aboutsummaryrefslogtreecommitdiff
path: root/books/amor/tesao.md
diff options
context:
space:
mode:
authorSilvio Rhatto <rhatto@riseup.net>2018-08-07 10:05:58 -0300
committerSilvio Rhatto <rhatto@riseup.net>2018-08-07 10:05:58 -0300
commitb6c0ffcaf707ee1968a7f29021d20357692a84d0 (patch)
treebb1ec89dce7ca4072fdfa794e3492b71ef93ff94 /books/amor/tesao.md
parent180d1f6ebc346308df7f84150604a100f18118f9 (diff)
downloadblog-b6c0ffcaf707ee1968a7f29021d20357692a84d0.tar.gz
blog-b6c0ffcaf707ee1968a7f29021d20357692a84d0.tar.bz2
Reorganization
Diffstat (limited to 'books/amor/tesao.md')
-rw-r--r--books/amor/tesao.md435
1 files changed, 0 insertions, 435 deletions
diff --git a/books/amor/tesao.md b/books/amor/tesao.md
deleted file mode 100644
index 29c2d2a..0000000
--- a/books/amor/tesao.md
+++ /dev/null
@@ -1,435 +0,0 @@
-[[!meta title="Sem tesão não há solução"]]
-
-* Autor: Roberto Freire.
-* Editora: Guanabara.
-* Ano: 1987.
-
-## Assuntos
-
-* Tesão: versão expandida do conceito de `awareness`, com alegria, prazer e beleza.
-* Em geral é bem interessante, apesar de alguns conceitos que considero desnecessários:
- * Uso de argumentos baseados na genética biológica (por exemplo na página 36).
- * Inconsciente Coletivo (pág. 23).
- * Que a "posse e domínio sobre os outros homens" passou a ser preferido com a agricultura e domesticação de animais (pág. 32).
-
-## Trecho
-
- A vida, para mim, não tem qualquer sentido. Ter nascido, estar vivo, ser eu
- mesmo o centro do Universo em termos de consciência, tudo isso eu sinto apenas
- como um fascinante, incompreensível e indesvendável mistério.
-
- Não pedi e não escolhi de quem, por que, onde e quando nascer. Da mesma forma
- não posso decidir quando, como, onde, de que e por que morrer. Essas coisas me
- produzem a sensação de um imenso e fatal desamparo, uma insegurança existencial
- permanente.
-
- O suicídio poderia ser uma contestação ao que estou afirmando, supondo-se que
- através dele posso decidir se quero ou não viver, que tenho algum poder sobre a
- vida. Mas quem me garante que o suicídio é realmente um ato voluntário?
- Acredito
-
- -- 19
-
- Poder, hierarquia, perversão, crueldade, sadomasoquismo, paranóia, dor-prazer de mandar.
-
- -- 30
-
- Parece, à primeira vista, sobretudo para os que ainda o tem enrustido e
- reprimido, não ser fácil disciplinar o tesão. Sem dúvida, mas para entender
- isso direito faz-se necessário primeiro investigar os conceitos de disciplina,
- responsabilidade e imaturi- dade para os protomutantes. Penso que não existe
- nada tão rigidamente disciplinado quanto as forças da Natureza que produzem o
- dia e a noite, as marés, as ondas do mar, as chuvas, os ventos, a vida vegetal
- e animal, as estações. Tudo no Universo obedece a um tipo de disciplina rígida,
- mas contraditória também.
-
- [...]
-
- Isto quer dizer que na Natureza, fazendo uma comparação com a criação musical,
- a vida se organiza num modelo rítmico mais ou menos rígido de tempo e de
- espaço, mas é todo livre o seu tesão, que varia segundo as circunstâncias
- produzidas por variáveis para nós imperceptíveis e que geram sempre novas e
- originais melodias e harmonias. O sol se põe diariamente, mas nunca o
- crepúsculo se apresenta igual, no mesmo horário e no mesmo lugar. Nem sua
-
- -- 38
-
-Será que a oposição a seguir é necessária?:
-
- A atitude relativista — a busca do tesão e o comportamento lúdico dos
- protomutantes em seu cotidiano libertário — pode ser encarada como imaturidade
- e irresponsabilidade pelos tradicionalistas. As pessoas sérias e que vivem sob
- e no controle de valores absolutos, colocam o dever antes do prazer ou o dever
- em lugar do prazer. Talvez o único prazer possível para eles seja a sensação
- aliviada e orgulhosa do dever cumprido a qualquer custo. Essa atitude perante a
- vida convencionou-se chamar de comportamento responsável, que é exatamente o
- contrário, na teoria e na prática, do comportamento tesudo.
