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author | Silvio Rhatto <rhatto@riseup.net> | 2018-08-07 10:05:58 -0300 |
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Tal como - abundantes e régios recursos, quando caem nas mãos de um mau senhor, - dissipam-se num momento, enquanto que, por pequenos que sejam, se são confiados - a um bom guarda, crescem pelo uso, assim também nossa vida se estende por muito - tempo, para aquele que sabe dela bem dispor. - - [...] - - Por que nos queixamos da Natureza? Ela mostrou-se benevolente: a vida, se - souberes utilizá-la, é longa. Mas uma avareza insaciável apossa-se de, um de - outro, uma laboriosa dedicação a atividades inúteis, um embriaga-se de vinho, - outro entorpece-se na inatividade; a este, uma ambição sempre dependente das - opiniões alheias o esgota, um incontido desejo de comerciar leva aquele a - percorrer todas as terras e todos os mares, na esperança de lucro; a paixão - pelos assuntos militares atormenta alguns, sempre preocupados com perigos - alheios ou inquietos com seus próprios; há os que, por uma servidão voluntária, - se desgastam numa ingrata solicitude a seus superiores; (2) a busca da beleza - de um outro ou o cuidado com sua própria ocupa a muitos; a maioria, que não - persegue nenhum objetivo fixo, é atirada a novos desígnios por uma vaga e - inconstante leviandade, desgostando-se com isso; alguns não definiram para onde - dirigir sua vida, e o destino surpreende-os esgotados e bocejantes, de tal - forma que não duvido ser verdadeiro o que disse, à maneira de oráculo, o maior - dos poetas: “Pequena é a parte da vida que (3) vivemos.” Pois todo o restante - não é vida, mas tempo. - - [...] - - Finalmente, todos concordam que um homem ocupado não pode fazer nada bem: não - pode se dedicar à eloqüência, nem aos estudos liberais, uma vez que seu - espírito, ocupado em coisas diversas, não se aprofunda em nada, mas, pelo - contrário, tudo rejeita, pensando que tudo lhe é imposto. Nada é menos próprio - do homem ocupado do que viver, pois não há outra coisa que seja mais difícil de - aprender. Professores das outras artes, há vários e por toda parte, dentre - algumas dessas, vemos crianças terem atingido tanta maestria, que chegam até a - ensiná-las. Deve-se aprender a viver por toda a vida, e, por mais que tu talvez - te espantes, a vida (4) toda é um aprender a morrer. Muitos dos maiores homens, - tendo afastado todos os obstáculos e renunciado às riquezas, a seus negócios e - aos prazeres, empregaram até o último de seus dias para aprender a viver, - contudo muitos deles deixaram a vida tendo confessado ainda não sabê-lo – e - muito menos ainda (5) o sabem os que mencionei acima. - - [...] - - Cada um faz precipitar sua vida e (9) padece da ânsia do futuro e de tédio - do presente. - - [...] - - Portanto não há por que pensar que alguém tenha vivido muito, por causa de suas - rugas ou cabelos brancos: ele não viveu por muito tempo, simplesmente foi por - muito tempo. Pensarias ter navegado muito, aquele que, tendo se afastado do - porto, foi apanhado por violenta tempestade, errou para cá e para lá e ficou a - dar voltas, conforme a mudança dos ventos e o capricho dos furacões, sem - contudo sair do lugar? Ele não navegou muito, mas foi muito acossado. - - [...] - - Os homens recebem pensões e aluguéis com muito prazer e concentram neles suas - preocupações, esforços e cuidados, mas ninguém dá valor ao tempo; usa-se dele a - rédeas soltas, como se nada custasse. Porém, quando doentes, se estão próximos - do perigo de morte, prostram-se aos joelhos dos médicos; ou, se temem a pena - capital, estão prontos a gastar todos os seus bens para viver. - Tamanha é a discórdia de seus (3) sentimentos! Se fosse possível apresentar a - cada um a conta dos anos futuros, da mesma forma que podemos fazer com os - passados, como tremeriam aqueles que vissem restar-lhes poucos anos e como os - poupariam! Pois, se é fácil administrar o que, embora curto, é certo, deve-se - conservar com