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-[[!meta title="O Método - Volume I"]]
-
-[[!toc levels=4]]
-
-## Geral
-
-* Complexidade: circuito de complementaridade, concorrência e antagonismo de termos irredutíveis.
-* Método, originalmente caminhada, 36.
-* Jogo, 111.
-* Simples, homologia e equivalência, 181.
-* Sistema: o conceito complexo mais simples, 187.
-* Poíesis, 200.
-* Mumford e a máquina faraônica de 100 mil homens-vapor, 211.
-* Máquinas artificiais como incompletas: a mais organizacionalmente enferma, 214-215.
-
-## Ordem e racionalidade clássica
-
- O universo de fogo, substituindo o antigo universo de gelo,
- faz soprar o vento da loucura na racionalidade clássica,
- que ligava em si as ideias de simplicidade, funcionalidade
- e economia. O calor ainda comporta agitação, dispersão,
- ou seja, perda, despesa, dilapidação, hemorragia.
-
- A despesa era ignorada onde reinava a ordem soberana. Esta
- significava, ao contrário, economia. A economia cósmica,
- física e política se fundava em uma lei geral do menor esforço,
- do menor atalho de um ponto a outro, do menor custo de uma
- transformação a outra. A verdade de uma teoria ainda se julga
- por seu caráter econômico com relação a seus rivais, mais
- dispendiosos em conceitos, postulados, teoremas.
-
- -- 111-112
-
-## Vida
-
- A vida, acaba-se de ver, é a emanação da organização viva;
- não é a organização viva que é a emanação de um princípio vital.
-
- -- 138
-
-## Dependência entre sistemas
-
- Há neste encadeamento sobreposição, confusão, superposição de
- sistemas e há, na necessária dependência de um em relação aos
- outros.
-
- -- 128
-
-## Simplexidade: a complexidade necessária da pragmática
-
-Numa segunda releitura da parte inicial d'O Método, confrontei minha noção de
-simplexidade, ou complexidade necessária com o conceito de complexidade
-moriniano.
-
-Há aí, à primeira vista, um óbvio antagonismo de pontos de vista: o simples,
-reducionista, seria visto em oposição ao complexo, irredutível.
-
-O que ocorre, de fato, é que ambas as conceituações são complementares ao
-prestarmos atenção à qualidade *necessária* da noção de simplexidade, que
-nada mais é do que o estabelecimento de um nível de complexidade de entendimento
-e uso do conhecimento para determinado fim. É necessário porque pragmático,
-por exemplo para fins didáticos.
-
-Por quê o simples é sedutor? Pela sua facilidade. A pragmática reducionista
-levou a ciência a várias revoluções. Sua sistemática facilitou enormemente
-a pesquisa em ciência normal. Mas pode, como Morin aponta n'O Método,
-circunscrever o conhecimento apenas naquilo que pode ser restringido a
-conceitos simples e irredutíveis, o que cada vez mais se torna impossível:
-
- O pensamento racionalista comporta um aspecto de racionalização demente
- em sua ocultação do gasto absurdo.
-
- -- 111
-
-Não se pode, então, confundir a pragmática de um nível de entendimento da
-complexidade necessária da natureza como sendo a natureza de fato. No
-uso da simplexidade, "travamos" temporariamente a espiral de conhecimento
-para que dele possamos fazer um uso prático usando o que consideramos
-conceitualmente mais importante, mais essencial em detrimento do desnecessário
-e desimportante.
-
-Nisto, vale a formulação de Malatesta em seu texto A Organização II:
-
- Antes de mais nada, há uma objeção, por assim dizer, formal. “Mas de
- que partido nos falais? Dizem-nos, nem sequer somos um, não temos um programa”.
- Este paradoxo significa que as idéias progridem, evoluem continuamente,
- e que eles não podem aceitar um programa fixo, talvez válido hoje, mas
- que estará com certeza ultrapassado amanhã.
-
- Seria perfeitamente justo se se tratasse de estudantes que procuram a verdade,
- sem se preocuparem com as aplicações práticas. Um matemático, um quí-
- mico, um psicólogo, um sociólogo podem dizer que não há outro programa senão
- o de procurar a verdade: eles querem conhecer, mas sem fazer alguma coisa.
- Mas a anarquia e o socialismo não são ciências: são proposições, projetos que os
- anarquistas e os socialistas querem por em prática e que, conseqüentemente,
- precisam ser formulados como programas determinados. A ciência e a arte das
- construções progridem a cada dia. Mas um engenheiro, que quer construir ou
- mesmo demolir, deve fazer seu plano, reunir seus meios de ação e agir como se
- a ciência e a arte tivessem parado no ponto em que as encontrou no início de
- seu trabalho. Pode acontecer, felizmente, que ele possa utilizar novas aquisições
- feitas durante seu trabalho sem renunciar à parte essencial de seu plano. Pode
- acontecer do mesmo modo que as novas descobertas e os novos meios industriais
- sejam tais que ele se veja na obrigação de abandonar tudo e recomeçar do
- zero. Mas ao recomeçar, precisará fazer novo plano, com base no conhecimento e
- na experiência; não poderá conceber e por-se a executar uma construção amorfa,
- com materiais não produzidos, a pretexto que amanhã a ciência poderia sugerir
- melhores formas e a indústria fornecer materiais de melhor composição.
-
- Entendemos por partido anarquista o conjunto daqueles que querem contribuir
- para realizar a anarquia, e que, por conseqüência, precisam fixar um objetivo a
- alcançar e um caminho a percorrer. Deixamos de bom grado às suas elucubrações
- transcendentais os amadores da verdade absoluta e de progresso contínuo, que,
- jamais colocando suas idéias à prova, acabam por nada fazer ou descobrir.
-
- https://ayrtonbecalle.files.wordpress.com/2014/03/errico-malatesta-a-organizac3a7c3a3o-ii.pdf
-
-A simplexidade é justamente o reconhecimento do paradoxo que Malatesta coloca
-entre a evolução contínua das ideias e a necessidade do aqui e agora de uma
-escolha prática para a organização.
-
-Assim, minha brincadeira com Morin consiste em negar o reducionismo no próprio
-conceito de simplicidade: em contraponto ao simples como irredutível, busco o
-simples não-simples, o simples complexo, a complexidade do simples e a
-simplicidade do complexo: antagonistas e complementares.
-
-Saber quando e como se utilizar de determinados níveis de complexidade para a
-construção de entendimentos é uma arte.
-
-A simplificação pode ajudar a andar porém pode cegar da maioria das coisas que
-existem e acontecem. Já a complexificação pode dificultar escolhas mas pode
-abrir horizontes de compreensão.
-
-Há também uma ligação fundamental entre simplexidade e bem viver.
-
- A complexidade não é complicação. O que é complicado pode se reduzir a um princípio
- simples como um emaranhado ou um nó cego. Certamente o mundo é muito complicado, mas
- se ele fosse apenas complicado, ou seja, emaranhado, multidependente, etc., bastaria
- operar as reduçõe sbem conhecidas [...] O verdadeiro problema, portanto, não
- é devolver a complicação dos desenvolvimentos a regras de base simples. A complexidade
- está na base.
-
- [...]
-
- O simples é apenas um momento arbitrátrio de abstração arrancado das complexidades,
- um instrumento eficaz de manipulação laminando um complexo.
-
- -- 456
-
-## Finalidade e causalidade
-
- O erro é não apenas reduzir o universo da vida, do homem, da sociedade ao das
- máquinas artificiais, é também redurzir o unoiverso das máquinas artificiais às
- máquinas artificiais. O erro está na recionalização cibernética que só quer ou
- só pode ver no ser vivo e no ser social uma máqiuna lubrificada e funcional que
- pde para ser mais lubrificada e mais funcionalizada para sempre. Tal
- racionalização finalitária se torna simétrica à antiga causalidade elementar,
- pois, como esta, ela expulsa a incerteza e a complexidade. O erro é o mesmo do
- pensamento tecnocrático que fez da máquina o eídolon de toda vida, o novo
- ídolo, a rainha do mundo robotizado! A finalidade é certamente uma emergência
- cibernética da vida, mas ela emerge na complexidade. Que seja no nível do
- organismo, do indivíduo da reprodução da espécie, do ecossistema, da sociedade,
- a ideia de finalidade deve ser simultaneamente integrada e relativizada, ou
- seja, complexificada. É uma noção que não é nem clara, ne distinta, mas
- pestanejante. A complexidade a desmultiplica, mas também a escurece. Os
- objetivos práticos, as operações funcionais, são claros e evidentes, mas eles
- se engrenam nas finalidades cada ve menos claras e menos evidentes...
