aboutsummaryrefslogtreecommitdiff
path: root/books/filosofia/metodo.mdwn
blob: 61c576115d7932c4d6226e3905368d3c8f4fdd50 (plain)
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
78
79
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
96
97
98
99
100
101
102
103
104
105
106
107
108
109
110
111
112
113
114
115
116
117
118
119
120
121
122
123
124
125
126
127
128
129
130
131
132
133
134
135
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156
157
158
159
160
161
162
163
164
165
166
167
168
169
170
171
172
173
174
175
176
177
178
179
180
181
182
183
184
185
186
187
188
189
190
191
192
193
194
195
196
197
198
199
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
211
212
213
214
215
216
217
218
219
220
221
222
223
224
225
226
227
228
229
230
231
232
233
234
235
236
237
238
239
240
241
242
243
244
245
246
247
248
249
250
251
252
253
254
255
256
257
258
259
260
261
262
263
264
265
266
267
268
269
270
271
272
273
274
275
276
277
278
279
280
281
282
283
284
285
286
287
288
289
290
291
292
293
294
295
296
297
298
299
300
301
302
303
304
305
306
307
308
309
310
311
312
313
314
315
316
317
318
319
320
321
322
323
324
325
326
327
328
329
330
331
332
333
334
335
336
337
338
339
340
341
342
343
344
345
346
347
348
349
350
351
352
353
354
355
356
357
358
359
360
361
362
363
364
365
366
367
368
369
370
371
372
373
374
375
376
377
378
379
380
381
382
383
384
385
386
387
388
389
390
391
392
393
394
395
396
397
398
399
400
401
402
403
404
405
406
407
408
409
410
411
412
413
414
415
416
417
418
419
420
421
422
423
424
425
426
427
428
429
430
431
432
433
434
435
436
437
438
439
440
441
442
443
444
445
446
447
448
449
450
451
452
453
454
455
456
457
458
459
460
461
462
463
464
465
466
467
468
469
470
471
472
473
474
475
476
477
478
479
480
481
482
483
484
485
486
487
488
489
490
491
492
493
494
495
496
497
498
499
500
501
502
503
504
505
506
507
508
509
510
511
512
513
514
515
516
517
518
519
520
521
522
523
524
525
526
527
528
529
530
531
532
533
534
535
536
537
538
539
540
541
542
543
544
545
546
547
548
549
550
551
552
553
554
555
556
557
558
559
560
561
562
563
564
565
566
567
568
569
570
571
572
573
574
575
576
577
578
579
580
581
582
583
584
585
586
587
588
589
590
591
592
593
594
595
596
597
598
599
600
601
602
603
604
605
606
607
608
609
610
611
612
613
614
615
616
617
618
619
620
621
622
623
624
625
626
627
628
629
630
631
632
633
634
635
636
637
638
639
640
641
642
643
644
645
646
647
648
649
650
651
652
653
654
655
656
657
658
659
660
661
662
663
664
665
666
667
668
669
670
671
672
673
674
675
676
677
678
679
680
681
682
683
684
685
686
687
688
689
690
691
692
693
694
695
696
697
698
699
700
701
702
703
704
705
706
707
708
709
710
711
712
713
714
715
716
717
718
719
720
721
722
723
724
725
726
727
728
729
730
731
732
733
734
735
736
737
738
739
740
741
742
743
744
745
746
747
748
749
750
751
752
753
754
755
756
757
758
759
760
761
762
763
764
765
766
767
768
769
770
771
772
773
774
775
776
777
778
779
780
781
782
783
784
785
786
787
788
789
790
791
792
793
794
795
796
797
798
799
800
801
802
803
804
805
806
807
808
809
810
811
812
813
814
815
816
817
818
819
820
821
822
823
824
825
826
827
828
829
830
831
832
833
834
835
836
837
838
839
840
841
842
843
844
845
846
847
848
849
850
851
852
853
854
855
856
857
858
859
860
861
862
863
864
865
866
867
868
869
870
871
872
873
874
875
876
877
878
879
880
881
882
883
884
885
886
887
888
889
890
891
892
893
894
895
896
897
898
899
900
901
902
903
904
905
906
907
908
909
910
911
912
913
914
915
916
917
918
919
920
921
922
923
924
925
926
927
928
929
930
931
932
933
934
935
936
937
938
939
940
941
942
943
944
945
946
947
948
949
950
951
952
953
954
955
956
957
958
959
960
961
962
963
964
965
966
967
968
969
970
971
972
973
974
975
976
977
978
979
980
981
982
983
984
985
986
987
988
989
990
991
992
993
994
995
996
997
998
999
1000
1001
1002
1003
1004
1005
1006
1007
1008
1009
1010
1011
1012
1013
1014
1015
1016
1017
1018
1019
1020
1021
1022
1023
1024
1025
1026
1027
1028
1029
1030
1031
1032
1033
1034
1035
1036
1037
1038
1039
1040
1041
1042
1043
1044
1045
1046
1047
1048
1049
1050
1051
1052
1053
1054
1055
1056
1057
1058
1059
1060
1061
1062
1063
1064
1065
1066
1067
1068
1069
1070
1071
1072
1073
1074
1075
1076
1077
1078
1079
1080
1081
1082
1083
1084
1085
1086
1087
1088
1089
1090
1091
1092
1093
1094
1095
1096
1097
1098
1099
1100
1101
1102
1103
1104
1105
1106
1107
1108
1109
1110
1111
1112
1113
1114
1115
1116
1117
1118
1119
1120
1121
1122
1123
1124
1125
1126
1127
1128
1129
1130
1131
1132
1133
1134
1135
1136
1137
1138
1139
1140
1141
1142
1143
1144
1145
1146
1147
1148
[[!meta title="O Método"]]

* [Descarga El Método I Edgar Morin](http://www.edgarmorin.org/descarga-el-metodo-i-edgar-morin.html).
* [Descarga Libro Metodo II al IV](http://www.edgarmorin.org/descarga-libro-metodo-ii-al-iv.html).
* [Volume I em português](https://monoskop.org/File:Morin_Edgar_O_metodo_1_A_natureza_da_natureza.pdf).