muito cuidado o que não se pode saber (4) quando há de acabar. - Contudo não há por que pensar que eles ignoram que coisa preciosa é o tempo: - costumam dizer aos que amam muitíssimo que estão dispostos a lhes dar parte de - seus dias. E realmente dão, sem se aperceberem disto, mas dão de forma a - subtraírem vários anos a si, sem aumentar os daqueles. Mas ignoram o fato mesmo - de estarem perdendo seus anos, por isso lhes é tolerável a perda de um bem que - não é (5) notado. Ninguém devolverá teus anos, ninguém te fará voltar a ti - mesmo. Uma vez principiada, a vida segue seu curso e não reverterá nem o - interromperá, não se elevará, não te avisará de sua velocidade. Transcorrerá - silenciosamente, não se prolongará por ordem de um rei, nem pelo apoio do povo. - Correrá tal como foi impulsionada no primeiro dia, nunca desviará seu curso, - nem o retardará. Que sucederá? Tu estás ocupado, e a vida se apressa; por sua - vez virá a morte, à qual deverás te entregar, queiras ou não. - - 9 – 1: Pode haver algo mais estúpido que o modo de ver de alguns – falo - daqueles que deixam de lado a prudência. Ocupam-se para poder viver melhor: - armazenam a vida, gastando-a! Fazem seus planos a longo prazo; no entanto - protelar é do maior prejuízo para a vida: arrebata-nos cada dia que se oferece - a nós, rouba-nos o presente ao prometer o futuro. O maior impedimento para - viver é a expectativa, a qual tende para o amanhã e faz perder o momento - presente. Do que está nas mãos da Fortuna, dispões; o que está nas tuas, - despedes. Para onde ficas a olhar? Para que tendes? Tudo que está por vir se - assenta na incerteza: desde (2) já, vive! - - [...] - - O tempo presente é brevíssimo, tanto que a alguns parece não existir, pois está - sempre em movimento; flui e precipita-se; deixa de ser antes de vir a ser; é - tão incapaz de deter-se, quanto o mundo ou as estrelas, cujo infatigável - movimento não lhes permite permanecer no mesmo lugar. Pertence, pois, aos - ocupados, apenas o tempo presente, que é tão breve que não pode ser abarcado; e - este mesmo escapa-lhes, ocupados que estão em muitas coisas. - - [...] - - Dentre todos os homens, somente são ociosos os que estão disponíveis para a - sabedoria; eles são os únicos a viver, pois, não apenas administram bem sua - vida, mas acrescentam-lhe toda a eternidade. Todos os anos que se passaram - antes deles são somados aos seus. - - [...] - - Nenhum destes [filósofos] forçará tua morte, todos te ensinarão a morrer, - nenhum dissipará teus anos, mas te oferecerá os seus. Nunca a conversação com - eles será perigosa, fatal a amizade ou onerosa a deferência. Conseguirás deles - tudo o que quiseres: não será deles a culpa (2) se não tiveres exaurido tudo o - que desejas. Que felicidade, que bela velhice não aguarda o que se dispôs a ser - seu cliente! Ele terá com quem discutir sobre as menores, bem como sobre as - maiores, questões, a quem consultar diariamente sobre si mesmo, de quem ouvir a - verdade sem ofensa e ser louvado sem adulação, a cuja (3) semelhança se possa - moldar. Costumamos dizer que não está em nosso poder escolher os pais que a - sorte nos destinou, mas que nos foram dados ao acaso; contudo é nos permitido - ter um nascimento segundo a nossa escolha. Existem famílias dos mais nobres - espíritos: escolhe a qual delas queres pertencer, e receberás não apenas seu - nome, mas também seus próprios bens, que não terás de vigiar miserável e - mesquinhamente, pois, quanto mais forem partilhados pelos homens, maiores (4) - se tornarão. Estes te darão o acesso à eternidade, te elevarão àquelas alturas - de onde ninguém se precipita. Esta é a única maneira de prolongara existência - mortal e, até mais, de convertê-la em imortalidade. As dignidades, os - monumentos, tudo o que a ambição impôs por decretos, ou construiu com o suor, - depressa há de cair em ruínas: não há nada que a longa passagem dos anos não - destrua ou desordene. Mas ela não pode tocar nos conhecimentos que a sabedoria - consagrou, nenhuma