-
- -- 39
-
- Tudo isso foi dito para afirmar que o uso da palavra responsabilidade é algo
- indevido e impróprio, porque ela não significa qualquer ato moral, atestando
- sua capacidade de cumprir obrigações e deveres, como também não designa pessoa
- confiável e disciplinada. A origem latina da palavra responsabilidade
- significa apenas a capacidade de dar resposta e, supõe-se, capacidade de dar
- respostas adequadas, próprias, originais e satisfatórias a estímulos que se
- recebe. Claro que cada resposta reproduz nossa ética, nossa ideologia, nossa
- psicologia. Em síntese, quero dizer que ser mais ou menos responsável
- corresponde à relação dialética entre o nosso medo e o nosso tesão no viver
- cotidiano.
-
- -- 40
-
- Já se viu alguma forma de vida e de trabalho escravo à qual o homem foi
- submetido, na qual lhe tenha sido negado o direito a uma companhia para o afeto
- e para o sexo? Um mínimo de afeto, qualquer possibilidade de satisfação sexual,
- além de procriação garantida, mesmo nas condições mais miseráveis e sórdidas,
- parecem suficientes para garantir a circulação da energia vital necessária no
- corpo das pessoas e para alimentar a sua ilusão de felicidade. Ilusão que
- justificaria o fato do homem se submeter à escravidão. Essa capacidade de
- resistir vivo, mesmo como escravo, não pode ser explicada sem se recorrer ao
- poder da fé, do qual o poder do amor seria apenas uma subsidiária ou uma
- eventual encarnação.
-
- -- 46
-
- Arte, beleza, estética.
-
- -- 57-74
-
- Eu gosto muito da geração hippie, e sei distinguir o joio do trigo. Sei onde
- está a neurose e a sacanagem do hippie, e a verdade dele. Pra mim o hippie
- certo é o sujeito que se nega a participar da sociedade de consumo, sem deixar
- com isso de participar da história da humanidade. Conheço vários hippies, em
- todos os campos: letras, ciências, artes, filosofia, etc., que se negam a
- participar da sociedade de consumo mas não param de criar, de lutar. O que não
- faz nada, só está na dele, esse é o sacana, porque termina sendo um parasita
- dos consumistas.
-
- -- 99-100
-
- Conheço casos de pais que batiam nos filhos dizendo que faziam isso para evitar
- que os filhos apanhassem da polícia.
-
- -- 109
-
- RF. — Nos anos 60 houve o movimento hippie, as manifestações de 68 na França,
- mas todas as questões colocadas na época foram absorvidas pelo consumo. Houve
- então uma grande frustração. Não vejo hoje um processo que determine que
- devemos mudar nossa maneira de vestir, nossos cabelos, pois isso é muito
- superficial. Mesmo com nossas calças jeans, dentro desse sistema, podemos ser
- revolucionários.
-
- Outro fator foram as falências, tanto dos modelos capitalistas quanto dos
- socialistas autoritários. Nenhum deles ousou romper com a estrutura da família,
- conservando-a como célula autoritária, o que permitiu a manutenção de governos
- autoritários. Bakunin, um anarquista, foi exilado logo após a Revolução Russa.
- Mesmo os revolucionários temiam a visão anarquista. Conheci nos tempos da luta
- armada diversos companheiros que davam a vida pelo socialismo na luta, mas eram
- tiranos com suas mulheres e seus filhos. Se tomassem o poder, que sociedade
- iriam propor? Hoje a juventude tem consciência da falência dessas soluções.
-
- -- 110
-
- Por segurança financeira quero dizer também uma certa estabilidade social; toda
- vez que eu mudei de profissão eu tive de, duramente, iniciar do zero.
