos da dor mental. Entretanto, seria falso acreditar que a
+ dor psíquica é um sentimento exclusivamente provocado pela perda de
+ um ser amado. Ela também pode ser dor de abandono, quando o amado
+ nos retira subitamente o seu amor; de humilhação quando somos
+ profundamente feridos no nosso amor-próprio; e dor de mutilação
+ quando perdemos uma parte do nosso corpo. Todas essas dores são,
+ em diversos graus, dores de amputação brutal de um objeto amado, ao
+ qual estávamos tão intensa e permanentemente ligados que ele regulava
+ a harmonia do nosso psiquismo. A dor só existe sobre um fundo de amor.
+
+ -- 18
+
+ Antes de tudo, a dor é um afeto, o derradeiro
+ afeto, a última muralha antes da loucura e da morte. Ela é como que
+ um estremecimento final que comprova a vida e o nosso poder de nos
+ recuperarmos. Não se morre de dor. Enquanto há dor, também temos
+ as forças disponíveis para combatê-la e continuar a viver. É essa noção
+ de dor-afeto que vamos estudar nos primeiros capítulos.
+
+ -- 19-20
+
+ Quer se trate de uma dor corporal provocada por uma lesão dos
+ tecidos ou de uma dor psíquica provocada pela ruptura súbita do laço
+ íntimo com um ser amado, a dor se forma no espaço de um instante.
+ Entretanto, veremos que a sua geração, embora instantânea, segue um
+ processo complexo. Esse processo pode ser decomposto em três tem-
+ pos: começa com uma ruptura, continua com a comoção psíquica que
+ a ruptura desencadeia, e culmina com uma reação defensiva do eu para
+ proteger-se da comoção. Em cada uma dessas etapas, domina um
+ aspecto particular da dor.
+
+ -- 20
+
+ Como diferencia ele cada um desses afetos? Propõe o
+ seguinte paralelo: enquanto a dor é a reação à perda
+ efetiva da pessoa amada, a angústia é a reação à
+ ameaça de uma perda eventual.
+
+ -- 27
+
+ Mas qual é essa reação? Diante do transtorno pul-
+ sional introduzido pela perda do objeto amado, o eu
+ se ergue: apela para todas as suas forças vivas —
+ mesmo com o risco de esgotar-se — e as concentra
+ em um único ponto, o da representação psíquica do
+ amado perdido. A partir de então, o eu fica inteira-
+ mente ocupado em manter viva a imagem mental do
+ desaparecido. Como se ele se obstinasse em querer
+ compensar a ausência real do outro perdido, magnifi-
+ cando a sua imagem. O eu se confunde então quase
+ totalmente com essa imagem soberana, e só vive
+ amando, e por vezes odiando a efígie de um outro
+ desaparecido.
+
+ -- 28
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--- /dev/null
+++ b/books/love/poesia-sabedoria.md
@@ -0,0 +1,5 @@
+[[!meta title="Amor, poesia, sabedoria"]]
+
+* Autor: Edgar Morin.
+* Editora: Bertrand Brasil.
+* Ano: 2008.
diff --git a/books/love/sem-tesao-nao-ha-solucao.md b/books/love/sem-tesao-nao-ha-solucao.md
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--- /dev/null
+++ b/books/love/sem-tesao-nao-ha-solucao.md
@@ -0,0 +1,435 @@
+[[!meta title="Sem tesão não há solução"]]
+
+* Autor: Roberto Freire.
+* Editora: Guanabara.
+* Ano: 1987.
+
+## Assuntos
+
+* Tesão: versão expandida do conceito de `awareness`, com alegria, prazer e beleza.
+* Em geral é bem interessante, apesar de alguns conceitos que considero desnecessários:
+ * Uso de argumentos baseados na genética biológica (por exemplo na página 36).
+ * Inconsciente Coletivo (pág. 23).
+ * Que a "posse e domínio sobre os outros homens" passou a ser preferido com a agricultura e domesticação de animais (pág. 32).
