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--- /dev/null
+++ b/social/coletivo/interpretacoes.md
@@ -0,0 +1,893 @@
+# Interpretações do Protocolo de Ação Coletiva
+
+Uma interpretação possível
+--------------------------
+
+* Versão: 0.2.
+* Licença: LIMICS[1].
+
+Este documento contém uma interpretação possível do Protocolo de Ação
+Coletiva[2], que aqui é considerado como um processo possível de existência de
+um coletivo autônomo tendo como propriedades emergentes a robustez, a
+resiliência, a resistência a falhas e a adaptabilidade ao redor da otimização
+de atividades. Este texto considera que a adoção de tal protocolo possa servir
+a alguns grupos de afinidade desde que ele atenda aos propósitos do grupo (um
+processo deve ser útil ao grupo, não o contrário).
+
+Característica geral
+--------------------
+
+Para grupos pequenos e coesos, a existência apenas de processos formais pode
+não representar um grande problema. Mas, se o grupo for grande, e/ou dispersivo
+e/ou com o foco de atuação abrangente, etc, as discussões e as tomadas de
+decisão podem se tornar muito cansativas e demoradas, além de nem sempre serem
+produtivas. Fora isso, o temor de não contemplar a todas as pessoas do coletivo
+pode fazer com que sejam aprovadas propostas que na prática não serão
+realizadas, mesmo se com a aprovação houver a responsabilidade do coletivo para
+cumpri-las.
+
+Muitos grupos possuem apenas processos formais, de modo que qualquer
+procedimento a ser realizado nesse grupo requer a pessagem pelo processo de
+tomada de decisão. Em muitas ocasiões, os processos formais acabam servindo,
+mesmo que as decisões sejam tomadas por consenso, para legitimar uma
+concentração de poder e um engessamento da estrutura dos grupos e contribuindo
+para criar grupos avessos a qualquer forma de organização definida. Surgem
+então os grupos organizados de maneira puramente informal, o que funciona muito
+bem para favorecer a espontaneidade e a auto-organização mas que também podem
+apresentar sérios problemas pela própria falta de formalidade.
+
+A características geral do Protocolo de Ação Coletiva consiste na articulação
+de uma forma possível de organização coletiva que responda tanto à problemática
+da tirania das organizações sem estrutura[3] quanto ao engessamento ocasionado
+por modos de organização estruturados de forma excessivamente rígida.
+
+O Protocolo de Ação Coletiva também pode ser entendido como uma forma de
+organização social do trabalho que possui um grande vínculo com a autonomia do
+grupo.
+
+Configuração Organizacional
+---------------------------
+
+Chamaremos de Coletivo aos fluxos informacionais, energéticos e materiais de um
+dado grupo de afinidade -- isto é, um grupo de pessoas que nutrem afeto umas
+pelas outras em relação a determinadas ou indeterminadas atividades -- que
+operam ao redor de uma dada configuração de autonomia definida pelo próprio
+grupo de afinidade. Por outro lado, é esta autonomia que define o Coletivo
+enquanto um grupo de afinidade por esta delinear a sua atuação:
+
+ Coletivo <-------------> Autonomia
+ ^ ^
+ \ /
+ `------> Fluxos <------'
+
+Tudo o que ocorre no Coletivo é um processo. Os processos assumem diversas
+manifestações, mas principalmente são fluxos e registros[4]. Todo o processo é
+um registro e um fluxo. O registro armazena o estado do fluxo, estando
+acessível para qualquer pessoa do Coletivo. Já o fluxo é a produção do processo
+e aquilo que efetua a escrita no registro[5].
+
+Em resumo: tudo no Coletivo é processo/fluxo/registro, sendo essa uma
+conceituação importante para auxiliar no entendimento do que se realiza, do que
+se produz no Coletivo. A mera existência de fluxos não garante ao Coletivo sua
+existência, mudança ou permanência, já que fluxos podem ser disjuntivos,
+dispersivos, explosivos.
+
+A autonomia do Coletivo é sua capacidade de determinar os fluxos que o afetam.
+A autonomia não opera apenas nas relações internas do Coletivo pelo fato deste
+não constituir um sistema fechado/isolado: o Coletivo pode ser entendido como
+um sistema aberto dentro de um sistema aberto mais abrangente que é o próprio
+mundo. Manter sua autonomia, isto é, sua autodeterminação de mudança e
+permanência (do mundo e de Si), é estipular uma relação de abertura e
+fechamento em relação ao mundo.
+
+De modo análogo, as pessoas que fazem parte do Coletivo também tem sua própria
+autonomia de ação. Enquanto integrantes do Coletivo, contudo, as pessoas
+concordam que sua autonomia pessoal não pode ser posta em detrimento da
+autonomia do Coletivo. Enquanto pessoas atuando fora do coletivo, exercem sua
+autonomia individual. Quando atuando como partes do Coletivo, sua autonomia
+enquanto indivíduos é limitada pela autonomia do Coletivo.
+
+Um/a integrante do Coletivo atua dentro dele quando utiliza os recursos e o
+nome do Coletivo. Por outro lado, um/a integrante do Coletivo atua fora dele
+quando não utiliza os recursos ou o nome do Coletivo. Intregrantes do Coletivo
+não realizam ações (dentro ou fora do Coletivo) que, conscientemente, possam
+prejudicar a autonomia do Coletivo.
+
+A autonomia, por ser uma propriedade de autodeterminação, pressupõe, no caso de
+uma associação de pessoas, um processo de tomada de decisões que respeite
+igualmente a autonomia das pessoas enquanto integrantes do Coletivo. Em outras
+palavras, é necessário que exista um processo formal para a operação da
+autonomia do Coletivo.
+
+Além disso, mesmo atuando dentro do Coletivo, a autonomia pessoal não é
+suprimida, apenas diminuída: há uma grande margem entre a autonomia da pessoa e
+a do Coletivo, o que permite que exista, dentro do Coletivo, fluxos que não
+interfiram na autonomia do Coletivo. Em outras palavras, é possível que exista,
+dentro do Coletivo, processos sem forma necessariamente definida e que não
+operem a autonomia do Coletivo, isto é, processos informais.