- Entretanto, agindo assim, chega um certo período da sua vida em que se você
- tentou várias coisas, você terá três ou quatro possibilidades de trabalho.
-
- -- 126
-
- P. — Como fica a pessoa que incorpora o senso comum, isto é, a pessoa que se
- limita em favor de uma segurança financeira e de uma aceitação social, mesmo
- adivinhando outras possibilidades?
-
- RF. — Este é o ponto mais grave. Eu sou terapeuta e posso dizer que 80% dos
- meus clientes têm problemas psicológicos por não estarem fazendo o que
- gostariam de fazer. As pessoas fazem, convencidas pelas suas famílias, o que o
- meio social prefere; isto de fazer o que é imposto provoca nessas pessoas um
- grande sofrimento, que muitas vezes estoura fora do trabalho, estoura em sexo,
- em agressividade, em equilíbrio mental.
-
- [...]
-
- Numa sociedade como a nossa, com esta família autoritária e cumpridora das
- normas do Estado, as pessoas sensíveis, cujo projeto de vida não está dentro do
- que espera o meio social, sofrerão muita repressão; e esta é uma repressão
- muito danosa, pois é castrativa. Uma pessoa que não faz o que precisa fazer,
- tende a adoecer, perde, no mínimo, a identidade e o auto-respeito.
-
- -- 127
-
- Uma pessoa livre é uma pessoa altamente solidária, à medida que fica mais livre
- fica menos egoísta, necessita mais dos outros. Enquanto egoísta, não percebe
- nem os outros e nem a sociedade. Ela vive realmente muito voltada para si, em
- busca de soluções para o seu sofrimento ou apenas amarga, impotente.
-
- -- 143
-
- É preciso nunca esquecer que uma pessoa neurótica e que procura terapia ainda
- está viva e ainda pode ser salva. Seus sintomas são seus gritos de socorro,
- porque ainda querem ser elas mesmas e estão dispostas a lutar contra o que as
- reprime. As demais, são as que já se submeteram. As outras são as que
- enlouqueceram e vivem internadas ou são as que se matam.
-
- -- 147
-
-## Amor
-
- Em síntese, é o seguinte: pros jovens terem o amor de que necessitam pra amar e
- criar, têm de enfrentar toda a estrutura em que vivem, a familiar, a social, os
- preconceitos e tradições, etc.
-
- [...]
-
- As colocações tradicionais do tipo amor-pra- sempre,
- até-que-a-morte-nos-separe, etc., são as grandes fórmulas de escravização de
- uma pessoa às outras. Pra ter grana de sustentação, o casal tem de fazer tudo o
- que a estrutura quer. Acho que temos de educar os filhos e alunos a não
- aceitar nenhuma dessas regras. Romper com as coisas significa fazer o que se
- tem necessidade e não o que é imposto. Deixar o cabelo crescer, deixar a escola
- se ela for quadrada. Devemos chuchar a leitura neles, para se complementarem.
- Não se pode forçá-los a nada. Deve-se dizer a eles que rompam com o que não
- estiver dando. Não está dando? Deixe de lado a amizade, o trabalho, a mulher, a
- família. Não fique com nada que não esteja dando, pois senão você se estrepa.
- Sinto na pele como, pra nossa geração, isso é difícil.
-
- -- 99
-
- Dentro da minha visão, acho o casamento um absurdo. Eu gostaria de falar sobre
- o acasalamento, porque quanto ao casamento eu só quero que acabe, que não
- exista mais, porque o casamento é uma das grandes fontes de destruição do amor.
- Mas o acasalamento é indispensável. Acho que as novas formas de acasalamento
- que hoje estão sendo pesquisadas pela juventude no mundo são a medida das
- transformações atuais na história do homem. Porque não acredito que haverá
- modificação alguma nesta fase da história do homem se não se modificarem as
- regras de funcionamento e os objetivos da família.
-
- -- 115-116
-
- O que acho mais bonito e vejo no amor dos casais revolucionários é como eles o
- vivem de forma lúdica, brincando e jogando sempre. A ludicidade é a mãe do
- tesão e, ao mesmo tempo, o pai da criatividade. É o processo de criação, no
- amor, que garante a sua sobrevivência.
