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[[!meta title="Os Jogos e os Homens"]]
A máscara e a vertigem
## Referências
* [O universo lúdico proposto por Caillois](http://www.efdeportes.com/efd127/o-universo-ludico-proposto-por-caillois.htm).
* [Man, Play and Games - Wikipedia](https://en.wikipedia.org/wiki/Man,_Play_and_Games).
## Meta
* Author: [Roger Caillois](https://en.wikipedia.org/wiki/Roger_Caillois).
* Editora: Cotovia
* Ano: 1990
* ISBN: 972-9013-28-4
* Tradução: José Garcez Palha
Original:
* Editora: Gallimard
* Ano: 1958
## Índice
* Regras versus sem regras (jogos de imitação por exemplo), 28.
* Regras das regras: jogos como atividades: 1. livres; 2; delimitadas; 3.
incertas; 4. improdutivas; 5.regulamentadas; 6. fictícias (págs 29-30).
* Jogos e animais: 35, 40; alea aparece apenas no humano (38).
## Básico
Esta noção de totalidade fechada, completa e imutável de início, concebida para
funcionar sem outra intervenção externa que não seja a energia que lhe dá o
movimento, constitui decerto uma preciosa inovação um mundo essencialmente em
mudança, cujos dados são praticamente infinitos e, por outro lado, se
transforma sem cessar.
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O termo <<jogo>> combina, então, em si as ideias de limites, liberdade e
invenção. Num registro próximo, exprime uma notável combinação onde se lêem
conjuntamente os conceitos de sorte e de destreza, dos recursos recebidos do
azar ou da sorte e da mais ou menos arguta inteligência que as põe em prática e
que trata de tirar delas o máximo proveito. Expressões como _ter bom jogo_
correspondem ao primeito dos sentidos, outras como _jogar pelo seguro_ ou
mostrar o jogo ou, inversamente, _dissimulr o jogo_, referem-se
inextricavelmente a ambos: vantagens à partida e um delinear astuto duma
sapiente estratégia.
O conceito de risco vem imediatamente complicar os dados já de si confusos:
a avaliação dos recursos disponíveis e o cálculo das eventualidades previstas
fazem-se de súbito acompanhar duma outra especulação, uma espécie de aposta
que supõe uma comparação entre o risco aceite e o resultado previsto. Daí
decorrem expressões como pôr em jogo, jogar forte, jogas as sobras, jogar a
sua carreira, jogar a sua vida, ou ainda a constatação de que sai mais cara
a mecha do que o sebo, ou seja, que o maior dos gahos que se possa esperar
do jogo será sempre inferor ao preço da luz que o ilumina.
O _jogo_, aparece novamente como uma noção particularmente complexa que associa
um estado de facto, uma cartada favorável ou deplorável, onde o acaso e
soberano e onde o jogador recebe, por fortuna ou por desgraça, sem nada poder
fazer, a uma aptidão para tirar o melhor partido dos seus desiguais recursos.
Estes, delapidados pela negligência, só serão frutificados por um cálculo
sagaz, por uma escolha entre a prudência e a audácia que assim colabora com uma
segunda coordenada, isto é, em que medida o jogador se dispõe a apostar mais do
que lhe escapa do que naquilo que controla.
Todo o jogo é um sistema de regras que definem o que é e o que não é do jogo,
ou seja, o permitido e o proibido. Estas convenções são simultaneamente
arbitrárias, imperativas e inapeláveis.
-- 11
Finalmente a palavra _jogo_, apela para uma ideia de amplitude, de facilidade
de movimentos, uma liberdade útil mas não excessiva, quando se fala de _jogo_
de uma engrenagem ou quando se diz que um navio _joga_ a sua âncora. Esta
amplitude torna possível uma indispensável mobilidade. É o jogo que subsiste
entre os diversos elementos que permite o funcionamento de um mecanismo. Por
outro lado, esse jogo não deve ser exagerado pos a máquina enlouqueceria. Desta
feita, este espaço cuidadosamente contado impede o bloqueio e o desajusta.
_Jogo_ significa, portanto, a liberdade que deve permanecer no seio do próprio
rigor, para que este último adquira ou conserve a sua eficácia. Além do mais,
todo o mecanismo pode ser considerado como uma espécie de jogo numa outra
acepção do termo, que o dicionário precisa da seguinte forma: <<Acção regular e
combinada de diversas partes duma máquina.>> Uma máquina, de facto, é um
__puzzle__ de peças concebidas para se adaptarem umas às outras e para
funcionar em harmonia. Mas, no interior deste jogo, todo ele exactidão,
intervém, dando-lhe vida, um jogo de outro tipo. O primeiro é combinação
exacta, relojoaria perfeita, o segundo é elasticidade e margem de movimentos.