+
+Os Processos Formais
+--------------------
+
+Como dito anteriormente, o Coletivo possui dois tipos essenciais de
+processos/fluxos no que concerne ao uso da autonomia: os formais e os
+informais. Se nos informais não há interferência na autonomia do Coletivo, para
+os formais é preciso não apenas de um processo de tomada de decisão como uma
+garantia que as decisões tomadas sejam realizadas, do contrário a autonomia não
+pode ser exercida.
+
+No Coletivo, tal garantia é obtida pela responsabilização, que é o ato de
+chamar para Si a incumbência por um dado procedimento assim como responder pela
+sua realização total, parcial ou mesmo pela sua não-realização. É através da
+responsabilização que o Coletivo tem garantias mínimas de que o processo será
+realizado.
+
+Em resumo, os processos formais tem as seguintes características:
+
+* Forma necessariamente definida de antemão pelo coletivo E
+* Lidam com a autonomia do coletivo. PORTANTO
+* Precisam ser acompanhados pela responsabilização mínima para o processo não
+ falhar por falta de iniciativa
+
+Uma forma de saber saber se um processo deve ser formal ou informal é perguntar
+se o mesmo afeta (mexe com, precida da) ou não a automonia do Coletivo.
+
+Fluxograma de tomada de decisões e responsabilização formal
+-----------------------------------------------------------
+
+Existem inúmeras maneiras de se estabelecer um procedimento formal. No caso do
+Protocolo de Ação Coletiva, os processos formais do Coletivo são realizados de
+acordo com o seguinte diagrama:
+
+ .------------------->-----------------.
+ / .----------<--------------<-------. \
+ | ' \ \
+ | | .------>-----. \ \
+ | | | \ \ \
+ Proposta -----> Discussão ->--. \ \ \
+ | ^ | \ \ \ \
+ | | | \ \ \ \
+ | `----<-----' | \ \ \
+ | | | \ \
+ `------>------ Decisão --<--' | \ \
+ | | | \ \
+ | | | | |
+ Atribuição de --<---' '---> Arquivamento --->---' ;
+ Responsabilidades ----->-------' ^ \ /
+ ^ | ___________/ `---<-----'
+ | \ .'
+ | `--> Realização -->--.
+ | | | \
+ | | | /
+ `----<-----' `-----<---'
+
+Todas as etapas de um processo formal apresentam ao menos uma via de entrada e
+outra de saída. Não há começo e nem fim, apenas um processo fluído de
+realização autônoma. Cada etapa é discutida nas sessões a seguir.
+
+Etapa de Proposta
+-----------------
+
+Esta etapa não é a primeira nem a última, mas foi escolhida como tal nesta
+explicação apenas para facilitar o entendimento dos processos formais. É na
+etapa de proposição que a idéia de um procedimento formal é lançado ao
+Coletivo. A idéia -- ou descrição -- do processo pode vir do Arquivo de
+propostas, de uma Discussão anterior, de um procedimento informal que se julga
+importante formalizar ou mesmo de uma pessoa ou grupo de pessoas de dentro ou
+de fora do Coletivo.
+
+Recomenda-se que a proposta de processo formal seja bem explicada, contenha uma
+sugestão de prazo de decisão e que sugira o ciclo de vida do processo, isto é,
+como, quando e por quanto tempo ele deve ser realizado (se aplicável), assim
+como os critérios e prazo para atribuição de responsabilidade, o seu término
+(se aplicável) e recomendações para situações emergenciais (se aplicável).
+
+Uma vez lançadas, propostas podem ser discutidas, aprovadas ou arquivadas, como
+veremos a seguir.
+
+Etapa de Discussão
+------------------
+
+Após a introdução de uma proposta, a discussão não é estritamente necessária,
+isto é, a Proposta pode seguir diretamente para a Decisão. No entanto, a
+discussão não deixa de ter importância: ela não só ajuda a arquivar as
+propostas que não foram adotadas num dado momento como efetuam as alterações
+desejadas nas propostas antes da tomada de decisão. A discussão é o momento
+para o refinamento das propostas que as pessoas do Coletivo acharem
+interessantes.
+
+Alterações em propostas fazem com que o procedimento formal em questão volte
+para a etapa de Proposta. Propostas que não seguirem para a etapa de Decisão ou
+que não forem alteradas até o prazo proposto devem ser arquivadas.
+
+Propostas que vem de fora do Coletivo e que forem discutidas e alteradas devem
+ser enviadas também para o grupo ou à pessoa de fora do Coletivo responsável
+pela sua introdução, apesar destas pessoas não participarem da discussão
+interna do Coletivo. Se tal pessoa ou grupo concordar com a proposta alterada,
+então o processo formal em questão retorna à etapa de Discussão com a nova
+proposta. Caso contrário, isto é, a pessoa ou grupo de fora do Coletivo não
+concordar com a proposta alterada, então o processo formal em questão é
+arquivado e a pessoa ou grupo devem ser informados do arquivamento (exceto se
+as partes externas apresentarem uma nova alteração à proposta ou mais
+argumentos à discussão).
+
+Etapa de Decisão
+----------------
+
+Como dito anteriormente, a autonomia, por ser uma propriedade de
+autodeterminação, pressupõe, no caso de uma associação de pessoas, um processo
+de tomada de decisões que respeite igualmente a autonomia das pessoas enquanto
+integrantes do Coletivo. No Protocolo de Ação Coletiva, a etapa de Decisão é o
+momento no qual o Coletivo decide se determinada proposta é pertinente ou não,
+isto é, se o Coletivo julga, apóia e concorda com o seu teor ou o contrário.
+
+É importante ressaltar que há uma distinção entre julgar uma proposta
+pertinente ao Coletivo, se responsabilizar por ela e finalmente realizá-la. Na
+etapa de Decisão, apenas o teor da proposta é avaliado. Se o Coletivo aprova
+uma proposta, isso significa que a sua eventual execução será feita em nome do
+Coletivo, mesmo que seu nome não seja levado a público (isto é, para fora do
+Coletivo).
+
+O Protocolo de Ação Coletiva assume o consenso como a forma de tomada de
+decisões. A participação em consenso depende do acesso às informações do
+coletivo; para participar ativamente de uma decisão, é preciso, portanto, estar
+acompanhando as informações referentes à proposta em questão. Se não há
+consenso sobre a aprovação de uma proposta, a mesma permanece bloqueada,
+podendo ter seu prazo estendido.