-
- - 118
-
- Acho interessantes as relações de suplementação entre os casais porque nós
- estamos acostumados a buscar no outro algo que nos complete. Isso para mim é um
- grande erro, porque a grande novidade que eu estou vendo é as pessoas não
- precisarem nada uma das outras para que o amor seja realmente uma troca de
- emoções, de delícias, de encantamentos e não apenas um quebra-galho onde um dá
- força para a fraqueza do outro. As pessoas se encontram para brincar, para ler
- juntas, para fazer
-
- -- 119
-
-## Felicidade e alegria
-
- A grande decepção dos amantes que buscam a felicidade (estado de prazer
- permanente, institucionalizado) através do amor é produzida pela sua
- incapacidade em aceitar que, como todas as coisas vivas, o amor também tem um
- começo, um meio e um fim. Nem seu tempo, nem seu espaço e nem o seu tesão
- podem ser determinados e controlados por razão da vontade e pela força de
- poder. Assim, às vezes somos obrigados a perder um amor precocemente, ou a ter
- de suportá-lo desnaturado, moribundo ou mesmo morto. Só a liberdade e a
- autonomia nos ensinam a aceitar biológica e humanamente o tempo, o espaço e o
- tesão das coisas vivas.
-
- Creio já ter conseguido expor todas as razões que me levam a concluir ser a
- felicidade algo impossível de se atingir sem a deformação biológica e
- psicológica do ser humano e, mesmo quando isso é realizado, não se trata de
- prazer saudável e libertário o que se conseguiu, mas, exatamente, a sua
- contrafação: o poder autoritário e patológico. Logo, definitivamente, a
- felicidade é uma coisa impossível de ser alcançada. Em verdade, acho que ela
- não existe e nem é, sequer, necessária. Penso mesmo que sua ideologia deve ser
- fortemente combatida tanto como estratégia política ou como delírio religioso e
- patológico, produzidos ora pela fome e ora pelo desespero, tanto pela miséria
- quanto pela carência amorosa, mas sempre, em quaisquer situações, manipulados
- pela paranóia autoritária do poder.
-
- -- 48
-
- Mas, felizmente, apesar de tudo, estamos com a vida do nosso lado e eles, os
- profetas da Felicidade, algum dia também compreenderão que sem tesão não há
- mesmo solução. Mas, ainda alucinados e insaciáveis, estão muito longe de se
- convencer, como nós, modesta e espertamente, que em lugar de qualquer tipo de
- felicidade aqui e no além, buscamos simples e naturalmente a alegria. Alegria,
- coisa tão incerta como o vento, que tem dia que vem, dia que não vem, que às
- vezes é tão forte que vira tufão, outras parece apenas brisa suave, que pode
- vir do sul ou do norte, do leste ou do oeste, mas que vem, queiramos ou não, na
- hora ou no jeito que bem entender.
-
- -- 50
-
- Falo de alegria entendida como a expressão gostosa, saborosa, orgástica e
- encantada do funcionamento satisfatório e equilibrado de nossa energia vital no
- plano físico, emocional, psicológico, afetivo, sensual, ético, ideológico e
- espiritual. Tudo isso significa também metabolismo, num sentido amplo.
-
- -- 51
-
-## Psicanálise
-
- Nascida profundamente do pensamento pessimista, de triste, um homem amargo e
- genial, mas ressentido, a Psicanálise reflete as características da história da
- religião e da raça judaica no mundo. Sigmund Freud era um homem que, segundo
- seu discípulo Wilhelm Reich, permitia-se pouca convivência com o prazer, com a
- beleza e com a alegria lúdicos da existência comum, o que provam suas obras
- principais. Afirmar a existência, no homem, de um instinto de morte, é supor
- ser a morte um mal, algo destrutivo e não simplesmente a ausência, o fim da
- vida. A sua afirmação de que a morte é uma entidade equivalente à da vida,
- parece coisa mais de sua formação religiosa que da científica, pois ela sujeita
- o homem aos poderes políticos (via religião ou via ciência) para ser exorcizado
- do mal inerente à sua natureza imperfeita. Isso os torna incompetentes e
- perigosos para a vida social, sem proteção, tutela e controle permanentes.
- Enfim, dependência, resultante da suposição de sua incapacidade natural para a
- autonomia e a autodeterminação.