-
- -- 325
-
- A dialógica, as dialéticas endo-exocausais têm um caráter aleatório. Quer dizer
- que a causalidade complexa comporta um princípio de incerteza: nem o passado nem
- o futuro podem ser inferidos diretamente do presente (Maruyama, 1974). Não pode
- mais haver nem explicação segura do passado nem futurologia arrogante: pode-se,
- deve-se construir cenários possíveis e improváveis para o passado e para o futuro.
-
- É preciso compreender que mesmo a causalidade pode ter um efeito ínfimo, ou,
- pelo contrário, devido às retroações amplificadoras, desestruturadoras,
- morfogenéticas que ela desencadeará, ser como uma avalanche durante séculos e
- séculos.
-
- -- 329
-
-## Informacionalização
-
- Como a informação é cada vez mais captada pelo inimigo, que se tornando cada
- vez mais inteligente, como o inimigo extrai de nossos traços marcas, odores,
- etc., informações para nos situar, então se desenvolvem conjuntamente a
- camuflagem, o engodo, a esperteza e a arte de detectar a camuflagem, o engodo e
- a esperteza. A informação se torna agora equívoca e ambivalente: ela adverte e
- trai; ela informa eventualmente aquele que não deve informar: o inimigo, o
- concorrente. Grande "progresso" na história da vida: a entrada da enganação na
- comunicação. De agora em diante, a vitória não pertence mais somente à força e
- ao endereço, mas também à esperteza, depois à mentira (homo sapiens). A mentira
- humana, ao se sociologizar, ao se ideologizar, desdobra-se, frutifica, triunfa,
- já que ela está ornada das virtudes da verdade. Quanto mais o universo for
- informacionalizado, mais ele será assim, até que a saturação de mentira e de
- hipocrisia desencadeie uma inversão da tendência, como eu quero esperar.
-
- -- 404
-
- Todo o poder de Estado dispõe do poder programador/ordenador sobre a sociedade
- (poder de regular, legislar, deretar), do poder estratégico (elaborar e decidir
- as políticas a seguir) e do poder de comando/controle. O Estado dito
- "totalitário" vai mais longe: ele concentra em si a memória oficial (o poder de
- escrever a História do passado e de ditar a história do presente), o controle
- de todos os meios de expressão e de comunicação da informação: o monopólio do
- saber verídico pelo menos no que diz respeito à sociologia e à política,
- eventualmente em matéria de ciência e de artes; o controle direto de todos os
- aparelhos econômicos e outros.
-
- [...]
-
- A idéia-chave que o poder está na produção deve ser lida e compreendida não no
- sentido restrito, economista do termo produção, mas no seu sentido
- organizacionista/informacional. Não é o poder sobre os "meios" de produção, é
- o poder sobre a produção da produção, ou seja, a generatividade social: não é
- apenas a propriedade das coisas, dos bens: o domínio está no domínio dos meios
- de domínio; a dominação dos meios de dominação; o controle dos meios de
- controle: o poder informacional do aparelho.
-
- Vê-se aqui a justeza e o erro de Marx. Marx buscava o que era gerador na
- sociedade, e é com uma retidão admirável que ele priorizou, antropologicamente,
- a noção de ser genérico, e, sociologicamente, a noção de produção. Mas o único
- fundamento que oferecia a física da época era de natureza energética: o
- trabalho; da mesma forma, ele vira na sociedade o poder de classe, não o poder
- do aparelho.
-
- Ora, a teoria do Aparelho genofenomenal da uma Sociedade concebida como
- organização informacional/comunicacional pode apenas renovar e enriquecer o
- problema sociológico da dominação e do poder. Ela nos leva a detectar o
- problema-chave da monopolização da informação. O pode é monopolizado assim que
- um aparelho liga diretamente o poder ao saber (quem reina detém a verdade), o
- bastão de comando ao cetro, o sagrado ao político, e por isso uma casta ou uma
- classe de aparelho monopoliza as formas múltiplas de informação. A exploração e
- a dominação coincidem com a relegação dos explorados e dominados às tarefas
- puramente energéticas de execução, com a sua exclusão da esfera
- generativa/programadora. Eles só têm direito aos sinais informando-os do que
- eles devem fazer, pensar, esperar, sonhar.
-
- -- 418 - 419
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-[[!meta title="O Método - Volume II"]]
-
-[[!toc levels=4]]
-
-## Geral
-
-* Ecologia da ação, complexidade das ações e incerteza das consequências, 100.
-
-## Simplicidade e complexidade
-
- É a procura de uma simplicidade elementar que nos conduz a uma complexidade
- fundamental.
-
- -- 128
-
-## Vida: necessidade do genona
-
- A generalidade produz e mantém processos organizadores que são, fisicamente,
- improváveis. A generatividade física (seres organizadores de si) é sempre
- espontânea, isto é, não dispõe de aparelho informacional para controlá-la
- ou programá-la. Os seres vivos se desintegrariam se dependessem apenas das
- regulações físicas, químicas, termodinâmicas espontâneas. A generatividade
- biológica (seres auto-organizadores) comporta, necessariamente, agenciamento
- genético e informação hereditária.
-
- -- 136
-
- Assim como a fetichização do capital econômico impede que as outras dimensões
- da vida social tomem forma, a fetichização do capital genético impede que as
- múltiplas dimensões da auto-organização tomem forma.
-
- Assim, sob o duplo efeito da redução química e da coisificação informática, o
- gene é isolado, hipostasiado. Apesar e por causa dos progressos da genética e
- da biologia molecular o paradigma de simplificação pesa no sentido de um
- subdiscurso vulgarizador, de caráter atomizador (que situa o fundamento
- organizacional do ser vivo na unidade de base, isto é, na molécula, na
- informação, no gene), mecanística (que reduz a lógica da organização viva à
- máquina artificial), coisificador (que substancializa a informação/programa). O
- subdiscurso, larvar na genética torna-se o discurso "genetista" propriamente
- dito e, desenvolvendo-se sem entraves, transforma-se em mito pangenetista.
- Assim, a incapacidade para conceber a unidade complexa do genos e do fenon na
- auto-organização transforma o gene em gênio e o DNS em Adonai.
-
- -- 155
-
-## Misc
-
- O ego-autocentrismo parece invulnerável. O indivíduo não pode agir senão para
- si e para os seus. Como tudo aquilo que é invulnerável, o ego-autocentrismo tem
- seu ponto vulnerável, não no calcanhar, mas na cabeça, ou melhor dizendo, na
- computação. O ponto forte de todo o ser computante, que é extrair informação
- do seu universo, é também o seu ponto fraco: a possibilidade de erro. A
- computação pode enganar-se nos seus cálculos, ou tratar uma informação
- enganadora. Assim, todo o indivíduo pode tornar-se o instrumento da sua própria
- perda enquanto julga trabalhar para a sua salvação.
-
- O ser computante pode até ser despossuído do seu próprio ego-autocentrismo,
- como no caso da célula parasitada por um vírus, o qual, fazendo-a executar o
- seu programa de reprodução, a faz agir para a sua própria destruição e para a
- multiplicação do seu assassino. Os humanos tornaram-se mestres na sujeição dos
- animais que, embora conservem a autonomia cerebral, isto é, o
- ego-autocentrismo, estão de fato subjugados às finalidades dos subjugadores e
- sobretudo tornaram-se mestres na sujeição do homem pelo homem, como já
- indicamos.
-
- -- 197, 198
-
-## A discriminação cognitiva de "si"
-
- "Se algum organismo não se conhece a si próprio, como pode detectar a
- presença de alguma coisa estranha?" (Vaz e Varela, 1978)
-
- -- 181
-
-Ou, analogamente, se um organismo parasse de se reconhecer, seu sistema imunológico
-poderia atacar a si mesmo.
-
-## Computo ergo sum
-
-* Computação, "com-puter": examinar, avaliar, estimar supor ("puter") em cojunto, ligando ou confrontando aquilo que está separado, separando ou dissociando aquilo que está ligado ("com") (183).
-* Autos: idem e ipse (196).
-* Princípio de exclusão: identificação do si e do não-si.
-* Vida: auto-computante: computa a si mesma.
-* Si: referência corporal objetiva (213), corporalidade (214).
-* Eu: auto-referência subjetiva do ser vivo (190), afirmação egocêntrica (213).