+
+Se manter em silêncio é considerado como concordância com a proposta em
+questão. O consenso velado, isto é, quando ninguém ou apenas poucas pessoas se
+posicionam em relação a uma proposta de processo formal, não é um problema
+desde que haja pessoas que se responsabilizem pelo andamento do processo
+aprovado; sem pessoas se responsabilizando, o processo é
+arquivado/interrompido/congelado na próxima etapa, de tal modo que o silêncio
+das pessoas não interfere no processo de tomada de decisão.
+
+Quanto aos prazos, recomenda-se que os mesmos sejam estipulados relativamente
+ao tempo que as pessoas ativas no coletivo levam para tomar conhecimento,
+discutir, propor alterações, pedirem eventuais adiamentos, etc, sendo passíveis
+de prorrogação ou antecipação através de um pedido explícito por alguma pessoa
+do Coletivo. No entanto, se não há pedido para alteração de prazo, a data
+inicial da proposta deve ser respeitada. Se não sofrerem objeção, pedidos de
+adiantamento ou adiamento de prazos são automaticamente aceitos. Na medida do
+possíve, prazos razoáveis são recomendados em detrimento de prazos
+emergenciais. É importante manter uma boa temporalidade para a etapa de decisão
+por possibilitar a participação de quem quiser e permitir a apreciação
+cuidadosa das propostas.
+
+Aprovações de propostas que vem de fora do Coletivo ou que tenham como
+participantes grupos ou pessoas de fora do coletivo são comunicadas às
+pessoas/grupos de fora do Coletivo apenas após a atribuição de
+responsabilidades, uma vez que o Coletivo terá responsabilidade sobre a
+realização de uma proposta a partir do momento que informar o ator/a externo da
+decisão da proposta.
+
+Etapa de Atribuição de Responsabilidades
+----------------------------------------
+
+Se a aprovação uma proposta requer a aceitação de todo o Coletivo, a atribuição
+de responsabilidades, por outro lado, tem um caráter distinto: não é preciso
+que todo o Coletivo assuma responsabilidades pela execução de uma proposta, mas
+apenas um determinado número de pessoas do Coletivo é necessário à execução da
+proposta em questão. A etapa de atribuição de responsabilidades é o momento em
+que um grupo de trabalho será formado com a responsabilidade pela realização da
+proposta aprovada.
+
+A atribuição de responsabilidade é uma etapa sensível porque constitui o
+momento onde a garantia de realização do procedimento será dada. Não adianta
+apenas tratar da responsabilização sem tratar da irresponsabilização: essa
+etapa cuida não só do comprometimento de pessoas do Coletivo com relação a um
+dado processo formal mas como também do caso emergencial quando pessoas do
+Coletivo tiverem comportamento irresponsável perante um processo formal. Em
+outras palavras, a etapa de Atribuição de Responsabilidades também deve ser a
+etapa de planejamento de falhas.
+
+A primeira medida para evitar a não-realização do processo formal é a
+minimização dos possíveis pontos de falha, principalmente dos pontos de falha
+singular. Um ponto de falha singular é todo aquele que por si só pode acarretar
+na não realização do processo formal. Um ponto de falha é um ponto de falha
+singular se for o único apoio existente para a realização do processo formal:
+se for removido, o processo não se realiza. Já pontos de falha não-singulares
+são os apoios que, mesmo se removidos, não comprometem a realização do
+processo.
+
+É evidente que se deseja evitar os pontos de falha singulares. Assim, para que
+seja possivel sair da etapa de responsabilizacao para a de realizacão, é
+importante que se estipule o número mínimo de pessoas necessário para que o
+processo seja considerado realizável. Isso depende da tarefa em questão e sua
+especificação é importante para evitar pontos de falha. Assim, por
+responsabilização suficiente se entende o número mínimo de pessoas se
+responsabilizando pelo processo formal para o mesmo ser considerado realizável.
+
+Outra forma de evitar a falha se encontra no detalhamento a respeito da
+responsabilização: a responsabilização não é apenas o comprometimento pelo
+andamento de um dado processo, mas também a responsabilidade de informar com
+antecedência quando não puder mais realizá-lo, assim como auxiliar no processo
+de transição da responsabilidade para outras pessoas, se for o caso.
+
+O não-cumprimento de uma responsabilidade compromete a atribuição de outras
+responsabilidades. Além disso, a atribuição de uma responsabilidade é
+voluntária e deve ser registrada para fins de documentação e para evitar
+mal-entendidos e problemas de comunicação.
+
+A pessoa que se responsabilizar por algum processo formal deve declarar no
+registro do processo formal que:
+
+* Tem conhecimento sobre o procedimento em questão.
+* Irá realizá-lo dentro do prazo estipulado e que manterá o Coletivo informado
+ sobre a sua realização.
+* Caso não possa mais arcar com a responsabilidade, avisará o Coletivo com
+ antecedência suficiente para que o mesmo possa, dependendo do caso, manter a
+ realização do processo, atribuir novas responsabilidades a ele ou então
+ simplesmente encerrá-lo e arquivá-lo.
+
+Processos formais que forem aprovados mas que, findo o prazo para a
+responsabilização, não tiverem responsabilização suficiente atribuída, devem
+seguir para o arquivamento, sendo que o desarquivamento de propostas
+anteriormente aprovadas não pode seguir diretamente para a atribuição de
+responsabilidade, mas sim seguir para a etapa de proposição.
+
+Chamaremos aqui de de grupo de trabalho o conjunto/grupo de pessoas envolvidas
+num mesmo processo (formal ou informal). Lembramos, também, que não é um
+requisito para se estar num grupo de trabalho formal a responsabilização pelo
+processo formal em questão: pode-se estar num grupo de trabalho (formal ou
+informal) de modo informal, isto é, sem ter responsabilidade sobre isso
+(bastando para isso participar das discussões ou acompanhar as respectivas
+informações).
+
+A permanência de pessoas no coletivo que não se voluntariam para se
+responsabilizar por algo não é problema, muito pelo contrário: permite que
+pessoas afins permaneçam no coletivo mesmo se não puderem ajudar em processos
+formais, já que há uma diferença entre não-responsabilidade e
+irresponsabilidade. Assim, as pessoas podem permanecer no Coletivo e serem
+ativas de várias maneiras sem precisarem necessariamente se responsabilizar por
+algo.