-- 12
São estas as variadas e ricas acepções que mostram em que medida, não o jogo em
si, mas as disposições psicológicas que ele traduz e fomenta, podem
efecivamente constituir importantes factores civilizacionais. Globalmente,
estes diferentes sentidos implicam noções de totalidade, regra e liberdade. Um
deles associa a existência de limites à faculdade de inventar dentro desses
limites. Um outro inicia-se entre os recursos herdados da sorte e a arte de
alcançar a vitória, socorrendo-se apenas dos recursos íntimos, inalienáveis,
que dependem exclusivamente do zelo e da obstinação individual. Um terceiro
opõe o cálculo e o risco. Um outro ainda convida a conceber leis imperiosas e
simultaneamente sem outra sanção para além da sua própria destruição, ou
preconiza a conveiência e manter alguma lacuna ou disponibilidade no seio da
mais rigorosa das economias.
Há casos em que os limites se esfumam, em que a regra se dissolve e há outros
em que, pelo contrario, a librdade e a invenção estão prestes a desaparecer.
Mas o jogo significa que os dois pólos subsistem e que há uma relação que se
mantém entre um e outro. Propõe e difunde estruturas abstractas, imagens de
locais fechados e reservados, onde podem ser levadas a cabo concorrências
ideais. Essas estruturas, essas concorrências são, igualmente, modelos para as
instituições e para os comportamentos individuais. Não são segura e
directamente aplicáveis a um real sempre problemático, equívoco, emaranhado e
variado onde os interesses e as paixões não se deixam facilmente dominar mas
onde a violência e a traição são moeda corrente. Contudo, os modelos sugeridos
pelos jogos constituem também antecipações do universo regrado que deverá
substituir a anarquia natural.
-- 12-13
## Azar e a matemática
Os jogos de competição conduzem ao desporto, os jogos de imitação e de ilusão
prefiguram as religiões do espectáculo. Os jogos de azar e de cominação
estiveram na origem de vários desenvolvimentos das matemáticas, do cálculo de
probabilidades à topologia.
-- 15
## Das regras
As emaranhadas e confusas leis da vida diária são substituídas, nesse espaço
definido e durante esse tempo determinado, por regras precisas, arbitrárias,
irrecusáveis, que têm de se aceitar como tais e que presidem ao correcto
desenrolar da partida. Se o trapaceiro as viola, pelo menos finge
respeitá-las. Não as discute: abusa da lealdade dos outros jogadores. Sob este
ponto de vista, temos de estar de acordo com os autores que sublinharam que a
desonestidade do trapaceiro não destrói o jogo. O que o destrói é o pessimista
que denuncia o carácter absurdo das leis, a sua natureza meramente
convencional, e que se recusa a jogar porque o jogo não tem sentido. Os seus
argumentos são irrefutáveis. O jogo não tem outro sentido senão enquanto jogo.
É precisamente por isso que as suas regras são imperiosas e absolutas,
transcendendo toda e qualquer discussão. Não há nenhuma razão para que elas
sejam desta e não doutra forma. Quem não as admitir de acordo com esta
perspectiva tem necessariamente de as considerar uma manifesta extravagância.
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## Desfecho
A dúvida acerca do resultado deve permanecer até o fim. Quando, numa partida de
cartas, o resultado já não oferece dúvida, não se joga mais, os jogaores põem
suas cartas na mesa. Na lotaria e na rolea, aposta-se num número que pode sair
ou não. Numa prova desportiva, as forças dos campeões devem ser equilibradas
para que cada um possa defender a sua oportunidade até ao fim. Por definição,
os jogos de habilidade envolvem, para o jogador, o risco de falhar a jogada,
uma ameaça de derrota, sem que o jogo deixaria de divertir, como acontece a
quem, por excesso de treino ou de habilidade, ganha sem esforço e
infalivelmente.
Um desfecho conhecido __a priori__, sem possibilidade de erro ou de
surpresa, conduzindo claramente a um resultado inelutável, é incompatível com a
natureza do jogo. É necessária uma renovação constante e imprevisível da
situação, como a que se produz ao atacar e ao ripostar, no caso da esgrima ou
do futebol, a cada mudança de bola, no ténis ou ainda no zadrez de cada vez que
um dos adversários altera uma peça. O jogo consiste na necessidade de enconrar,
de inventar imediatamente uma resposta _que é livre dentro dos limites das
regras_. Essa liberdade de acção do jogador, essa margem concedida à acção, é
essencial ao jogo e explica, em parte, o prazer que ele suscita.
-- 27-28
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