-* Mim: auto-referência objetiva do ser vivo (190), referência objetiva do eu e referência subjetiva do si (213).
-
-Trechos:
-
- O cogito começa a aparece como um anel espiral.
-
- -- 202
-
- Ora, evidentemente, as demonstrações "idealistas" que desprendem o sujeito da
- órbita física e do mundo das coisas não são de modo algum comprobatórias. Em
- geral, o cogito é insuficiente como prova científica ou lógica para dizer
- alguma coisa sobre a natureza material ou imaterial do mim, sobre a sua
- realidade transcendental ou fenomênica. Toda a busca de prova, deste domínio,
- necessita da comunicação do cogitante com o universo exterior e da
- intercomunicação dos cogitantes entre eles. Ora, o cogito funda-se
- exclusivamente na autocomunicação do sujeito consigo mesmo e a sua validade
- concerne, exclusivamente, a qualidade de sujeito. E é precisamente esse caráter
- de autocomunicação que, embora constitua o seu limite, constitui a riqueza do
- cogito, pensamento recorrente em ação, gerando e regenerando o seu próprio
- começo, a sua própria origem, produzindo nesse mesmo processo sua unidade
- complexa e as suas qualidades emergentes, que são aqui as qualidades próprias
- do sujeito consciente.
-
- --- 204, 205
-
- O computo não "pensa" de modo ideal, isto é, isolável. "Pensa" (computa) de
- modo organizacional. O computo concerne o "eu sou", não no plano da consciência
- ou da representação, mas no plano da produção/geração/organização. Não existe
- certamente constituição de sujeito consciente ao nível da "Escherichia coli".
- Mas, talvez, constituição do sujeito puro e simples no e pelo "computo".
-
- -- 207
-
- Como Piaget indicou, freqüentemente a organização do conhecimento humano
- constitui um desenvolvimento original da organização biológica e, por
- conseguinte, "existem funções gerais comuns aos mecanismos orgânicos e
- cognitivos" (Piaget, 1967, p. 206). Neste sentido, "o funcionamento cerebral
- exprime ou prolonga formas muito gerais e não particulares de organização
- (biológica)" (Piaget, 1967, p. 545). Podemos pois dizer que, "numa certa
- profundidade, a organização vital e a organização mental constituem apenas uma
- única e mesma coissa" (Piaget, 1968, p. 467). Podemos portanto ir ainda mais
- longe e considerar que todo o ato de organização viva comporta uma dimensão
- cognitiva.
-
- [...]
-
- Assinalar um fenômeno de conhecimento no ser celular aparece decerto como uma
- verdadeira projeção retrospectiva do indiferenciado. Mas esta projeção pode
- justificar sua necessidade: seria absurdo negar a atividade cognitiva num ser
- que apresenta suas condições (aparelho computante) e os seus resultados
- (distinção do si/não-si, extração de informações do universo exterior, etc.). A
- idéia de que a auto-organização viva comporta uma dimensão cognitiva dá sentido
- e coerência ao conjunto dos dados relativos à organização celular. Mas, ao
- mesmo tempo, traz um aparente não-sentido à idéia de conhecimento, uma vez que
- trata de um conhecimento que não se conhece a si mesmo. Schelling dizia: "A
- vida é um saber que ignora a si mesmo...".
-
- -- 207, 208
-
- A partir daí, o paradoxo do conhecimento que não se conhece agrava-se: como
- pode haver autoconhecimento para um conhecimento que não se conhece?
-
- [...]
-
- Estaríamos inteiramente desarmados diante do problema do autoconhecimento se
- não tivéssemos já reconhecido a auto-referência no âmago de todos os processos
- celulares e de informação (portanto de autoinformação), de comunicação
- (portanto de autocomunicação), de computação (portanto de autocomputação).
- Significa, ao mesmo tempo, que o circuito auto-referente de si a si faz
- regressar o computado ao computador; sendo o computado também o computador, o
- computado-computador regressa à computação do computador. Trata-se de um
- circuito autocognitivo no qual o computador está apto não só para computar-se
- na parte por intermédio do todo, no todo por intermédio das partes, mas também
- para objetivar-se como computado (si, mim) e ressubjetivar-se como computador
- (eu).
-
- -- 209
-
- Devemos também supor que esses termos [...] são como que instâncias
- referenciais que fazem circular a reflexão de um ponto de vista a outro, cada
- uma das quais permite ao sujeito reconhecer ou afirmar um dos seus rostos.
-
- -- 213
-
- Já vimos aquilo que separa uma computação cerebral que só gera representações e
- uma computação celular que gera a vida. O computo celular produz o ser objetivo
- e, ao mesmo tempo, a modalidade subjetiva do ser. É o operador do circuito no
- qual, simultaneamente, o ser e a modalidade subjetiva do ser se geram e se
- regeneram, permanentemente.
-
- -- 214
-
- Temos que entender radical, fundamental, plenamente: computo ergo sum. Computo
- não significa "tenho um computador na minha máquina". Não significa apenas "sou
- um ser computante". Significa "eu computo, logo eu sou".
-
- -- 216
-
-## Existencialismo
-
-Turnover molecular, turbilhão computante (221, dentre outras).
-Jogo, erro e morte (217), a tragédia básica da existência e a solidão comunicante (218):
-
- Assim, a autou-afirmação individual do indivíduo-sujeito é a de um ator que
- joga o jogo de viver para ganhar a vida. A noção de ator é existencial no
- sentido em que o ator se joga a si mesmo -- joga a sua vida -- na busca, no
- esforço, no perigo no seio do "teatro" natural que é o seu ambiente. A condição
- existencial do jogo marca toda a vida: é a natureza sempre renascente e a luta
- sempre renascente contra a incerteza.
-
- O ator vivo mais modesto dispõe, para jogar o seu jogo, do seu capital de
- informações hereditárias e do computo egocêntrico que lhe permite transformar a
- informação em programa, extrair informações do mundo exterior, agir em função
- da situação. mas o computo comporta a sua brecha de incerteza: o risco de erro.
- Toda a existência viva traz consigo o risco permanente de error (no
- funcionamento auto-organizador, na percepção do mundo exterior, na escolha ou
- na decisão, na estratégia do comportamento) e todo o risco de erro traz consigo
- o risco e morte.
-
- [...]
-
- Como vimos, a morte não é o inimigo mortal da vida (porque, sem deixar de ser
- desintegrante, está integrada nas transformações e regenerações da vida). Mas é
- inimiga mortal do indivíduo-sujeito.
-
- -- 217
-
- Toda a existência que joga é, simultaneamente, jogada e joguete. [...] O
- estatuto do objetivo é incerto, improvável, aleatório, perecível, mas este
- indivíduo, por improvável e pouco necessária que seja a sua vinda ao mundo, por
- inexoravelmente mortal que ele seja, torna-se, logo que nasce e se forma, um
- ser absolutamente necessário "para si" e tende a viver a todo custo,
- indefinidamente. Aí reside a tragédia da existência viva. O indivíduo é um
- quantum de existência, efêmero, descontínuo, pontual, um "ser-lançado-no-mundo"
- entre ex nihilo (nascimento) e in nihilo (morte) e é ao mesmo tempo um sujeito
- que se autotranscende acima do mundo. Para ele, é o centro do universo. Para o
- universo, não passa de um vestígio corpuscular, um estremecimento de onda. Para
- ele é sujeito, para o universo é objeto. É a sua própria necessidade, embora
- tenha nascido por acaso, viva no acaso e morra no acaso. Nasceu no meio de
- milhões de sementes inutilizadas, dilapidadas, volatilizadas, formou-se num
- mistério de agregação, de epigenetização, de animação, que, do nada, produziu
- este instante periférico que se julga o umbigo do mundo.
-
- [...]
-
- O ser vivo, por constituição, está destinado à solidão existencial. Produz e
- mantém a sua membrana-fronteira. Opera a cisão ontológica entre si e não-si. A
- sua computação está numa câmara escura, e as informações que extrai são
- traduções.
-
- [...]
-
- A solidão, a separação, a incerteza constituem as condições prévias e
- necessárias da comunicação. Só os solitários podem e devem comunicar.
-
- -- 218
-
- O computo tem o papel vital e fundamental de traduzir acontecimentos em
- informações a computar por e para si. A partir daí, surge um problema que se
- tornará permanente e agudo na existência animal: como evitar o erro, como
- induzir em erro o adversário, o inimigo?
-
- [...]
-
- Como veremos cada vez mais claramente, a afetividade é a consequência, não a
- origem, da existência subjetiva.