idade os destruirá ou diminuirá, a seguinte e as sucessivas - sempre hão de aumentá-los ainda mais: pois a inveja tem olhos apenas para o que - está próximo de si, e admiramos com menos malícia o que está (5) distante. - Portanto a vida do filósofo estende-se por muito tempo, e ele não está - confinado nos mesmos limites que os outros. É o único a não depender das leis - do gênero humano: todos os séculos servem-no como a um deus. - - [...] - - É extremamente breve e agitada a vida dos que esquecem o passado, negligenciam - o presente e receiam o futuro; quando chegam ao termo de suas existências, os - pobres coitados compreendem tardiamente que (2) estiveram por longo tempo - ocupados em nada fazer. [...] - Não há ainda razão para se pensar que isto também seja uma prova de uma vida - longa: – o fato de muitas vezes os dias lhes parecerem longos, ou porque se - queixam de as horas custarem a passar até que chegue o momento do jantar; pois, - se porventura as ocupações os abandonam, sentem-se desertados e inquietam-se - mesmo no lazer, nem sabem como dispor dele ou matá-lo. Portanto anseiam por uma - ocupação qualquer, e todo intervalo de tempo entre duas ocupações lhes é um - fardo. E – por Hércules – tal é o que acontece quando se fixa a data dos - combates de gladiadores, ou quando se aguarda o dia de um outro gênero qualquer - de espetáculo ou divertimento: (4) desejam saltar os dias intermediários! - - [...] - - Em meio a grandes labutas, conseguem o que desejam e ansiosos conservam o que - conseguiram; entretanto não têm consciência de que o tempo nunca mais há de - voltar. Novas ocupações seguem-se às antigas; a esperança suscita esperança; a - ambição, ambição. - - [...] - - Portanto, meu caro Paulino, aparta-te da multidão e, já bastante acossado pela - duração de tua existência, não te afastes de um porto mais tranqüilo. Pensa - quantas vagas já te acometeram, quantas tempestades, de uma parte, já - suportaste na vida particular, quantas, de outra, suscitaste contra ti na vida - pública. Teu valor já foi suficientemente testado, em fatigantes e atormentadas - provas, o teu valor: tenta ver o que pode realizar no ócio. A maior parte de - tua vida, e certamente a melhor, foi dada à República, toma (2) também para ti - um pouco de teu tempo. Não te convoco a um retiro indolente e inativo, nem - a afogar todo o teu vigoroso caráter no sono ou nos prazeres caros à multidão: - isso não é estar em sossego. Encontrarás tarefas maiores que todas as que - cumpriste devotadamente até aqui, as quais executarás no retiro e livre de (3) - preocupações. - - [...] - - Recolhe-te a estas coisas mais tranqüilas, mais seguras, melhores! Acaso tu - pensas serem o mesmo estas duas coisas: cuidar que o trigo seja transportado ao - celeiro, intacto e a salvo da fraude ou negligência dos carregadores, que não - se estrague pela fermentação, que esteja bem seco, que seu peso e medida - confiram, e elevar-se às coisas sagradas e sublimes para conhecer qual é a - substância de deus, seu prazer, sua condição, sua forma, que destino aguarda - tua alma, que lugar a Natureza nos destina após nos separarmos do corpo, qual a - razão por que ela mantém os corpos mais pesados no centro do universo, suspende - os altos às regiões altas, eleva o fogo à mais alta, impele as estrelas às suas - trajetórias e ainda outras coisas cheias de notáveis (2) maravilhas? Abandona o - solo e volta-te a esses estudos! Agora, enquanto o sangue ferve, deve-se ir, - com determinação, para o melhor. - - [...] - - Portanto, quando vires freqüentemente uma toga pretexta ou um nome célebre no - fórum, não o invejes: essas coisas são adquiridas ao custo da vida. Para ligar - seu nome a um único ano, consumirão todos os seus anos. A uns, a vida abandonou - logo nas primeiras etapas, antes que tivessem atingido as alturas ambicionadas; - a outros, após terem galgado o cume das honras através de mil desonestidades, - sobrevém o triste pensamento: “ter trabalhado tanto por uma inscrição num - túmulo!” |