+
+No caso de propostas que vem de fora do Coletivo ou que tenham como
+participantes grupos ou pessoas de fora do coletivo são comunicadas às
+pessoas/grupos de fora do Coletivo sobre seu estado de !Aprovação/Realização
+apenas após a atribuição de responsabilidade, isto é, ao final desta etapa.
+
+Etapa de Realização
+-------------------
+
+Apenas processos formais cuja responsabilização foi atribuída podem partir para
+a etapa de realização. Processos que forem realizados e que não tiverem
+prosseguimento definido são arquivados.
+
+Processos formais que, não tendo sido realizados no prazo comprometido pelo
+grupo das pessoas que se responsabilizado por ele, devem retornar à etapa de
+Atribuição de Responsabilidades. De modo análogo, processos em realização mas
+cujos/as responsáveis não puderem mais realizá-los devem retornar à etapa de
+Atribuição de Responsabilidades caso o número de pessoas responsáveis
+remanescentes não for suficiente para a sua realização.
+
+Etapa de Arquivamento
+---------------------
+
+O arquivo, ou banco de propostas, é o local onde ficam armazenadas todas as
+propostas que:
+
+* Não foram aprovadas OU
+* Foram aprovadas mas não foram adotadas responsavelmente OU
+* Foram realizadas e encerradas OU
+* Estavam em realização mas não tem mais o número de pessoas responsáveis
+ suficiente, por exemplo: quando ninguém ou apenas um número insuficiente de
+ pessoas estiverem cuidando de um dado recurso.
+
+Um processo formal é dito em arquivamento quando uma das condições acima for
+verdadeira para ele. No caso de um processo que estava sendo realizado e
+precisar ser arquivado por falta de pessoas responsáveis por ele, as últimas
+pessoas responsáveis por ele devem realizar o procedimento de encerramento e
+arquivamento.
+
+No caso de propostas que vem de fora do Coletivo ou que tenham como
+participantes grupos ou pessoas de fora do coletivo são comunicadas às
+pessoas/grupos de fora do Coletivo sobre seu estado Recusa/Arquivamento apenas
+nesta etapa.
+
+Observações sobre Processos Formais
+-----------------------------------
+
+Em resumo, o processo formal necessita que haja proposta, decisão e
+responsabilização antes da realização de uma atividade.
+
+É importante ressaltar que o objetivo destes princípios é favorecer o trabalho
+coletivo e otimizar a busca dos compromissos que o grupo de afinidade pode
+adquirir coletivamente. Pelo fluxograma de procedimentos formais, vemos que
+qualquer processo formal que não estiver na responsabilidade de alguém (ou de
+um grupo de trabalho) será automaticamente arquivado/congelado.
+
+Esta é provavelmente a propriedade emergente mais importante desse sistema: a
+etapa de responsabilização atua como um filtro de propostas aprovadas de tal
+forma que apenas o que passar por ela pode ser realizado. A etapa de
+responsabilização introduz uma limitação necessária no processo, o que se
+compatibiliza com a limitação real de atuação do grupo. O processo como um todo
+atua no sentido de encontrar com eficiência as atividades que o Coletivo pode e
+quer realizar.
+
+Um caso degenerado seria um grupo que adote este processo mas que, composto por
+pessoas verborrágicas porém preguiçosas, decidisse fazer tudo mas não se
+responsabilizar por nada, de modo que o processo formal opera como um detector
+de índole e proporciona ao grupo encontrar o que realmente quer fazer: apenas
+discutir.
+
+Indo pela situação oposta, outro grupo que adote este processo mas que, por não
+discutir nada também não decide nada e, consequentemente, não precisa se
+responsabilizar por nada e também não realiza nada. Neste caso o processo
+também auxiliou o grupo a realizar as atividades a que estiver inclinado.
+
+Mesmo em grupos que estão entre esses pólos de atuação, o processo formal
+favorece a triagem das propostas que podem serem postas em prática. Muitas
+vezes as propostas partem de pessoas (ou grupos dentro do Coletivo) que já
+estão predispostas a realizá-las. Noutras, porém, a proposta surge de pessoas
+que não estão inclinadas a realizá-la mas julgam a realização, por parte do
+Coletivo, muito pertinente. Em ambos os casos, se a tomada de decisão avalia se
+a proposta é pertinente e aparentemente viável, a etapa de responsabilização
+dirá se o coletivo possui meios de arcar com sua realização.
+
+Sob o aspecto do registro, cada processo formal pode ser entendido como uma
+instância de uma máquina de estado finito. Seu fluxograma apresenta
+características interessantes: o barramento de arquivamento é full-duplex e que
+existe uma configuração rotacional ao redor da discussão e da realização. Já o
+arquivamento possui basicamente convergências e divergências.
+
+O processo formal é uma maquinação, um processo de desenvolvimento de um
+software social. Ele não impõe regras sobre o teor das propostas (que inclusive
+podem propor a mudança ou abolição do fluxograma), mas apenas regras mínimas
+sobre o próprio andamento do coletivo. No entanto, os próprios princípios de
+organização coletiva compõem um processo formal cuja responsabilidade é de todo
+o coletivo. Consequentemente, ele mesmo passa pelos procedimentos de
+aprovação/execução/responsabilização previstos nele mesmo (bootstrapping e
+recursividade).
+
+Os Processos Informais
+----------------------
+
+Os processos informais do Coletivo são os fluxos que não interferem na sua
+autonomia. Eles apresentam propriedades notáveis para a emergência de padrões,
+para a experimentação, para a auto-organização e para o combate à apatia e ao
+gerenciamento centralizado.
+
+Nos coletivos onde se reconhece apenas a existência de processos formais, está
+subentendido que toda a ação coletiva deve passar pela instância de tomada de
+decisões. Nesse tipo de coletivo, nada se realiza explicitamente sem uma
+decisão central, mantendo-se assim uma cultura de gerenciamento onde a
+iniciativa pessoal ou de um pequeno grupo apenas tem espaço no processo de
+tomada de decisão oficial. Mesmo através do conhecimento empírico é possível
+mostrar que tal modelo muitas vezes afasta a participação e a iniciativa
+pessoal, além de gerar ruído desnecessário na instância formal de decisão por
+ter de decidir a respeito de todos os assuntos e ações pertinentes ao grupo.