-
- [...]
-
- A relação entre recepção de estímulos exteriores (a bactéria dispõe de
- químico-receptores) e o computo abre a porta à sensibilidade. A partir daí,
- tudo aquilo que acontece de nefasto ou benéfico é não só computado como "bom"
- ou "mau" (para si), mas também pode ser sentido como irritante ou apaziguante.
- As sensibilidades e irritabilidades progridem com o desenvolvimento dos
- receptores sensoriais e das redes nervosas.
-
- -- 219
-
-## O Sujeito
-
-Sujeito (220):
-
-* Esqueleto lógico-organizacional e carne ontológico-existencial.
-* Lógico: auto-referência, distribuidor de valores.
-* Organizacional: conceito inerente e necessário à auto-(geno-feno-eco)-organização.
-* Ontológico: sua afirmação individual egocêntrica é inerente e necessária à definição do ser vivo.
-* Existencial: cada um dos seus traços constitutivos comporta uma dimensão existencial.
-
-Trechos:
-
- O sujeito, repito, não é uma substância, uma essência, uma forma.
- É uma qualidade de ser [...]
-
- --- 221
-
- Assim, podemos ver que a qualidade de sujeito não é um epifenômeno ou uma
- superestrutura da individualidade viva, mas uma infra-estrutura que permite
- inscrever muito profundamente o indivíduo e o genos um no outro. Com efeito,
- não é apenas a mensagem genética que é necessária à constituição do sujeito.
- É a estrutura reprodutora que é indispensável à estrutura do sujeito, ao menos
- na esfera originárias e fundamental do unicelular. Reciprocamente, não é
- apenas a existência de um indivíduo que é necessária à reprodução genética.
- É a estrutura primeira do sujeito que é indispensável à estrutura reprodutora
- primeira.
-
- --- 223
-
- Marx dizia que a chave da autonomia do macado reside na autonomia do homem.
- Entendia com isso que o desenvolvimento, no homem, de qualidades potenciais
- ou embrionárias no macaco, permitia perceber aquilo que seria invisível
- se tivéssemos considerado o macaco isoladamente da evolução pela qual o
- metamorfoseou em homem. Em outras palavras, o ulterior permite conceber o
- anterior. Temos, pois, de prolongar a fórmula marxiana relativa ao macaco pela
- proposição contrária mas complementar, e pela conjugação em anel destas duas
- proposições [...] Em outras palavras, a chave de ambos está no movimento
- e confrontação initerrupto produtor de hipóteses e de teorias.
-
- -- 224
-
-## Comunicação, redes e o outro (alteridade)
-
-* Egoísmo e altruísmo, 232.
-
-Trechos:
-
- A faculdade de computar o outro como alter ego/ego alter é sem dúvida
- inseparável da faculdade de se computar a si "objetivamente" como um outro
- si-mesmo (alter ego) e de identificar este alter ego com a sua própria
- identidade subjetiva. [...] A comunicação entre congêneres exterioriza,
- num outro semelhante a si, os processos internos de objetivação/subjetivação,
- proteção/identificação. Constitui-se, entre os dois parceiros, de modo
- recíproco, um circuito de proteção (de si sobre o outro) e de identificação
- (do outro consigo).
-
- -- 228
-
- Assim, o anel que encerra o sujeito sobre si mesmo abre-lhe ao mesmo tempo a
- possibilidade de comunicar-se com outrem.
-
- -- 229
-
-## Estratégia e inteligência
-
- Veremos cada vez melhor que as noções de arte, estratégia, inteligência,
- bricolagem (estratégia organizadora de um novo objeto por conversão de antigos
- objetos ou elementos da sua finalidade ou função) são intercomunicantes.
-
- [...]
-
- Quando programa tende a comandar, diminuir, suprimir as estratégias, a
- obediência mecânica e míope torna-se modelo de comportamento. À escala humana,
- a estratégia necessita de lucidez na elaboração e na conduta, jogo de
- iniciativas e de responsabilidades, pleno emprego das competências individuais,
- isto é, pleno emprego das qualidades do sujeito. Eis por que, entre
- parênteses, o Método aqui procurado nunca será um programa, isto é, uma receita
- preestabelecida, mas um convite e uma incitação à estratégia do pensamento.
-
- -- 257
-
-## Liberdade
-
-* Definição, 258.
-* Suicídio, 259.
-
-## Sociedades: entidades de terceiro tipo
-
- Não existe fronteira bem nítida entre as associações mais ou menos frouxas e as
- sociedades rudimentares. Mas o que importa aqui é definir um fenômeno não na
- sua fronteira incerta, mas na sua emergência própria. O fenômeno social emerge
- quando as interações entre os indivíduos do segundo tipo produzem um todo
- não-redutível aos indivíduos e que retroage sobre ele, isto é, quando se
- constitui um sistema. Existe, portanto, sociedade quando as interações
- comunicadoras/associativas constituem um todo organizado/organizador, que é
- precisamente a sociedade, a qual, como toda a entidade de natureza sistêmica, é
- dotada de qualidades emergentes e, com as suas qualidades, retroage enquanto
- todo sobre os indivíduos, transformando-os em membros desta sociedade.
-
- -- 264
-
- O sistema social não é apenas um sistema: é uma organização que organiza
- retroativamente a produção e a reprodução das interações que a produzem,
- assegura a sua homeostasia através do turnover dos indivíduos que morrem e
- nascem e, assim, continua a ser um ser-máquina autoprodutor e auto-organizador.
-
- -- 265
-
-## Totalitarismo
-
- Um novo e enorme poder de Estado tende a concentrar-se ao longo do século XX.
-
- O Estado torna-se cada vez mais Estado-providência e Estado assistencial
- (Welfare state). Num sentido, dedica-se cada vez mais à proteção e ao
- bem-estar dos indivíduos, mas, ao mesmo tempo, estende as suas competências a
- todos os domínios das vidas individuais, doravante encerradas numa rede
- polimórfica, simultaneamente casulo (protetor mas eventualmente infantilizante)
- e armadilha. Assim, desenvolve-se um Estado, de certo não totalitário, mas
- totalizante, isto é, englobando todas as dimensões da existência humana.
-
- Os notáveis desenvolvimentos informáticos, de que hoje se discutem as
- ambivalências (Nora, Minc, 1978), deixam entrever espantosas possibilidades de
- desconcentração comunicacionais e de que beneficiariam os indivíduos. Mas, ao
- mesmo tempo, a informática dá a um aparelho de Estado central a possibilidade
- de agrupar e tratar todas as informações acerca de um indivíduo de modo muito
- mais ramificado e preciso que o controle neurocerebral sobre as células dos
- nossos organismos. A partir daí, um código policial/tecnológico (munido de
- dispositivos de detecção e de escuta em todos os terrenos) pode doravante
- exercer-se sobre o desvio, anomalia, originalidade. A isto é necessário
- acrescentar já as futuras ações bioquímicas sobre o espírito ----- cérebro
-
- humano, que permitirão estabelecer uma normalização generalizada de todo o
- desvio. Doravante, o Estado encontra-se dotado de poderes que, virtualmente,
- excedem todos os poderes de controle e de intervenção jamais concentrados.
-
- Aqui mesmo, temos de inscrever o processo aparentemente marginal,
- sociologicamente menor, que já constatei (Método I): o conhecimento científico
- produz-se cada vez menos para ser pensado e meditado por espíritos humanos, mas
- cada vez mais acumulado para a computação dos seus computadores, isto é, para a
- utilização das entidades superindividuais, em primeiro lugar a entidade
- supercompetente e onipresente: o Estado. Ao mesmo tempo e correlativamente,
- essa ciência cega-nos: o resto do nosso mundo, da nossa sociedade, do nosso
- destino é despedaçado por um conhecimento científico que, atualmente, ainda é
- incapaz de pensar o indivíduo, incapaz de conceber a noção de sujeito, incapaz
- de pensar a natureza da sociedade, incapaz de elaborar um pensamento que não
- seja unicamente matematizado, formalizado, simplificador, mas, ao contrário,
- muito capaz de fornecer aos poderes novas técnicas de controle, de manipulação,
- de opressão, de terror, de destruição.
-
- Ao aproximarmo-nos, pois, do momento em que podemos considerar que todos estes
- processos conjuntos poderiam permitir ao ser do terceiro tipo realizar-se em
- onipotência, não só sujeitando-nos e manipulando-nos, mas também
- infantilizando-nos, irresponsabilizando-nos e despossuindo-nos da aspiração ao
- conhecimento e do direito ao juízo.