-
- Vivendo em sistemas políticos autoritários, aos quais tanto religião como
- ciência estão ligados, associados e dependentes, a visão trágica da existência
- é um dos suportes ideológicos mais poderosos e úteis para a sua manutenção.
- Assim, por exemplo, a análise infinita e inútil do complexo de Édipo. Para mim,
- não passa de um exercício de poder, tentativa de sujeição ao poder do pai, bem
- como ao do analista. Édipo, personagem da tragédia grega, que arranca os
- próprios olhos como punição para aliviar o sentimento de culpa por ter transado
- sexualmente com uma mulher que desconhecia ser sua mãe, mostra claramente como
- Freud, ao adotá-lo para simbolizar o complexo por ele descoberto, necessitava
- do sentimento trágico da existência para justificar a crença de que a vida
- lúdica dos homens estará inexoravelmente sujeita ao controle e punição por
- parte dos poderes autoritários e deuses antropomórficos, criados e utilizados
- por seus representantes na Terra.
-
- -- 26-27
-
- Meu analista fez um esforço total para eu poder projetar meu pai nele e
- conseguiu, era um grande analista vienense. Mas o que me incomodava mais não
- eram os problemas teóricos, era a impossibilidade de viver a vida. Você ficar
- trancado das oito da manhã às sete da noite num consultório fechado, ouvindo as
- mesmas pessoas todos os dias, é um negócio muito doloroso.
-
- -- 149
-
-## Individual e coletivo
-
- E dentro da consciência de cada pessoa e a cada instante, a realidade estará
- sendo vista e percebida através de movimentos contraditórios como na dialética
- tradicional, mas os protomutantes não vão se satisfazer com os estágios
- provisórios que forem sendo atingidos. Eles vão querer superá-los sempre: negar
- ao mesmo tempo o que afirmam e combater o que acabam de provar. Sua consciência
- será polar. Mas polar no sentido de que num extremo está a sua tendência
- natural social, que impele a pessoa a se integrar no meio ambiente em que vive
- e que forma a extensão externa mais imediata de seu universo. E, no outro
- extremo, está a sua outra tendência, também primária e natural, de se afirmar
- como individualidade, com realidade e identidade próprias. A sua sabedoria não
- consiste em colocar o barco ideológico e moral no rumo do meio-termo, mas saber
- quando é a hora de se associar aos outros e quando é o momento de se
- distanciar, quando é o tempo de pensar em si mesmo e quando é a hora de
- esquecer de si.
-
- Esse “quando é a hora”, que constitui o núcleo da sabedoria do protomutante,
- está sempre ligado (no sentido de atento) e atuando de modo permanente. Ele só
- pode ser explicado como produto do tesão regulando e harmonizando a relação do
- espaço e do tempo na vida das pessoas livres. Assim, constatando que o
- protomutante se orienta fundamentalmente por seu tesão, concluímos que terá de
- ser lúdico o seu viver cotidiano, que vai combater por pura vocação todas as
- formas de autoritarismo, que seu prazer serve mesmo é para amar e para criar,
- que sempre vai encontrar um jeito potente e competente para se associar e
- conviver, para ser amigo, para ser amante e companheiro, para ser cúmplice e
- solidário com as pessoas que seleciona ao sabor das ondas e marés do seu
- encantado tesão cotidiano.
-
- -- 35
-
-## Organização
-
- Refiro-me à relação misteriosa e dinâmica entre o todo e as partes, existente
- na essência e na estrutura das coisas vivas. O seu todo é muito mais e outra
- coisa que a simples soma e a superposição das suas partes. Cada parte viva,
- resumida até o limite da unidade, contém em si, de modo sintético, cifrado e em
- potencial, o que é e significa o todo a que pertence. Da relação dinâmica entre
- o todo e as partes, surge a energia que sintetiza e cifra o potencial da vida
- nas partes e que se revela, se expande e se integraliza na organização do todo.
-
- Estou falando, por exemplo, do mistério que produz nas sementes vegetais a
- presença dos potenciais da árvore adulta e, inclusive, o potencial desta
- produzir novas sementes da mesma espécie que, quando germinadas, produzirão
- árvores adultas, mas originais e diversas das que as geraram.