+
+## Trecho
+
+ A vida, para mim, não tem qualquer sentido. Ter nascido, estar vivo, ser eu
+ mesmo o centro do Universo em termos de consciência, tudo isso eu sinto apenas
+ como um fascinante, incompreensível e indesvendável mistério.
+
+ Não pedi e não escolhi de quem, por que, onde e quando nascer. Da mesma forma
+ não posso decidir quando, como, onde, de que e por que morrer. Essas coisas me
+ produzem a sensação de um imenso e fatal desamparo, uma insegurança existencial
+ permanente.
+
+ O suicídio poderia ser uma contestação ao que estou afirmando, supondo-se que
+ através dele posso decidir se quero ou não viver, que tenho algum poder sobre a
+ vida. Mas quem me garante que o suicídio é realmente um ato voluntário?
+ Acredito
+
+ -- 19
+
+ Poder, hierarquia, perversão, crueldade, sadomasoquismo, paranóia, dor-prazer de mandar.
+
+ -- 30
+
+ Parece, à primeira vista, sobretudo para os que ainda o tem enrustido e
+ reprimido, não ser fácil disciplinar o tesão. Sem dúvida, mas para entender
+ isso direito faz-se necessário primeiro investigar os conceitos de disciplina,
+ responsabilidade e imaturi- dade para os protomutantes. Penso que não existe
+ nada tão rigidamente disciplinado quanto as forças da Natureza que produzem o
+ dia e a noite, as marés, as ondas do mar, as chuvas, os ventos, a vida vegetal
+ e animal, as estações. Tudo no Universo obedece a um tipo de disciplina rígida,
+ mas contraditória também.
+
+ [...]
+
+ Isto quer dizer que na Natureza, fazendo uma comparação com a criação musical,
+ a vida se organiza num modelo rítmico mais ou menos rígido de tempo e de
+ espaço, mas é todo livre o seu tesão, que varia segundo as circunstâncias
+ produzidas por variáveis para nós imperceptíveis e que geram sempre novas e
+ originais melodias e harmonias. O sol se põe diariamente, mas nunca o
+ crepúsculo se apresenta igual, no mesmo horário e no mesmo lugar. Nem sua
+
+ -- 38
+
+Será que a oposição a seguir é necessária?:
+
+ A atitude relativista — a busca do tesão e o comportamento lúdico dos
+ protomutantes em seu cotidiano libertário — pode ser encarada como imaturidade
+ e irresponsabilidade pelos tradicionalistas. As pessoas sérias e que vivem sob
+ e no controle de valores absolutos, colocam o dever antes do prazer ou o dever
+ em lugar do prazer. Talvez o único prazer possível para eles seja a sensação
+ aliviada e orgulhosa do dever cumprido a qualquer custo. Essa atitude perante a
+ vida convencionou-se chamar de comportamento responsável, que é exatamente o
+ contrário, na teoria e na prática, do comportamento tesudo.
+
+ -- 39
+
+ Tudo isso foi dito para afirmar que o uso da palavra responsabilidade é algo
+ indevido e impróprio, porque ela não significa qualquer ato moral, atestando
+ sua capacidade de cumprir obrigações e deveres, como também não designa pessoa
+ confiável e disciplinada. A origem latina da palavra responsabilidade
+ significa apenas a capacidade de dar resposta e, supõe-se, capacidade de dar
+ respostas adequadas, próprias, originais e satisfatórias a estímulos que se
+ recebe. Claro que cada resposta reproduz nossa ética, nossa ideologia, nossa
+ psicologia. Em síntese, quero dizer que ser mais ou menos responsável
+ corresponde à relação dialética entre o nosso medo e o nosso tesão no viver
+ cotidiano.