-
- Tal hipótese não é brincadeira intelectual, pois o Estado dedicado a essa
- realização surgiu no século XX: o Estado totalitário. Instala-se, sob diversas
- variantes, em todos os continentes, em todas as civilizações, em todas as
- sociedades, sob o impulso, o controle, a apropriação de um aparelho soberano: o
- partido detentor de todas as competências, possuidor de verdade sobre o homem,
- a história, a natureza.
-
- A partir daí, bastaria que este Estado totalitário concentrasse e utilizasse de
- modo sistemático todas as formas de dominação/controle, não só burocráticas,
- policiais, militares, mitológicas, políticas, mas também científicas, técnicas,
- informáticas, bioquímicas, para que se pudesse operar uma sujeição das classes,
- grupos, indivíduos, já não apenas generalizada mas irreversível; regressões dos
- direitos individuais já não são apenas generalizadas mas irreversíveis.
- Podemos, certamente, esperar que nossos totalitarismos contemporâneos sejam os
- monstros provisórios nascidos das agonias e gestações deste século. Mas podemos
- recear também que estes monstros se tornem duradouros na e pela
- sujeição/controle estrutural dos indivíduos do segundo tipo e, por isso,
- constituam os artesãos de um desenvolvimento decisivo do ser do terceiro tipo.
-
- -- 281, 282
-
-## Autos
-
- Autos significa "o mesmo": não identidade consigo mesmo fundada numa
- invariância estáica, não identidade de dois termos distintos e semelhantes, mas
- unidade de um anel que, girando incessantemente do mesmo ao si mesmo, produz e
- reproduz o mesmo.
-
- O autos pertence à raça dos anéis turbilhonares. Um ciclo genérico de
- reproduções faz suceder os vivos aos vivos. Um turnover fenomênico faz suceder
- as moléculas às moléculas, as células às células (se policelular), os
- indivíduos aos indivíduos (sociedade). Assim como um turbilhão desenha uma
- figura estável no seio do fluxo, igualmente, e ainda mais, o dinamismo
- turbilhonar do autos produz, a partir de uma inscrição genética invariante,
- formas corporais aparentemente estáticas (células, organismos, sociedades) e
- aparece desenhar no tempo um esquema ou pattern fixo. Aqui reencontramos o
- vínculo pseudo-antinômico entre o movimento irreversível e o estado
- estacionário, dinamismo e a estabilidade, já bem elucidado (O Método !).
-
- -- 287
-
- O princípio de integração próprio de autos é, portanto, um princípio
- polianelante complexo que permite construir, simultaneamente, vários graus de
- auto-organização, de individualidade, de ser, de existência. Uma propriedade
- notável destas integrações mútuas é que as relações de pertença não anulam as
- relações de exclusão: cada ser permanece, no seu grau, um indivíduo-sujeito
- egocêntrico, embora "pertença" a um mega-ser, ele mesmo egocêntrico, de que é
- uma parte ínfima e enferma.
-
- De onde as consequências perturbadoras para a ontologia tradicional: embora os
- seres-sujeitos se excluam uns aos outros do seu lugar egocêntrico, podem,
- contudo, constituir vários seres em um, um ser em vários e, ao mesmo tempo,
- fragmentos de mega-seres.
-
- -- 290
-
-## Hierarquia e especialização
-
-* Problemas e vulnerabilidades da estrutura em rede centralista/hierárquica/especializada: 359.
-
-Trechos:
-
- A hierarquia constitui uma estrutura de sujeição, na qual os seres celulares
- estão sujeitos aos indivíduos policelulares, sujeitos Pas sociedades de que
- fazem parte. Os seres sujeitados continuam sujeitos, mas na ignorância (e, no
- caso dos humanos, na inconsciência), trabalham para os fins dos sujeitos que os
- sujeitam.
-
- Mesmo quando há arquitetura de emergências, a organização hierárquica comporta
- uma certa alienação do sujeito (que trabalha para os outros trabalhando para si)
- e uma virtualidade de subjugação e de exploração (remeto para as definições
- dadas na primeira parte). É, efetivamente, a partir do controle e da dominação:
- do baixo pelo alto, da parte pelo todo, do micro pelo macro, dos executantes
- pelos componentes, dos informados pelos informantes, que se estabelecem as
- relações de exploração infra-organizacional. E de fato, as "altas" formas
- globais (do organismo, da sociedade) mantêm-se e perduram no e pelo turnover
- das "baixas" formas, ou seja, vivem de mortes/renascimentos initerruptos dos
- indivíduos celulares, verdadeiro fluxo regenerador que mantém a permanência,
- a estabilidade, a sobrevivência do indivíduo sujeitante.
-
- -- 350-351
-
- A organização recorrente relativiza a noção de hierarquia, uma vez que a
- hierarquia depende, na sua própria existência, daquilo que depende dela.
- Temos de ir mais longe e reconhecer que, em toda a organização viva, a
- organização hierárquica precisa de organização não-hierárquica.
-
- [...]
-
- A anarquia não é a não-organização, é a organização que se efetua a partir
- das associações-interações sinérgicas entre seres computantes, sem que,
- para tal, haja necessidade de comando ou controle emanando dum nível
- superior. É assim que se constituem as eco-organizações. Ora esta anarquia
- sem controle superior constitui um todo que estabelece seu controle superior.
-
- -- 352
-
- Enfim, o parasitismo desenvolve-se no seio das organizações
- cêntricas/hierárquicas/especializadas do nosso universo antropossocial. Com
- efeito, o indivíduo ou a casta que detêm o poder de Estado podem saciar sem
- freios (não sendo controlados pela regra que controlam) os seus apetites
- egocêntricos e parasitar o conjunto do corpo social, assumindo mais ou menos
- corretamente as suas funções de interesse geral.
-
- -- 359
-
- Toda a concepção ideal de uma organização que seria apenas ordem,
- funcionalidade, harmonia, coerência é um sonho demente de ideólogo ou/e de
- tecnocrata. A irracionalidade que elminaria a desordem, a incerteza, o erro não
- é senão a irracionalidade que eliminaria a vida.
-
- -- 365
-
- Parece que toda a passagem de um micronível de organização a um macroniível,
- como do unicelular ao ser policelular, da sociedade arcaica de algumas centenas
- de membros à sociedade histórica de milhões de indivíduos, a complexidade da
- nova macroorganização é menor do que a da microorganização que intefra ou
- desintegra. Assim, os primeiros organismos policelulares, de estrutura
- demasiado frouxa ou demasiado rígida, não puderam elevar-se até o nível de
- complexidade organizacional da célula, e foram necessários unúmeros
- desenvolvimentos evolutivos (desenvolvimentos de órgãos e aparelhos internos,
- entre os quais o aparelho neurocerebral, o aparelho sexual, etc.) para que
- organismos superiores atinjam novos níveis de complexidade.
-
- [...]
-
- Talvez -- talvez? -- toda mudança de escala, todo salto em direção a um
- metassistema mais amplo deva apagar-se, num primeiro estádio, com uma pobreza
- organizacional, misto de ordem rígida e de desordem destruidora, antes de
- aparecerem as estruturas e emergências novas? E, neste sendido, estamos na era
- de gênese uraniana de uma organização social que ainda não encontrou a
- hipercomplexidade que torna possível a evolução cerebral pelo Homo sapiens (cf.
- Morin, 1973, p. 206-209).
-
- Com efeito, parece possível conceber um progresso organizacional baseado na
- regressão das especializações, das hierarquias, da centralização -- de onde a
- regressão correlativa das subjugações/sujeições --, no desenvolvimento das
- comunicações e confraternizações, no pleno emprego das qualidades estratégicas,
- inventivas, criativas, ainda totalmente inibidas ou por desbastar na nossa
- sociedade.
-
- -- 368-369
-
-## Bios
-
-* Ser vivo gerador de acaso; liberdade, criatividade e eventualidade, 409.
-* Autopoiese, 417.
-
-Trechos:
-
- Vimos que, para lá de um certo número de interações e de indeterdependências,
- para lá de um certo grau de complicação, se torna impossível calcular e
- conhecer os processos de um fenômeno. Niels Bohr formulara-o à sua maneira:
- "É impossível efetuar medidas físicas e químicas completas sobre um
- organismo sem matá-lo".
-
- -- 421
-
-## Complexidade, lógica e contradição
-
-* Simples, simplicidade, simplificação na ciência, 432.