+
+Por exemplo: muitas vezes constitui um esforço desnecessário para submeter à
+decisão do Coletivo qual é a melhor data para se realizar uma reunião onde nada
+será decidido pelo Coletivo. Pode ser até mais complicado logisticamente de se
+discutir esse tipo de coisa na instância formal de decisão quando um processo
+informal pode endereçar isso facilmente.
+
+Por isso que, em fluxos que sejam possíveis de serem realizados sem interferir
+na autonomia do Coletivo que o Protocolo de Ação Coletiva incentiva que estes
+sejam processos informais. Como processos formais, pela própria definição, não
+tem forma definida de antemão pelo processo de decisão do Coletivo, eles não
+precisam ser propostos e nem decididos, mas podem ser simplesmente realizados
+desde se constituam como processos, isto é, sejam fluxos e registros (conforme
+nossa definição inicial de um processo). Sendo também registros, os processos
+informais em planejamento ou realização tem sua informação disponibilizada para
+todas as pessoas do Coletivo, sendo então sua existência um convite à
+participação. Por exemplo, procedimentos informais podem começar com um
+informe, convite ou como uma proposta (mas não confundir com uma proposta
+formal).
+
+Em resumo, os processos informais tem as seguintes características:
+
+* Forma não necessariamente definida de antemão E
+* Não afetam a autonomia do coletivo. PORTANTO
+* Não precisam necessariamente estar atrelados à responsabilidade de alguém
+ (isto é, a não-realização de um processo informal não afeta a autonomia do
+ Coletivo).
+
+Trocando em miúdos, os processos informais não necessariamente tem um protocolo
+previamente definido, ou seja, negociado de antemão: sua negociação pode ser
+dar também durante sua realização. Por outro lado, devido à não necessidade de
+responsabilização, os processos informais não tem garantias formais de
+execução.
+
+Cabe ressaltar que processos informais, mesmo não tendo forma previamente
+definida, ainda são processos. Atividades sem informação disponibilizada no
+Coletivo não pode ser considerada como processos (formais ou informais) do
+Coletivo porque não dispõem de igualdade de acesso à informação, requisito para
+a possibilidade de participação (isonomia informacional). A falta de forma
+previamente definida não deve ser confundida com falta de forma (aformalidade):
+nos processos informais, a forma está contida no próprio processo informal (in
+forma) e não em princípios de organização externos (como no caso dos processos
+formais, onde sua forma geral é definida de antemão e externamente ao
+processo).
+
+Certamente há uma vasta gama (talvez a maior parte) das atividades realizadas
+que fogem dessa conceituação de processo, isto é, podem até serem processos
+físicos, mentais, etc, mas pela falta delas figurarem no fluxo de informação do
+Coletivo elas não podem ser consideradas como processos protocolares no sentido
+dado pelo Protocolo de Ação Coletiva, mas apenas processos aformais. Para
+ganhar em termos de organização, o Protocolo de Organização Coletiva restringe
+a denomiação de processo apenas às atividades que integram o fluxo
+informacional do Coletivo (processos do Coletivo são aqueles que foram
+coletivizados).
+
+Formalização e informalização
+-----------------------------
+
+Processos formais e informais são diferenciações que nos ajudam a agir conforme
+a necessidade. Se é preciso voar, experimentar, atuar favorecendo-se com as
+relações sociais e culturais que são naturais sem interferir na autonomia do
+Coletivo, os processos informais permitem que se proceda sem regras dadas de
+antemão. Caso precisemos agir com coesão, com firmeza e favorecendo uma
+coletividade forte (isto é, usando a autonomia do Coletivo), o Protocolo de
+Ação Coletiva encoraja o uso de processos formais.
+
+Os processos formais possuem um andamento mais rígido quando é preciso um
+acordo comum para pessoas agirem conjuntamente sem que precisem abrir mão das
+suas diversidades, das suas diferenças, das suas particularidades, das suas
+culturas. Da mesma forma, as pessoas do Coletivo podem precisar dos processos
+informais se acreditarem ser importante uma ação coletiva que utilize
+exatamente dessas diversidades e diferenças.
+
+Modos formais e informais permanecem distintos em princípio mas, com o tempo,
+também é possível formalizar um processo informal (via consenso e atribuindo
+responsabilidade ao mesmo) ou, por outro lado, transformar um processo formal
+em informal (via consenso e retirando responsabilidade, mas retirando
+igualmente a dependência do coletivo a esse procedimento, isto é, a autonomia
+do coletivo deve se tornar independente do processo que estiver se
+informalizando).
+
+Se o processo formal de tomada de decisões pode ser entendido como um protocolo
+que mantém a coesão do coletivo ao redor de sua autonomia (espaço comum,
+central), os procedimentos informais podem ser entendidos como protocolos
+distribuídos, maleáveis, que se reordenam durante sua existência com uma
+flexibilidade maior do que os processos formais. Alguns processos informais
+podem até ter o caráter experimentalista de descobrir próximas ações que, de
+tão importantes que podem se tornar, se transformem em processos formais.
+
+Fluxo informacional
+-------------------
+
+Estes princípios apenas funcionam se há acesso disponível às informações por
+todas as pessoas que fazem parte do Coletivo (acesso não significa obrigação
+por acompanhar todas as informações que trafegam pelo Coletivo, mas sim
+possibilidade de acompanhamento arbitrário das mesmas). Sendo assim, é
+importante que existam instâncias de tráfego informacional (instâncias
+processuais) que facilitem o acompanhamento dos processos coletivos (tanto
+formais quanto informais) e que satisfaçam requisitos de privacidade e
+segurança que garantam a autonomia do Coletivo.
+
+Convém distinguir três possíveis instâncias informacionais:
+
+* Instâncias informais, que são aquelas utilizadas para o fluxo informacional
+ de processos informais.
+* Instâncias formalizadoras, que são as instâncias utilizadas para formalizar
+ procedimentos.
+* Instâncias maleáveis, que podem ser utilizadas para agregar informações de
+ processos formais e informais.