+
+ -- 40
+
+ Já se viu alguma forma de vida e de trabalho escravo à qual o homem foi
+ submetido, na qual lhe tenha sido negado o direito a uma companhia para o afeto
+ e para o sexo? Um mínimo de afeto, qualquer possibilidade de satisfação sexual,
+ além de procriação garantida, mesmo nas condições mais miseráveis e sórdidas,
+ parecem suficientes para garantir a circulação da energia vital necessária no
+ corpo das pessoas e para alimentar a sua ilusão de felicidade. Ilusão que
+ justificaria o fato do homem se submeter à escravidão. Essa capacidade de
+ resistir vivo, mesmo como escravo, não pode ser explicada sem se recorrer ao
+ poder da fé, do qual o poder do amor seria apenas uma subsidiária ou uma
+ eventual encarnação.
+
+ -- 46
+
+ Arte, beleza, estética.
+
+ -- 57-74
+
+ Eu gosto muito da geração hippie, e sei distinguir o joio do trigo. Sei onde
+ está a neurose e a sacanagem do hippie, e a verdade dele. Pra mim o hippie
+ certo é o sujeito que se nega a participar da sociedade de consumo, sem deixar
+ com isso de participar da história da humanidade. Conheço vários hippies, em
+ todos os campos: letras, ciências, artes, filosofia, etc., que se negam a
+ participar da sociedade de consumo mas não param de criar, de lutar. O que não
+ faz nada, só está na dele, esse é o sacana, porque termina sendo um parasita
+ dos consumistas.
+
+ -- 99-100
+
+ Conheço casos de pais que batiam nos filhos dizendo que faziam isso para evitar
+ que os filhos apanhassem da polícia.
+
+ -- 109
+
+ RF. — Nos anos 60 houve o movimento hippie, as manifestações de 68 na França,
+ mas todas as questões colocadas na época foram absorvidas pelo consumo. Houve
+ então uma grande frustração. Não vejo hoje um processo que determine que
+ devemos mudar nossa maneira de vestir, nossos cabelos, pois isso é muito
+ superficial. Mesmo com nossas calças jeans, dentro desse sistema, podemos ser
+ revolucionários.
+
+ Outro fator foram as falências, tanto dos modelos capitalistas quanto dos
+ socialistas autoritários. Nenhum deles ousou romper com a estrutura da família,
+ conservando-a como célula autoritária, o que permitiu a manutenção de governos
+ autoritários. Bakunin, um anarquista, foi exilado logo após a Revolução Russa.
+ Mesmo os revolucionários temiam a visão anarquista. Conheci nos tempos da luta
+ armada diversos companheiros que davam a vida pelo socialismo na luta, mas eram
+ tiranos com suas mulheres e seus filhos. Se tomassem o poder, que sociedade
+ iriam propor? Hoje a juventude tem consciência da falência dessas soluções.
+
+ -- 110
+
+ Por segurança financeira quero dizer também uma certa estabilidade social; toda
+ vez que eu mudei de profissão eu tive de, duramente, iniciar do zero.
+ Entretanto, agindo assim, chega um certo período da sua vida em que se você
+ tentou várias coisas, você terá três ou quatro possibilidades de trabalho.
+
+ -- 126
+
+ P. — Como fica a pessoa que incorpora o senso comum, isto é, a pessoa que se
+ limita em favor de uma segurança financeira e de uma aceitação social, mesmo
+ adivinhando outras possibilidades?
+
+ RF. — Este é o ponto mais grave. Eu sou terapeuta e posso dizer que 80% dos
+ meus clientes têm problemas psicológicos por não estarem fazendo o que
+ gostariam de fazer. As pessoas fazem, convencidas pelas suas famílias, o que o
+ meio social prefere; isto de fazer o que é imposto provoca nessas pessoas um
+ grande sofrimento, que muitas vezes estoura fora do trabalho, estoura em sexo,
+ em agressividade, em equilíbrio mental.
+
+ [...]
+
+ Numa sociedade como a nossa, com esta família autoritária e cumpridora das
+ normas do Estado, as pessoas sensíveis, cujo projeto de vida não está dentro do
+ que espera o meio social, sofrerão muita repressão; e esta é uma repressão
+ muito danosa, pois é castrativa. Uma pessoa que não faz o que precisa fazer,
+ tende a adoecer, perde, no mínimo, a identidade e o auto-respeito.