-
-Trechos:
-
- O pensamento complexo, animado pela dupla exigência de completude (não a
- "totalidade", mas a não-mutilação) e de coesão, conduz num determinado momento
- a uma brecha lógica: a contradição. Será necessário que um diktat lógico
- exterior e abstrato condene a exigência de lógica interior que conduziu à
- contradição? Não será antes necessário imaginar que o surgimento da contradição
- opera a abertura súbita de uma cratera no discurso sob o impulso das camadas
- profundas do real?
-
- -- 425
-
- A lógica aristotélica corresponde à igualdade estática imediata das "coisas",
- objetos sólidos como pedra ou mesa, recortados ou isolados no tempo e no
- ambiente. O princípio do terceiro excluído e o princípio de identidade
- concernem sistemas "fechados", que definimos não só sem referência ao seu
- ambiente, mas também sem ter em conta o segundo princípio da termodinâmica, que
- constitui um princípio de transformação interna dos sistemas fechados. Assim,
- logo que se trata de sistema aberto, e singularmente de vida, "o princípio do
- terceiro excluído de identidade define um ser empobrecido, separado entre meio
- e indivíduo" (Simondon, 1964, p.17).
-
- Embora insuficientes para caracterizar as entidades complexas, esta lógica
- permite-nos arrancar os seres ou objetos à confusão, identificá-los num
- primeiro grau, e é necessária às operações seqüenciais do raciocínio
- complexo. Repetimos: não só o raciocínio complexo deve ser coerente mas é a
- sua própria coerência que conduz às contradições.
-
- Quando o pensamento simplificador encontra uma contradição que não pode ser
- superada, volta atrás exclamando "erro'. O pensamento complexo aceita o
- desafio das contradições. Não poderia ser, como a dialética, a "superação"
- (Aufhebung) das contradições. É a sua desocultação, a sua evidenciação,
- e recorre ao corpo-a-corpo com a contradição.
-
- [segue uma bela descrição sobre o surgimento de uma contradição]
-
- Daí em diante importa inverter o modo de pensamento simplificador que,
- postulando a adequação absoluta entre a lógica e o real, opera de fato
- a redução "idealista" do real à lógica. Temos de reconhecer que real
- e lógico não se identificam totalmente.
-
- [...]
-
- Para o conhecimento complexo, a contradição não é somente o sinal de um absurdo
- de pensamento. Pode tornar-se o detector de camadas profundas do real.
- Constitui então já não o detector do erro e do falso mas o indício e o anúncio
- do verdadeiro.
-
- [prossegue com uma bela fala sobre a lógica ilógica do vivo e o enriquecimento
- do princípio de incerteza]
-
- [...]
-
- O pensamento não serve à lógica: serve-se dela. O problema é: como servir-se?
-
- -- 427-429
-
-## Complexidade e simplicidade
-
-* Robotização do ser vivo pelo pensamento simplificador, 434.
-* Marxismo, sistemismo e simplificação, 435.
-
-Trechos:
-
- A complexidade é a união da simplificação e da complexidade.
-
- [...]
-
- O pensamento complexo deve lutar contra a simplificação, utilizando-a
- necessariamente. Existe sempre um duplo jogo no conhecimento complexo:
- simplificar ----> complexificar. No duplo jogo, o complexo volta
- \ /
- ---------<--------´
-
- incessantemente como pressão da complexidade real e consciência da
- insuficiência dos nossos meios intelectuais diante do real (por isso,
- o pensamento complexo é o pensamento modesto que se inclina diante
- do impensável).
-
- -- 432-433
-
- O esforço da complexidade é aleatório e difícil. [...] É porque
- integra aquilo que desintegra o pensamento que ela vive [a estratégia
- do pensamento complexo], como tudo quanto é vivo, à temperatura da
- sua própria destruição. [isto é citado novamente na página 438]
-
- [...]
-
- A complexidade é um termo-chave. Mas não é uma palavra dominante.
-
- -- 435
-
-## Viver
-
-* Simmel, 440.
-* Simondon, 441.
-* Von Neumann, jogo, 446.
-* Organ, fervilhar ardentemente, 465.
-
-Trechos:
-
- O ser que nasce não pediu para viver, mas logo que nasce, só pede para viver.
- Nenhum vivo quis viver, no entanto, todo o vivo quer viver.
-
- -- 438
-
- A definição de Bichat: "A vida é o conjunto das funções que resistem à morte."
-
- [...]
-
- Atlan formula o princípio complementar e antagônico do princípio de Bichat:
- "A vida é o conjunto das funções capazes de utilizar a morte"
- (Atlan, 1979, p. 278)
-
- -- 439-440
-
- Ninguém nasce só. Ninguém está só no mundo, no entanto cada um está só
- no mundo.
-
- -- 442
-
- Os destinos são diferentes, desiguais, incomensuráveis, que seria absurdo
- hierquizá-lo (sic). Mas certamente existem vidas infernais: parasitas,
- subjugadas, subdesenvolvidas, atrofiadas...
-
- -- 443
-
-## Manipulação da vida
-
- A ação do homem sobre a vida começou desde a pré-história por domesticação,
- sujeição, subjugação, e prosseguiu como manipulação através de hibridações
- e cruzamentos. A manipulação alcança hoje o santuário dos genes.
-
- [...]
-
- Por um lado, há um ganho potencial de complexidade por elevação da produção
- industrial do nível do artefato ao da organização viva. Existe redução
- potencial do ser vivo ao estatuto do artefato e praticamente transformação
- dos seres vivos em máquinas artificiais (já a criação industrial dos
- porcinos e bovinos os transforma em puras e simples máquinas de fazer carne).
-
- Assim, a progressão do industrial tornado vivo corre o risco de ser uma
- regressão da vida, que vai se tornando industrial, tornando-se a
- bioindústria o prolongamento tecnossociológico da manipulação experimental
- que trata os seres celulares e pluricelulares como agrupamentos de
- peças soltas.
-
- Mais profunda e amplamente, está aberta a porta para a manipulação ilimitada
- sobre a vida. Encontramo-nos no momento de uma tomada de poder decisiva.
- Podemos imaginar, como me indica Gaston Richard, que os microorganismos
- podem efetuar todas as operações naturais necessárias à nossa vida, inclusive
- a fotossíntese, tornando assim obsoletas a nossa preocupação de preservar
- ecossistemas: de onde a possibilidade de liquidação geral de todas as
- espécies vegetais ou animais, deixando frente a frente, no Planeta Terra,
- o homo e a Escherichia coli.
-
- [...]
-
- O novo poder sobre a vida será tão fundamentalmente controlador e tão
- fundamentalmente incontrolador quanto foi a tomada de poder sobre a energia
- atômica há quarenta anos. E concerne, mais íntima e fundamentalmente ainda, o
- poder sobre o homem.
-
- -- 469-470
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@@ -1,140 +0,0 @@
-[[!meta title="O Método - Volume III"]]
-
-[[!toc levels=4]]
-
-## Geral
-
-* Arqui-racionalidade, 59.
-* Simplificar <-> complexificar, 72-73.
-* Techne, 196.
-* Gênio, 204.
-* Tomada de consciência, 212.
-* Auto-análise, 216 (mas não só nessa página).
-* Idealismo: tomar a idéia pelo real, 248.
-* Racionalização: encerrar o real num sistema coerente, 248.
-* Auto-engano (self-deception), 249.
-
-## Paradoxo essencial do cérebro-espírito
-
- O que é um espírito que pode conceber o cérebro que o produz, e o que é um
- cérebro que pode produzir um espírito que o concebe?
-
- -- 84
-
-## Princípio hologramático, holográfico
-
- Daí a riqueza das organizações hologramáticas:
-
- a) as partes podem ser singulares ou originais, embora dispondo de aspectos
- gerais e genéricos da organização do todo;
-
- b) as partes podem ser dotadas de autonomia relativa;
-
- c) podem estabelecer comunicações entre elas e realizar trocas organizadoras;
-
- d) podem ser eventualmente capazes de regenerar o todo;
-
- No universo vivo, o princípio hologramático é o princípio essencial das
- organizações policelulares, vegetais e animais; cada célula permanece singular,
- justamente porque, controlada pela organização do todo (ela mesma produzida
- pelas interações entre células), uma pequena parte da informação genética nela
- contida se exprime; mas ela permanece ao mesmo tempo portadora das
- virtualidades do todo, o que poderia, eventualmente, atualizar-se a partir
- delas; assim, seria possível reproduzir por clonagem o ser inteiro a partir de
- uma célula mesmo extremamente especializada ou periférica do organismo.