+
+Notar que essas distinções não são estritamente excludentes: uma instância pode
+ser utilizada simultaneamente para comunicação informal, para formalizações e
+para agregar informações diversas. Por exemplo, um modo mais simples de lidar
+com as instâncias seja considerar todas as instâncias de comunicação como
+informais ''a priori'' (isto é, se nada mais for dito a respeito da forma de
+cada uma delas) e estabelecer alguns critérios pelos quais determinadas
+instâncias assumem o papel de formalizadoras e/ou maleáveis.
+
+Alem disso, requisições e comunicações ao coletivo (internas ou externas) devem
+ser feitas ao coletivo e não individualmente (isto é, fora da base pessoal),
+tanto para não sobrecarregar pessoas quanto para:
+
+* Manter a informação disponível ao coletivo.
+* Incentivar uma interação coletiva.
+
+Autonomia do Coletivo
+---------------------
+
+O Protocolo de Ação Coletiva define uma autonomia básica para o Coletivo. A
+autonomia básica do Coletivo, isto é, a autonomia mínima que garante a sua
+existência de acordo com estes princípios, é a posse de canais de comunicação
+privados e seguros que permitam a existência dos registros de processos
+coletivos (formais ou informais). Sem esses canais, a autonomia básica do
+Coletivo é seriamente abalada, assim como a aplicação destes princípios. Toda
+autonomia adicional do Coletivo (isto é, que não for a autonomia básica) deve
+ser definida através de processos formais.
+
+Todo o processo formal em realização requer uma autonomia (um poder) em geral
+além da autonomia básica (por exemplo, um recurso necessário para a realização
+do processo). Por isso, ao realizar um processo formal, o grupo de trabalho em
+questão é responsável por manter a autonomia requerida. Portanto, os aumentos e
+diminuições da autonomia do Coletivo apenas ocorrem através de processos
+formais.
+
+O Protocolo de Ação Coletiva reconhece, também, que mesmo um coletivo autônomo
+também possui relações de dependência e trocas com o ambiente externo e que
+esse é um fator importante de interferência na autonomia do Coletivo. O
+Coletivo não produz tudo o que necessita para Si: certos fluxos são
+externalizados (outsourcing, terceirização) de e para o ambiente.
+
+Tal visão de autonomia, inclusive, é compatível e satisfaz os seguintes
+Princípios das mídias e grupos livres do Encontro: Cultura Livre e
+Capitalismo[6], uma vez que a autonomia do Coletivo emana de si enquanto
+organização dinâmica:
+
+ 0. Sobre a mobilidade dos princípios: Todos os princípios podem ser a qualquer
+ momento modificados ou abandonados desde que não sejam mais a expressão
+ imanente das relações que se constituem através das ações coletivas.
+
+ 1. Sobre a autonomia: grupos e mídias livres renunciam e se recusam a recorrer a
+ qualquer entidade política que não a si próprias para constituir sua legalidade
+ e sua normatividade, por acreditar que a sua única fonte legítima é sua
+ emergencia a partir dos laços de confiança e solidarieade entre participantes e
+ de cada participante com os coletivos por eles constituídos.
+
+ 6. Sobre a gestão: As mídias e os grupos livres usam e desenvolvem
+ sistematicamente mecanismos de gestão anti-hierárquicos e baseados na geração
+ de consensos a partir da argumentação pública; ou seja, rejeitam (ou evitam ao
+ máximo), como práticas de organização: a representação política e a votação
+ plebiscitária. A divisão funcional é adotada com ponderação, sob avaliação
+ coletiva e de maneira ocasional.
+
+Atividade Coletiva Complexa
+---------------------------
+
+O Protocolo de Ação Coletiva serve para facilitar as atividades do Coletivo,
+combatem a apatia e o espetáculo (no sentido das pessoas se portarem como
+espectadoras, pessoas gerenciadas que permanecem em estado de espera, letárgico
+e apático), o ruído existente nas instâncias de tomada de decisão, a
+dificuldade de acompanhamento dos processos no coletivo e a preenchem a
+necessidade por processos realmente coletivos em andamento (e não apenas as
+iniciativas pessoais).
+
+Os processos formais encorajam um trabalho coletivo firme enquanto que os
+informais encorajam comportamentos pessoais protagonistas que realizem
+discussões e também encontros descompromissados. O Processo de Ação Coletiva
+também ressalta a importância de se utilizar os recursos de comunicação
+coletiva de modo a minimizar o ruído pois isso facilita o acompanhamento dos
+processos.
+
+Quanto ao seu funcionamento, uma analogia interessante pode ser feita com um
+sistema operacional multi-usuário/a, uma vez que o Protocolo de Ação Coletiva
+utiliza o conceito de processo e permite que muitos processos existam
+paralelamente, os quais podem serem até organizados em árvores, de acordo com
+suas semelhanças e/ou dependências.
+
+Memética da auto-organização
+----------------------------
+
+O Protocolo de Ação Coletiva é um fruto da cultura e do choque cultural do
+grupo de afinidade no qual ele se originou. Quando esses princípios de
+organização adentram o plano da cultura das pessoas do Coletivo, isto é, são
+praticados com naturalidade e desenvoltura, então temos uma mudança profunda no
+modo de agir coletivamente. Tal dinâmica pode se suceder indefinidamente
+conforme os princípios antigos se tornam obsoletos.
+
+Como exemplo, deixamos um modelo comportamental possível dentro dos Protocolo
+de Ação Coletiva. Nesse esquema mental, qualquer pessoa do Coletivo pode
+participar nas suas três instâncias informacionais:
+
+* Nas reuniões informais, participando de discussões, bate-papo
+ descompromissado, elaboração de propostas de decisão e ação.
+* Na instância maleável, com a elaboração de relatos, propostas e documentação diversa.
+* Na instância formalizadora, participando das tomadas de decisão.
+
+Ou seja:
+
+* Instância informal: reuniões presenciais ou remotas de caráter mais
+ descomprometido e facilitador da troca de idéia.
+* Instância formalizadora: utilização prioritariamente para os ritos de
+ formalização de processos ou em casos emergenciais.
+* Meio de campo: instância maleável, diminuidora de ruído, podendo ser usada ao
+ máximo para economizar a largura de banda da instância formalizadora.