+
+ -- 127
+
+ Uma pessoa livre é uma pessoa altamente solidária, à medida que fica mais livre
+ fica menos egoísta, necessita mais dos outros. Enquanto egoísta, não percebe
+ nem os outros e nem a sociedade. Ela vive realmente muito voltada para si, em
+ busca de soluções para o seu sofrimento ou apenas amarga, impotente.
+
+ -- 143
+
+ É preciso nunca esquecer que uma pessoa neurótica e que procura terapia ainda
+ está viva e ainda pode ser salva. Seus sintomas são seus gritos de socorro,
+ porque ainda querem ser elas mesmas e estão dispostas a lutar contra o que as
+ reprime. As demais, são as que já se submeteram. As outras são as que
+ enlouqueceram e vivem internadas ou são as que se matam.
+
+ -- 147
+
+## Amor
+
+ Em síntese, é o seguinte: pros jovens terem o amor de que necessitam pra amar e
+ criar, têm de enfrentar toda a estrutura em que vivem, a familiar, a social, os
+ preconceitos e tradições, etc.
+
+ [...]
+
+ As colocações tradicionais do tipo amor-pra- sempre,
+ até-que-a-morte-nos-separe, etc., são as grandes fórmulas de escravização de
+ uma pessoa às outras. Pra ter grana de sustentação, o casal tem de fazer tudo o
+ que a estrutura quer. Acho que temos de educar os filhos e alunos a não
+ aceitar nenhuma dessas regras. Romper com as coisas significa fazer o que se
+ tem necessidade e não o que é imposto. Deixar o cabelo crescer, deixar a escola
+ se ela for quadrada. Devemos chuchar a leitura neles, para se complementarem.
+ Não se pode forçá-los a nada. Deve-se dizer a eles que rompam com o que não
+ estiver dando. Não está dando? Deixe de lado a amizade, o trabalho, a mulher, a
+ família. Não fique com nada que não esteja dando, pois senão você se estrepa.
+ Sinto na pele como, pra nossa geração, isso é difícil.
+
+ -- 99
+
+ Dentro da minha visão, acho o casamento um absurdo. Eu gostaria de falar sobre
+ o acasalamento, porque quanto ao casamento eu só quero que acabe, que não
+ exista mais, porque o casamento é uma das grandes fontes de destruição do amor.
+ Mas o acasalamento é indispensável. Acho que as novas formas de acasalamento
+ que hoje estão sendo pesquisadas pela juventude no mundo são a medida das
+ transformações atuais na história do homem. Porque não acredito que haverá
+ modificação alguma nesta fase da história do homem se não se modificarem as
+ regras de funcionamento e os objetivos da família.
+
+ -- 115-116
+
+ O que acho mais bonito e vejo no amor dos casais revolucionários é como eles o
+ vivem de forma lúdica, brincando e jogando sempre. A ludicidade é a mãe do
+ tesão e, ao mesmo tempo, o pai da criatividade. É o processo de criação, no
+ amor, que garante a sua sobrevivência.
+
+ - 118
+
+ Acho interessantes as relações de suplementação entre os casais porque nós
+ estamos acostumados a buscar no outro algo que nos complete. Isso para mim é um
+ grande erro, porque a grande novidade que eu estou vendo é as pessoas não
+ precisarem nada uma das outras para que o amor seja realmente uma troca de
+ emoções, de delícias, de encantamentos e não apenas um quebra-galho onde um dá
+ força para a fraqueza do outro. As pessoas se encontram para brincar, para ler
+ juntas, para fazer
+
+ -- 119
+
+## Felicidade e alegria
+
+ A grande decepção dos amantes que buscam a felicidade (estado de prazer
+ permanente, institucionalizado) através do amor é produzida pela sua
+ incapacidade em aceitar que, como todas as coisas vivas, o amor também tem um
+ começo, um meio e um fim. Nem seu tempo, nem seu espaço e nem o seu tesão
+ podem ser determinados e controlados por razão da vontade e pela força de
+ poder. Assim, às vezes somos obrigados a perder um amor precocemente, ou a ter
+ de suportá-lo desnaturado, moribundo ou mesmo morto. Só a liberdade e a
+ autonomia nos ensinam a aceitar biológica e humanamente o tempo, o espaço e o
+ tesão das coisas vivas.