-
- -- 115
-
-## Concepção: dialógica da analógica <-> lógica (digital)
-
- As analogias organizadoras permitem a formação de homologias que suscitam
- princípios organizadores. O raciocínio por analogia faz logo parte do caminho
- que leva à modelização e à formalização, mas sob a condição de obedecer à
- dialógica do analógico, do lógico e do empírico, ou seja, ao controle da
- verificação dedutiva e da verificação empírica. Assim, constitui-se uma onte do
- concreto ao abstrato e do abstrato ao concreto através da qual se tece e se
- cria a __concepção__, insto é, um novo modo de organizar a experiência e de
- imaginar o possível. Em consequência, reencontramos, no próprio procedimento
- científico, mas de explícito, razoável e consciente, os métodos de
- conhecimentos por isomorfismo, homeomorfismo e homologia que o aparelho
- cognitivo utiliza espontânea e inconscientemente no conhecimento perceptivo e
- discursivo.
-
- -- 157
-
- A analogica é iniciadora, inovadora (Peirce indicou que a inovação jorra quase
- sempre da analogia), inclusive na invenção científica. Alimenta uma ligação
- entre concreto e abstrato (via isomorfismos, tipologias, homologias) e entre
- imaginário e real (via metáfora). Essas pontes, como já indicamos, estimulam
- e provocam a __concepção__, isto é, a formação de novos modos de organização
- do conhecimento e do pensamento.
-
- -- 158
-
-## Inteligência artificial
-
- No estádio evolutivo atual, o conhecimento por computador continua um apêndice
- operacional do conhecimento humano; ainda não se trata do primeiro modelo de
- um conhecimento sobre-humano. Não é proibido imaginar, para o futuro, máquinas
- cognoscentes, artificiais no começo, e depois auto-organizativas e dotadas
- de individualidade. Mas elas se tornariam então novos seres-sujeito que gozariam
- e sofreriam com os seus conhecimentos, produziriam, talvez, os seus próprios
- mitos e poderiam então manipular as coisas ou mesmo os seres humanos.
-
- -- 226
-
-## Limites do conhecimento
-
- O problema da caverna permanece. O problema da câmara fechada continua. Mas
- sabemos doravante que a caverna nos permite ver sob a forma de sombras o que,
- fora, nos cegaria; a câmara fechada, onde o cérebro permanece encerrado,
- permite ao espírito abrir-se ao mundo sem se aniquilar.
-
- -- 240
-
- Nessas condições, somos aparentemente conduzidos à definição tradicional da
- verdade: a adequação do espírito à coisa. Mas é preciso complexificar:
- como a coisa é co-elaborada pelo aparelho cognitivo, vale mais conceber o
- conhecimento como adequação de uma organização cognitiva (representação,
- idéia, enunciado, discurso, teoria) a uma situação ou organização fenomenal.
-
- Tal adequaçã não é evidentemente a de um "reflexo", mas o fruto de uma
- reprodução mental. Tal reprodução não constitui a cópia, mas a _simulação_,
- nos modos analógicos/homológicos, dos objeto, situações, fenômenos,
- comportamentos, organizações.
-
- Assim, a representação e a teoria podem ser consideradas, cada uma do seu
- jeito, como uma reconstituição simuladora, uma concreta/singular, a outra
- abstrata/generalizante.
-
- [...]
-
- Em nenhum caso, o conhecimento esgotaria o fenômeno a ser conhecido
- e a verdade total, exaustiva ou radical é impossível. Toda pretensão
- à totalidade ou ao fundamento resulta em não-verdade.
-
- -- 244
-
- Acrescente-se que a operacionalidade lógica, limitada aos enunciados
- segmentados, encontra limite no aparecimento do nó complexo dos problemas e ao
- atingir as camadas primordiais da realidade.
-
- [...]
-
- Acabamos pois além do realismo "ingênuo" e do realismo "crítico", além do
- idealismo clássico e do criticismo kantiano, num _realismo relacional,
- relativo e múltiplo_. A _relacionalidade_ vem da relatividade dos meios
- de conhecimento e da relatividade da realidade cognoscível. A multiplicidade
- diz respeito à multiplicidade dos níveis de realidade e, talvez, à
- multiplicidade das realidades. Segundo esse realismo relativo, relacional
- e múltiplo, o mundo fenomenal é real, mas relativamente real, e devemos mesmo
- relativizar a nossa noção de realidade admitindo uma irrealidade interna
- a ela. Esse realismo reconhece os limites do cognoscível e sabe que o
- mistério do real não se esgota de forma alguma no conhecimento.
-
- -- 245
-
- Pensa por ti mesmo, e o método te ajudará.
-
- -- 251
-
diff --git a/books/filosofia/metodo/4.md b/books/filosofia/metodo/4.md
deleted file mode 100644
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--- a/books/filosofia/metodo/4.md
+++ /dev/null
@@ -1,164 +0,0 @@
-[[!meta title="O Método - Volume IV"]]
-
-[[!toc levels=4]]
-
-## Geral
-
-* Cultura como um megacomputador, 20.
-* Pensamento e efervescência culturais na temperatura de sua própria destruição, 98.
-* Metanível, metalógica, 248.
-
-## Cultura
-
- Assim, a cultura não é nem "superestrutura" nem "infra-estrutura", termos
- impróprios em uma organização recursiva onde o que é produzido e gerado
- torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera.
-
- [...]
-
- Se a cultura contém um saber coletivo acumulado em memória social, se é
- portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão
- de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a
- _cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina cognitiva
- cuja práxis é cognitiva_.
-
- -- 19
-
- Nesse sentido, poder-se-ia dizer metaforicamente que a cultura de uma sociedade
- é como uma espécie de megacomputador complexo que memoriza todos os dados
- cognitivos e, portadora de quase-programas, prescreve as normas práticas,
- éticas, políticas dessa sociedade.
-
- -- 20
-
-## Efervescência cultural
-
- Por um lado, o imprinting, a normalização, a invariância, a reprodução.
- Mas, por outro lado, os enfraquecimentos locais do imprinting, as brechas na
- normalização, o surgimento de desvios, a evolução dos conhecimentos, as modificações
- nas estruturas de reprodução.
-
- [...]
-
- Para tratar desses problemas, é preciso, antes de tudo, perguntar quais são as
- possibilidades de enfraquecimento dos três níveis deterministas do _imprinting_
- cognitivo (paradigmas, doutrinas, estereótipos), bem como sobre as possibilidades
- de falha ou atenuação da normalização.
-
- Em nossa opinião, são os seguintes:
-
- - a existência de vida cultural e intelectual dialógica;
- - o "calor" cultural;
- - a possibilidade de expressão de desvios.
-
- -- 33
-
-## Conhecimento do conhecimento
-
- Assim, desembocamos em uma situação cognitiva ao mesmo tempo emaranhada e
- circular: cada instância (sociologia, ciência, epistemologia) necessita das
- outras para conhecer-se e legitimar-se e o círculo que poderia então se
- constituir entre essas instâncias, cada uma dependendo da outra e recorrendo à
- outra, constituiria então o metaponto de vista ao qual cada uma tentaria
- referir-se. Aqui, só estamos no começo da elaboração do _grande anel cujo
- circuito produtivo constituiria "o conhecimento do conhecimento_, isto é, o
- conjunto complexo e rotativo dos metapontos de vista sobre o conhecimento; mas,
- desde já, o anel restrito esboçado aqui nos permite entrever "o grade anel"
- epistemológico ("o anel dos anéis").
-
- -- 115
-
-## O futuro do conhecimento
-
- Além disso, podemos perguntar se, na aurora do novo milênio, o próprio destino do
- conhecimento humano não estará sendo novamente posto em jogo.
-
- Retomemos a metáfora do Grande Computador.
-
- Há, nas sociedades modernas e democráticas, uma relação extremamente complexa e
- recursiva entre o Grande Computador e os indivíduos; estes não estão apenas
- submetidos ao conhecimento próprio à sua cultura, mas são também sujeitos
- cognoscíveis, cuja consciência individual está dotada de uma competência de princípio
- para examinar idéias, decidir sobre a verdade e julgar problemas éticos correspondentes.