+
+Esse esquema mental, aliado à distinção entre processos formais e informais,
+sugere um modelo pessoal de entendimento e participação no processo coletivo,
+onde a pessoa pode determinar a melhor maneira de se comunicar e submeter
+propostas, idéias e relatos sem que suas mensagens façam parte de um ruído
+(isto é, excesso de mensagens enviadas aos canais de comunicação) ou caiam num
+processo de formalização muito burocrático sem necessidade.
+
+Com relação às reuniões informais, não há problema de autonomia se as pessoas
+combinarem previamente, avisarem ao Coletivo e depois acrescentarem relatos nos
+canais de comunicação coletivos, já que numa reunião informal nada pode ser
+decidido pelo Coletivo. Inclusive, as reuniões informais, se feitas dessa
+forma, evitam o problema de gastarmos semanas tentando encaixar na agenda de
+todo mundo uma reunião onde no fim das contas aparecem poucas pessoas. Desse
+modo, quando alguém quiser ou sentir que uma reunião é necessária, basta
+combinar com outras pessoas interessadas, comunicar ao Coletivo lista e pronto
+:)
+
+Tal modelo de comportamento, desde que respeite a presente carta de princípios,
+nem precisa ser aprovado pelo coletivo, pois é um modelo de entendimento e
+relacionamento pessoal de como as coisas podem fluir e como processos
+interessantes podem emergir, lembrando que emergência pode ser entendida como
+pequenas regras (ou modelos, esquemas) de comportamento que cada pessoa mantém
+e aplica.
+
+Por fim, a questão da apatia versus o protagonismo. Tal modelo de
+relacionamento proposto só funciona de modo saudável se todas as pessoas forem
+protagonistas, deixando sua apatia e sua preguiça de lado. Caso contrário, ela
+levará a um gerenciamento centralizado nas poucas pessoas que forem ativas.
+Sentiu que uma troca de idéias deve ser feita? Vá, faça, se possível informe a
+lista com antecedência e depois adicione o conteúdo nos canais de comunicação
+coletivos.
+
+Quem não tem iniciativa está destinado/a a ser gerenciado/a e governado/a.
+
+Limitações
+----------
+
+Mesmo que estes princípios sejam úteis e desejáveis para o Coletivo, convém
+reconhecermos suas limitações. Tais princípios assumem que o Coletivo é um
+grupo de afinidade e por isso ele pode enfrentar problemas e necessitar
+modificações se for adotado por grupos onde não haja afinidade, principalmente
+porque sua capacidade de resolução de disputas e conflitos é limitada. O
+circuito de um processo formal também pode ser usado para criar loops e os
+princípios não prevêem em si regras para lidar com o ruído. Talvez eles também
+precisem de adaptações para funcionarem como desejado em grupos muito grandes,
+principalmente porque processos que demandem um fluxo de informação muito
+intenso (por exemplo, propostas grandes) tendem a demandar mais tempo para
+discussão, decisão, etc.
+
+O Protocolo de Ação Coletiva também não dá (e talvez nem devesse mesmo)
+fundamento para lidar com desconexões (saída de pessoas do grupo de afinidade)
+ou rachaduras no grupo. O grande obstáculo para lidar com rachaduras de forma
+transparente é a questão do nome e da aparência pública do Coletivo, o que
+talvez só possa ser resolvido num coletivo com espaço de nomes múltiplo. Como,
+no entanto, o Protocolo de Ação Coletiva não foi criado para lidar exatamente
+com desconexões e rachaduras, esses fluxos disjuntivos foram deixados de lado,
+ao menos temporariamente.
+
+Algo mais deve ser lembrado: estes princípios não definem os objetivos do
+Coletivo e nem garantem que atividades sejam realizadas. Esta declaração de
+princípios apenas diz como a energia pode ser gasta no Coletivo, isto é, dado
+um potencial, um desejo de agir, como a energia pode fluir dentro do Coletivo.
+O propósito, a vontade e o potencial de agir são sempre externos aos princípios
+de organização coletiva e ao Protocolo de Ação Coletiva.
+
+Em direção a muitos protocolos de rede
+--------------------------------------
+
+A organização parece uma necessidade, algo crucial[7], ao passo que parece
+inesgotável a quantidade de formas de organização possíveis. Em outras
+palavras, se a organização é importante, os modos de se obtê-la podem não ser
+tão óbvios.
+
+A questão mais geral de como um grupo de pessoas pode se organizar melhor para
+atender seus objetivos e lidar com os problemas que surgem pela própria
+organização pode nos levar inclusive a uma análise um pouco mais profunda da
+natureza não apenas do Protocolo de Ação Coletiva apresentado como de todo um
+conjunto de protocolos que satisfaçam uma dada coletividade.
+
+Historicamente, dentre as formas de organização igualitárias e de democracia
+direta, destacam-se as federações, inventadas pelos movimentos sociais nos
+últimos séculos e redes abertas, formas recentes criadas nos últimos anos com o
+adventos das modernas técnicas de comunicação e com novos desafios para
+organização encontrados pelos movimentos.
+
+Muitas vezes federações e redes abertas são colocadas em polos opostos dadas
+suas diferenças muitas vezes irreconciliáveis. Se é difícil dar um nome à
+relação entre essas duas formas de organização, por outro lado elas não parecem
+ser exatamente opostas, mas dialógicas. Algo que talvez possa generalizar tal
+relação seja a noção de protocolo. Protocolos não apenas lidam com o fluxo de
+informação, matéria e energia entre nós/grupos de uma rede, mas também podem
+lidar com o processo de conexão e desconexão.
+
+O modelo federativo auxilia muito no processo de decisão e responsabilização,
+enquanto que o modelo das redes abertas impulsiona a emergência de padrões
+complexos. Enquanto é mais difícil observar emergências em federações do que em
+redes abertas, o oposto ocorre quando se tenta tomar uma decisão. Uma rede
+aberta dificilmente realiza uma decisão que não faça parte do seu protocolo.
+
+Portanto, federações tendem a ser uma melhor opção nos momentos em que
+seus/suas participantes precisam decidir sobre o uso e o acesso a um bem ou
+recurso rival, isto é, quando há uma necessidade de dirigir um bem
+rival/excludente a um dado uso. Por outro lado, redes abertas existem
+usualmente em locais onde pessoas e grupos lidam basicamente com bens
+não-rivais (principalmente informação).