+
+ Creio já ter conseguido expor todas as razões que me levam a concluir ser a
+ felicidade algo impossível de se atingir sem a deformação biológica e
+ psicológica do ser humano e, mesmo quando isso é realizado, não se trata de
+ prazer saudável e libertário o que se conseguiu, mas, exatamente, a sua
+ contrafação: o poder autoritário e patológico. Logo, definitivamente, a
+ felicidade é uma coisa impossível de ser alcançada. Em verdade, acho que ela
+ não existe e nem é, sequer, necessária. Penso mesmo que sua ideologia deve ser
+ fortemente combatida tanto como estratégia política ou como delírio religioso e
+ patológico, produzidos ora pela fome e ora pelo desespero, tanto pela miséria
+ quanto pela carência amorosa, mas sempre, em quaisquer situações, manipulados
+ pela paranóia autoritária do poder.
+
+ -- 48
+
+ Mas, felizmente, apesar de tudo, estamos com a vida do nosso lado e eles, os
+ profetas da Felicidade, algum dia também compreenderão que sem tesão não há
+ mesmo solução. Mas, ainda alucinados e insaciáveis, estão muito longe de se
+ convencer, como nós, modesta e espertamente, que em lugar de qualquer tipo de
+ felicidade aqui e no além, buscamos simples e naturalmente a alegria. Alegria,
+ coisa tão incerta como o vento, que tem dia que vem, dia que não vem, que às
+ vezes é tão forte que vira tufão, outras parece apenas brisa suave, que pode
+ vir do sul ou do norte, do leste ou do oeste, mas que vem, queiramos ou não, na
+ hora ou no jeito que bem entender.
+
+ -- 50
+
+ Falo de alegria entendida como a expressão gostosa, saborosa, orgástica e
+ encantada do funcionamento satisfatório e equilibrado de nossa energia vital no
+ plano físico, emocional, psicológico, afetivo, sensual, ético, ideológico e
+ espiritual. Tudo isso significa também metabolismo, num sentido amplo.
+
+ -- 51
+
+## Psicanálise
+
+ Nascida profundamente do pensamento pessimista, de triste, um homem amargo e
+ genial, mas ressentido, a Psicanálise reflete as características da história da
+ religião e da raça judaica no mundo. Sigmund Freud era um homem que, segundo
+ seu discípulo Wilhelm Reich, permitia-se pouca convivência com o prazer, com a
+ beleza e com a alegria lúdicos da existência comum, o que provam suas obras
+ principais. Afirmar a existência, no homem, de um instinto de morte, é supor
+ ser a morte um mal, algo destrutivo e não simplesmente a ausência, o fim da
+ vida. A sua afirmação de que a morte é uma entidade equivalente à da vida,
+ parece coisa mais de sua formação religiosa que da científica, pois ela sujeita
+ o homem aos poderes políticos (via religião ou via ciência) para ser exorcizado
+ do mal inerente à sua natureza imperfeita. Isso os torna incompetentes e
+ perigosos para a vida social, sem proteção, tutela e controle permanentes.
+ Enfim, dependência, resultante da suposição de sua incapacidade natural para a
+ autonomia e a autodeterminação.
+
+ Vivendo em sistemas políticos autoritários, aos quais tanto religião como
+ ciência estão ligados, associados e dependentes, a visão trágica da existência
+ é um dos suportes ideológicos mais poderosos e úteis para a sua manutenção.