-
- Mas, alguma coisa está modificando-se no próprio modo das interações cognitivas que
- tecem as relações sociais. O que chamamos de informática é, na realidade, a primeira
- etapa, ainda bárbara e grosseira, de um sistema de computação/informação/comunicação
- artificial que poderá revolucionar as relações do espírito com o cérebro, da sociedade
- com os seus membros, do Estado com o indivíduo. Já se formam apêndices cerebrais artificiais,
- coletivos ou pessoais (os computadores individuais) que dialogam com nossos espíritos,
- comunicam-se uns com os outros e articulam-se cada vez mais no tecido social.
- Estamos na aurora de um formidável desenvolvimento da cerebralidade artificial em redes e,
- nesse sentido, estamos também no alvorecer de uma nova idade do conhecimento.
-
- Os processos em curso são profundamente ambivalentes e as perspectivas de futuro, incertas.
-
- Já vimos (na introdução de _La Méthode_ 1, p. 12-13) o problema do despojamento do direito
- individual para integrar e refletir o conhecimento em proveito dos especialistas,
- experts e bancos de dados.
-
- Acrescentemos: os desenvolvimentos das redes neurocerebrais artificiais, com seus
- desdobramentos previsíveis (novas gerações de computadores "neuronais" aptos eventualmente
- a reorganizar as regras dos programas, extensão e generalização do tecido informático
- poli-tele-conectado), realizam-se segundo duas vias divergentes:
-
- - uma vai no sentido do desenvolvimento dos poderes individuais do conhecimento (poderes
- operacionais, lógicos, heurísticos, acesso às fontes de dados, etc.) e das possibilidades
- individuais de expressão, de transmissão, de diálogo;
-
- - a outra vai no sentido do desenvolvimento dos poderes de controle dos indivíduos pelas
- administrações e pelo Estado.
-
- Ao mesmo tempo, o progresso no conhecimento bio-químico-físico do cérebro permitirá
- a modificiação, via intervenções moleculares ou outras, dos processos mentais.
-
- Daí, ainda uma ambivalência no desenvolvimento desses poderes:
-
- - por um lado, o espírito individual poderia intervir no seu próprio cérebro para
- modificar, enriquecer, exaltar os seus estados de consciência.
-
- - por outro lado, um novo poder totalitário poderia subjugar, _via_ manipulações
- neurocerebrais, incluindo a interpretação dos dados sensoriais, a provocação ou
- inibição das emoções, a elaboração dos projetos para o futuro.
-
- Assim, por um lado, o espírito poderia agir sobre o cérebro para desenvolver-se.
- Por outro, a organização social poderia agir sobre o cérebro para controlar o
- espírito. Por um lado, abrir-se-ia a possibilidade de dar vida aos "Mozart assassinados".
- Por outro, afirmar-se-ia o reino do _Big Brother_.
-
- -- 121-123
-
-## Noosfera
-
-Popper já havia dividido o universo humano em três mundos:
-
- 1. O mundo das coisas materiais exteriores.
- 2. O mundo das experiências vividas.
- 3. O mundo constituído pelas coisas do espírito, produtos culturais, linguagens, noções,
- teorias, inclusive os conhecimento objetivos. Trata-se, de fato, de uma _noosfera_,
- conforme o termo forjardo Teilhard de Chardin nos anos 20. Popper denominou-o
- o "mundo três".
-
- [...]
-
- Pierre Auger chegou à idéia não tanto de um "terceiro mundo", no sentido de Popper, mas
- de um terceiro reino, no sentido biológico do termo. Esse novo reino é "constituído por
- organismos bem definidos, as idéias, que se reproduzem por multiplicações idênticas
- nos meios constituídos pelos cérebros humanos, graças às reservas de ordem aí disponíveis".
- As idéias são dotadas de vida própria porque dispõem, como os vírus, em um meio (cultural/cerebral)
- favorável, da capacidade de autonutrição e de auto-reprodução. Assim, os cérebros humanos
- e, acrescentemos, as culturas formam os ecossistemas do mundo das idéias. Auger constata
- muito bem que não apenas as idéias, mas também os mitos e os deuses, vivem uma vida própria
- no terceiro reino.
-
- -- 134-136
-
- De minha parte, [...] convencido de que esse mundo certamente é um produto, mas um
- produto recursivamente necessário à produção de seu próprio produtor antropossocial,
- fui sensibilizado pela conepção de Auger/Monod que considerava a noosfera não mais como
- um mundo abstrato de objetos ideias, mas como um mundo fervilhante de seres dispondo
- de algumas das características essenciais dos seres biológicos; fui assim estimulado
- a explorar o problema da autonomia relativa e da relação complexa (da simbiose à
- exploração mútua) entre esses seres de espírito e os seres humanos.
-
- -- 136-137
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-[[!meta title="O Método - Volume V"]]
-
-[[!toc levels=4]]
-
-## Geral
-
-* Tecnologia, 213.
-* Progresso e história linear, 217.
-* Contracorrentes de defesa contra a dominação, 231.
-* Convergência álter-globalização, 234.
-* Liberdades do espírito, 282.
-
-## Liberdade
-
- Como, justamente, dizia Rivarol: "O mais difícil, num período conturbado não é
- cumprir o dever, mas conhecê-lo". Que significa a liberdade quando a consciência
- está turva e extraviada? A aventura da liberdade é um "jogo engraçado", um jogo
- perigoso. Vemos aqui que a liberdade corre o mesmo risco que a verdade: o
- risco do erro.
-
- Evidente que é mais fácil, 30 anos depois, dissipada a confusão ver claro onde
- tantos espíritos se perderam.
-
- -- 277
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--- a/books/filosofia/metodo/6.md
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-[[!meta title="O Método - Volume VI"]]
-
-[[!toc levels=4]]
-
-## Geral
-
-* Eugenia, eliminação de desviantes e dissidentes, 76.
-* Crises, novas soluções, soluções neuróticas e patológicas, 85.
-* Quadro da auto-ética, 93.
-* Definição de antropoética, 159.
-* Os nove mandamentos da antropoética, 163.
-* Bem viver, 171.
-* Metamorfose, 179.
-* "Tudo o que não regenera, degenera" (pág. 197 e ao longo do livro).
-
-## Amor
-
- O amor é a expressão superior da ética. Segundo Tagore, "o amor verdadeiro exclui
- a tirania, assim como a hierarquia".
-
- -- 37
-
-## Compreensão
-
- Trata-se de um erro intelectual reduzir um todo complexo a um único dos seus
- elementos e esse erro se tornsa pior em ética do que em ciência. A redução
- impede a compreensão do outro. Hegel sintetizou a redução na já citada frase
- sobre o assassino. Reduzir a mentiroso aquele que não tem consciência de estar
- mentindo para si mesmo significs inventar um culpado. Enclausurar para sempre
- na culpabilidade aqeuele que cometeu um erro de julgamento político numa época
- conturbada faz parte infelizmente da banalidade da incompreensão, que produzir
- um consumo enorme de culpados. As disputas ideológicas e políticas
- transformam-se em ódio e desprezo pelo outro por meio da redução e da
- identificação de uma pessoa com idéias consideradas nocivas.
-
- O importante é não reduzir o ser humano à sua ideologia nem às convicções
- culturalmente nele gravadas. Assim, não se pode reduzir Aristóteles ou Platão,
- ou tantos outros seres, de resto, sensíveis, ao fato de que aceitavam a
- escravidão como coisa natural. Mas não se pode esquecer isso, o que nos ajuda a
- compreender que mesmo nos mais belos espíritos existem manchas de desumanidade
- e de incompreensão.
-
- -- 114
-
- Ora, não há hierarquia mas antes permutações rotativas entre as três instâncias
- cerebrais, ou seja, razão/afetividade/pulsão. Conforme os indivíduos e os
- momentos, há dominação de uma instância sobre as outras, o que indica não
- apenas a fragilidade da racionalidade, mas também que a noção de
- responsabilidade plena e lúcida só tem sentido para um ser controlado em
- permanência pela sua inteligência racional.
-
- Além disso, todo indivíduo tem em potencial uma multipersonalidade; a
- duplicação da personalidade, no seu aspecto patológico extremo, só faz revelar
- um fenômeno normal pelo qual nossa personalidade se cristaliza diferentemente
- não apenas em função dos papéis sociais que desempenhamos, mas conforme a ira,
- o ódio, a ternura, o amor, tudo o que nos leva realmente a passar de uma
- personalidade para outra, modificando as relações entre razão, afetividade e
- pulsão.
-
- -- 114-115
-
-## A modéstia ética
-
- Prega o abandono de todo sonho de controle (inclusive do seu controle).
-
- -- 197
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- ordem -- organizacao;
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-}
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