+
+Consideremos, ao invés dos conceitos de federação e redes abertas, conceitos
+como formalidade, informalidade e protocol. Um procotolo seria um conjunto de
+regras (definidas ou indefinidas) usadas para dar topologia (forma) a uma rede,
+lidando com suas conexões, desconexões, fluxo informacional, tomada de decisão,
+etc.
+
+A formalidade e a informalidade concernem ao conjunto de regras predefinidas
+num dado protocolo: no caso de uma rede aberta, regras usualmente não existem a
+priori e emergem as poucos num modo informal conforme o protocolo é atualizado
+dinamicamente, enquanto que federações tipicamente começam com um conjunto de
+regras acordadas de antemão.
+
+Como regras acordadas antes da instanciação de uma regra representam um
+entendimento comum das possibilidades e autonomia de casa uma das partes
+envolvidas no acordo, elas são mais propícias para lidarem com ben/recursos
+rivais/exclusionários. Mas, por precederam a atual experiência da rede, elas
+podem carecer de características necessárias para lidam com padrões emergentes
+de organização, especialmente à manipulação de bens não-rivais, algo muito bem
+obtido com processos informais.
+
+Muitos grupos são complexos o suficiente para lidaram tanto com bens e recursos
+rivais quanto não-rivais mas também com questões importantes como segurança,
+privacidade e confiança. Por isso, provavelmente muitos grupos precisarão de
+protocolos híbridos que lidem ao mesmo tempo com a formalidade e a
+informalidade.
+
+Ter um processo não significa ter um monte de regras desnecessárias, mas sim um
+pequeno conjunto de regras (um protocolo) para lidar com um processo de tomada
+de decisão acerca de bens e recursos rivais, com a segurança e a privacidade,
+podendo deixar os bens não-rivais se formarem de acordo com a experiência.
+
+Para criar protocolos sociais, portanto, as seguintes perguntas podem ser de
+grande valia:
+
+1. Quais são os bens e recursos rivais a serem compartilhados pelo grupo?
+2. Quais são os requisitos de segurança, privacidade e confiança no grupo?
+3. Quais são os requisitos de administração da informação (canais de
+ comunicação e documentação)?
+
+Respostas práticas a essas questões permitem o esboço de um protocolo (ou
+conjunto de protocolos):
+
+1. Para a questão 1, o protocolo pode se dirigir ao processo de tomada de
+ decisões.
+2. Para a questão 2, o protocolo pode estabelecer um esquema de controle de
+ acesso à informação.
+3. Para a questão 3, o protocolo pode sugerir um fluxo informacional padrão que
+ auxilie na comunicação, na documentação (memória) e eventualmente até nos
+ critérios de distribuição de informação para entidades externas (licenciamento
+ de conteúdo).
+
+Protocolos híbridos, além de serem compatíveis simultaneamente com processos
+formais e informais, são também propícios para se fazer um bom uso de recursos
+limitados (trabalho, energia, matéria, etc. Bons protocolos híbridos fazem um
+balanço entre formalidade (um conjunto excessivo de regras tende a ser
+burocrático) e informalidade e auxiliam aos grupos acumularem mais excedente
+com menos trabalho.
+
+Além disso, pode ser conveniente balizar a criação de protocolos levando em
+conta o princípio do não-preconcebimento, que afirma que ''nada que foi
+explicitamente informado ou acordado deve ser considerado ou assumido''. Por
+exemplo se alguém não informou que está realizando uma dada atividade, então
+não há condições suficientes para se considerar que essa pessoa a está
+realizando.
+
+Ou seja, a iniciativa só deve ser considerada se houver disponibilidade de
+informação. Até pode acontecer que alguém que não informou que esteja
+trabalhando na verdade esteja, mas pela inexistência dessa informação não
+podemos nos arriscar a considerá-lo.
+
+A urgência e a emergência da organização
+----------------------------------------
+
+Um dado "nível" de organização/acumulação permite inclusive tornar situações
+antes emergenciais em procedimentos bem estabelecidos. Por isso, um grupo que
+se dedica à sua organização terá um ganho futuro de lidar melhor com situações
+que hoje são urgentes. Se o grupo apenas se dedicar a apagar o fogo, a resolver
+emergências/urgências, não terá tempo para mudar e melhorar sua organização.
+Certamente o mundo apresenta uma série de situações emergenciais. A urgência
+permeia a existência.
+
+Não é possível não se omitir em todas as lutas, em todas as frentes, em todas
+as tarefas. Há uma rivalidade de atuação porque os grupos não são ilimitados. A
+energia das sociedades humanas não escala indefinidamente, ao menos atualmente,
+apesar de ser possível para um grupo ao menos apoiar -- nem que seja uma
+declaração de apoio -- múltiplas causas, mas escolhas precisam ser feitas.
+
+Por isso, é importante para um grupo dividir bem sua dedicação, seu tempo e seu
+esforço não apenas para todas as emergências, mas também para a sua
+organização. Às vezes é preciso dar um basta à resolução de emergências e
+dedicar um pouco do tempo à organização. Ao se organizar mais, a resolução de
+algumas emergências podem se tornar tarefas mais fácil.
+
+Referências
+-----------
+
+* [1] Licença de Manipulação de Informações do Grupo Saravá: http://wiki.sarava.org/Main/Licenca
+* [2] Protocolo de Ação Coletiva, http://protocolos.sarava.org/trac/wiki/Organizacao
+* [3] A tirania das organizações sem estrutura: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2001/07/3257.shtml
+* [4] O registro também pode ser entendido tanto como memória coletiva como superfície de inscrição do corpo coletivo. O registro é a memória da autogestão coletiva.
+* [5] Existiriam paralelos ou mesmo identidades com os conceitos de máquinas desejantes, fluxo de produção, superfície de inscrição e corpo sem órgãos? Estaria então o desarranjo também inserido nesse princípio de funcionamento? Deixamos estas questões em aberto.
+* [6] Os princípios das mídias e grupos livres - http://encontro.sarava.org/Principal/ConjuntoDePrincipiosEticos.
+* [7] Veja, por exemplo, o texto A Organização II - Errico Malatesta - 11 de julho de 1897, http://nucleos-fasp.blogspot.com/2008/08/organizao-ii-errico-malatesta-11-de.html