+ Assim, por exemplo, a análise infinita e inútil do complexo de Édipo. Para mim,
+ não passa de um exercício de poder, tentativa de sujeição ao poder do pai, bem
+ como ao do analista. Édipo, personagem da tragédia grega, que arranca os
+ próprios olhos como punição para aliviar o sentimento de culpa por ter transado
+ sexualmente com uma mulher que desconhecia ser sua mãe, mostra claramente como
+ Freud, ao adotá-lo para simbolizar o complexo por ele descoberto, necessitava
+ do sentimento trágico da existência para justificar a crença de que a vida
+ lúdica dos homens estará inexoravelmente sujeita ao controle e punição por
+ parte dos poderes autoritários e deuses antropomórficos, criados e utilizados
+ por seus representantes na Terra.
+
+ -- 26-27
+
+ Meu analista fez um esforço total para eu poder projetar meu pai nele e
+ conseguiu, era um grande analista vienense. Mas o que me incomodava mais não
+ eram os problemas teóricos, era a impossibilidade de viver a vida. Você ficar
+ trancado das oito da manhã às sete da noite num consultório fechado, ouvindo as
+ mesmas pessoas todos os dias, é um negócio muito doloroso.
+
+ -- 149
+
+## Individual e coletivo
+
+ E dentro da consciência de cada pessoa e a cada instante, a realidade estará
+ sendo vista e percebida através de movimentos contraditórios como na dialética
+ tradicional, mas os protomutantes não vão se satisfazer com os estágios
+ provisórios que forem sendo atingidos. Eles vão querer superá-los sempre: negar
+ ao mesmo tempo o que afirmam e combater o que acabam de provar. Sua consciência
+ será polar. Mas polar no sentido de que num extremo está a sua tendência
+ natural social, que impele a pessoa a se integrar no meio ambiente em que vive
+ e que forma a extensão externa mais imediata de seu universo. E, no outro
+ extremo, está a sua outra tendência, também primária e natural, de se afirmar
+ como individualidade, com realidade e identidade próprias. A sua sabedoria não
+ consiste em colocar o barco ideológico e moral no rumo do meio-termo, mas saber
+ quando é a hora de se associar aos outros e quando é o momento de se
+ distanciar, quando é o tempo de pensar em si mesmo e quando é a hora de
+ esquecer de si.
+
+ Esse “quando é a hora”, que constitui o núcleo da sabedoria do protomutante,
+ está sempre ligado (no sentido de atento) e atuando de modo permanente. Ele só
+ pode ser explicado como produto do tesão regulando e harmonizando a relação do
+ espaço e do tempo na vida das pessoas livres. Assim, constatando que o
+ protomutante se orienta fundamentalmente por seu tesão, concluímos que terá de
+ ser lúdico o seu viver cotidiano, que vai combater por pura vocação todas as
+ formas de autoritarismo, que seu prazer serve mesmo é para amar e para criar,
+ que sempre vai encontrar um jeito potente e competente para se associar e
+ conviver, para ser amigo, para ser amante e companheiro, para ser cúmplice e
+ solidário com as pessoas que seleciona ao sabor das ondas e marés do seu
+ encantado tesão cotidiano.
+
+ -- 35
+
+## Organização
+
+ Refiro-me à relação misteriosa e dinâmica entre o todo e as partes, existente
+ na essência e na estrutura das coisas vivas. O seu todo é muito mais e outra
+ coisa que a simples soma e a superposição das suas partes. Cada parte viva,
+ resumida até o limite da unidade, contém em si, de modo sintético, cifrado e em
+ potencial, o que é e significa o todo a que pertence. Da relação dinâmica entre
+ o todo e as partes, surge a energia que sintetiza e cifra o potencial da vida
+ nas partes e que se revela, se expande e se integraliza na organização do todo.
+
+ Estou falando, por exemplo, do mistério que produz nas sementes vegetais a
+ presença dos potenciais da árvore adulta e, inclusive, o potencial desta
+ produzir novas sementes da mesma espécie que, quando germinadas, produzirão
+ árvores adultas, mas originais e diversas das que as geraram.
+
+ -- 22
+
+ Além disso, o relativismo explica também a naturalidade existente na atividade
+ lúdica do homem novo em sua vida cotidiana. O jogar e o brincar adultos
+ traduzem nossa vocação para criar e amar, bem como a de lutar, também
+ ludicamente, para nos garantir a liberdade relativa de amar criativamente e de
+ criar amorosamente.