-
- -- 22
-
- Além disso, o relativismo explica também a naturalidade existente na atividade
- lúdica do homem novo em sua vida cotidiana. O jogar e o brincar adultos
- traduzem nossa vocação para criar e amar, bem como a de lutar, também
- ludicamente, para nos garantir a liberdade relativa de amar criativamente e de
- criar amorosamente.
-
- Logo, o relativismo assim compreendido e assumido afasta qualquer necessidade
- de poder hierarquizado e autoritário na organização das relações interpessoais,
- familiares e sociais, sobretudo de poderes que pretendem ser absolutos.
-
- -- 29-30
-
- Como se poderia entender o significado da liderança em associações nas quais
- não estaria existindo nenhuma forma de autoritarismo? Para isso vamos nos
- socorrer da genética que explica o conceito protomutante de “diferença”, um dos
- pilares de sua ideologia anarquista: a natureza necessita que os homens não
- sejam iguais uns aos outros, a fim de poder ampliar a amostragem e as
- alternativas na dinâmica da seleção natural.
-
- [...]
-
- Acredito que inteligência e criatividade possuem algo em
- comum, mas nenhuma delas é apenas isto: capacidade de
- solucionar o mais rápida e satisfatoriamente possível problemas
- novos e inéditos.
-
- -- 36
-
-Interessante, exceto pela repartição não-igualitária de "benefícios e lucros",
-o que pode ser entendido como uma falta de generosidade (modelo da regulação
-por trocas versus desregulação da doação):
-
- Considero, pois, a liderança algo que é, além de emergente, também
- circunstancial, temporária, descartável e recorrível. Até as lideranças
- emergentes se tornam autoritárias se se estratificam, se se impõem e se tornam
- estáveis, estáticas, únicas e permanentes. Sendo assim, na organização da vida
- social dos
-
- Sendo assim, na organização da vida social dos protomutantes até os exercícios
- do prazer e do poder de liderança se enquadram no relativismo lúdico geral da
- vida, tornando-se assim um grande tesão ser líder e ser liderado dessa forma.
- Como os protomutantes só podem se associar de forma anárquica, tanto para
- conviver quanto para produzir, a sua dinâmica organizativa, além de funcionar
- através de uma dialética ecológica, irá também descobrir maneiras originais e
- específicas de funcionamento em autogestão. Isto quer dizer que a sua produção
- é projetada, organizada, financiada, gerida, controlada e utilizada por quem
- produz, recaindo seus benefícios e seus lucros de modo proporcional à qualidade
- e à quantidade de trabalho criativo realizado por cada produtor. A decisão a
- esse respeito é tomada por todos aqueles que produzem.
-
- -- 37
-
-## Autoritarismo
-
- Então, foi justamente convivendo com essas famílias que pude descobrir o quanto
- éramos autoritários, apesar de estarmos arriscando nossas vidas no combate ao
- autoritarismo da direita brasileira. Falo do autoritarismo na relação com a
- companheira ou com o companheiro, na relação com os filhos, na relação com os
- demais companheiros fora do campo de luta. Eu, nessa época, já me escandalizara
- com meu machismo disfarçado e me submetia à Somaterapia. Alguns desses
- companheiros, como eu, acabaram por sacar essa contradição absurda e,
- inclusive, submeteram-se também à Soma, em sessões individuais ou em grupos,
- nestes arriscando-se enormemente, pois trabalhávamos de madrugada, em lugares
- variados e sob severo sistema de segurança, que nem sempre funcionava. Eu
- ficava pensando que a violência autoritária da direita sobre a gente era a
- contrapartida do medo que tinham da violência do nosso autoritarismo de
- esquerda. Nós queríamos o poder, nós e eles, para exercer a mesma atitude
- política de posse, domínio, controle e mando na individualidade do outro,
- sobretudo através da prioridade e prevalência de um social abstrato sobre um
- pessoal concreto, assim como se quem tivesse o poder era o dono e o
- representante do social, ao que todas as pessoas tinham de se submeter. O
- abstrato do social tornava-se coisa concreta nas pessoas que encarnavam o
- poder. E o poder assim instituído só pode ser de cima para baixo e arbitrário.
-
- -- 134