+
+ Logo, o relativismo assim compreendido e assumido afasta qualquer necessidade
+ de poder hierarquizado e autoritário na organização das relações interpessoais,
+ familiares e sociais, sobretudo de poderes que pretendem ser absolutos.
+
+ -- 29-30
+
+ Como se poderia entender o significado da liderança em associações nas quais
+ não estaria existindo nenhuma forma de autoritarismo? Para isso vamos nos
+ socorrer da genética que explica o conceito protomutante de “diferença”, um dos
+ pilares de sua ideologia anarquista: a natureza necessita que os homens não
+ sejam iguais uns aos outros, a fim de poder ampliar a amostragem e as
+ alternativas na dinâmica da seleção natural.
+
+ [...]
+
+ Acredito que inteligência e criatividade possuem algo em
+ comum, mas nenhuma delas é apenas isto: capacidade de
+ solucionar o mais rápida e satisfatoriamente possível problemas
+ novos e inéditos.
+
+ -- 36
+
+Interessante, exceto pela repartição não-igualitária de "benefícios e lucros",
+o que pode ser entendido como uma falta de generosidade (modelo da regulação
+por trocas versus desregulação da doação):
+
+ Considero, pois, a liderança algo que é, além de emergente, também
+ circunstancial, temporária, descartável e recorrível. Até as lideranças
+ emergentes se tornam autoritárias se se estratificam, se se impõem e se tornam
+ estáveis, estáticas, únicas e permanentes. Sendo assim, na organização da vida
+ social dos
+
+ Sendo assim, na organização da vida social dos protomutantes até os exercícios
+ do prazer e do poder de liderança se enquadram no relativismo lúdico geral da
+ vida, tornando-se assim um grande tesão ser líder e ser liderado dessa forma.
+ Como os protomutantes só podem se associar de forma anárquica, tanto para
+ conviver quanto para produzir, a sua dinâmica organizativa, além de funcionar
+ através de uma dialética ecológica, irá também descobrir maneiras originais e
+ específicas de funcionamento em autogestão. Isto quer dizer que a sua produção
+ é projetada, organizada, financiada, gerida, controlada e utilizada por quem
+ produz, recaindo seus benefícios e seus lucros de modo proporcional à qualidade
+ e à quantidade de trabalho criativo realizado por cada produtor. A decisão a
+ esse respeito é tomada por todos aqueles que produzem.
+
+ -- 37
+
+## Autoritarismo
+
+ Então, foi justamente convivendo com essas famílias que pude descobrir o quanto
+ éramos autoritários, apesar de estarmos arriscando nossas vidas no combate ao
+ autoritarismo da direita brasileira. Falo do autoritarismo na relação com a
+ companheira ou com o companheiro, na relação com os filhos, na relação com os
+ demais companheiros fora do campo de luta. Eu, nessa época, já me escandalizara
+ com meu machismo disfarçado e me submetia à Somaterapia. Alguns desses
+ companheiros, como eu, acabaram por sacar essa contradição absurda e,
+ inclusive, submeteram-se também à Soma, em sessões individuais ou em grupos,
+ nestes arriscando-se enormemente, pois trabalhávamos de madrugada, em lugares
+ variados e sob severo sistema de segurança, que nem sempre funcionava. Eu
+ ficava pensando que a violência autoritária da direita sobre a gente era a
+ contrapartida do medo que tinham da violência do nosso autoritarismo de
+ esquerda. Nós queríamos o poder, nós e eles, para exercer a mesma atitude
+ política de posse, domínio, controle e mando na individualidade do outro,
+ sobretudo através da prioridade e prevalência de um social abstrato sobre um
+ pessoal concreto, assim como se quem tivesse o poder era o dono e o
+ representante do social, ao que todas as pessoas tinham de se submeter. O
+ abstrato do social tornava-se coisa concreta nas pessoas que encarnavam o
+ poder. E o poder assim instituído só pode ser de cima para baixo e arbitrário.
+
+ -- 134