## Volume I

### Geral

* Complexidade: circuito de complementaridade, concorrência e antagonismo de termos irredutíveis.
* Método, originalmente caminhada, 36.
* Jogo, 111.
* Simples, homologia e equivalência, 181.
* Sistema: o conceito complexo mais simples, 187.
* Poíesis, 200.
* Mumford e a máquina faraônica de 100 mil homens-vapor, 211.
* Máquinas artificiais como incompletas: a mais organizacionalmente enferma, 214-215.

### Ordem e racionalidade clássica

    O universo de fogo, substituindo o antigo universo de gelo,
    faz soprar o vento da loucura na racionalidade clássica,
    que ligava em si as ideias de simplicidade, funcionalidade
    e economia. O calor ainda comporta agitação, dispersão,
    ou seja, perda, despesa, dilapidação, hemorragia.

    A despesa era ignorada onde reinava a ordem soberana. Esta
    significava, ao contrário, economia. A economia cósmica,
    física e política se fundava em uma lei geral do menor esforço,
    do menor atalho de um ponto a outro, do menor custo de uma
    transformação a outra. A verdade de uma teoria ainda se julga
    por seu caráter econômico com relação a seus rivais, mais
    dispendiosos em conceitos, postulados, teoremas.

    -- 111-112

### Vida

    A vida, acaba-se de ver, é a emanação da organização viva;
    não é a organização viva que é a emanação de um princípio vital.

    -- 138

### Dependência entre sistemas

    Há neste encadeamento sobreposição, confusão, superposição de
    sistemas e há, na necessária dependência de um em relação aos
    outros.

    -- 128

### Simplexidade: a complexidade necessária da pragmática

Numa segunda releitura da parte inicial d'O Método, confrontei minha noção de
simplexidade, ou complexidade necessária com o conceito de complexidade
moriniano.

Há aí, à primeira vista, um óbvio antagonismo de pontos de vista: o simples,
reducionista, seria visto em oposição ao complexo, irredutível.

O que ocorre, de fato, é que ambas as conceituações são complementares ao
prestarmos atenção à qualidade *necessária* da noção de simplexidade, que
nada mais é do que o estabelecimento de um nível de complexidade de entendimento
e uso do conhecimento para determinado fim. É necessário porque pragmático,
por exemplo para fins didáticos.

Por quê o simples é sedutor? Pela sua facilidade. A pragmática reducionista
levou a ciência a várias revoluções. Sua sistemática facilitou enormemente
a pesquisa em ciência normal. Mas pode, como Morin aponta n'O Método,
circunscrever o conhecimento apenas naquilo que pode ser restringido a
conceitos simples e irredutíveis, o que cada vez mais se torna impossível:

    O pensamento racionalista comporta um aspecto de racionalização demente
    em sua ocultação do gasto absurdo.

    -- 111

Não se pode, então, confundir a pragmática de um nível de entendimento da
complexidade necessária da natureza como sendo a natureza de fato. No
uso da simplexidade, "travamos" temporariamente a espiral de conhecimento
para que dele possamos fazer um uso prático usando o que consideramos
conceitualmente mais importante, mais essencial em detrimento do desnecessário
e desimportante.

Nisto, vale a formulação de Malatesta em seu texto A Organização II:

    Antes de mais nada, há uma objeção, por assim dizer, formal. “Mas de
    que partido nos falais? Dizem-nos, nem sequer somos um, não temos um programa”.
    Este paradoxo significa que as idéias progridem, evoluem continuamente,
    e que eles não podem aceitar um programa fixo, talvez válido hoje, mas
    que estará com certeza ultrapassado amanhã.

    Seria perfeitamente justo se se tratasse de estudantes que procuram a verdade,
    sem se preocuparem com as aplicações práticas. Um matemático, um quí-
    mico, um psicólogo, um sociólogo podem dizer que não há outro programa senão
    o de procurar a verdade: eles querem conhecer, mas sem fazer alguma coisa.
    Mas a anarquia e o socialismo não são ciências: são proposições, projetos que os
    anarquistas e os socialistas querem por em prática e que, conseqüentemente,
    precisam ser formulados como programas determinados. A ciência e a arte das
    construções progridem a cada dia. Mas um engenheiro, que quer construir ou
    mesmo demolir, deve fazer seu plano, reunir seus meios de ação e agir como se
    a ciência e a arte tivessem parado no ponto em que as encontrou no início de
    seu trabalho. Pode acontecer, felizmente, que ele possa utilizar novas aquisições
    feitas durante seu trabalho sem renunciar à parte essencial de seu plano. Pode
    acontecer do mesmo modo que as novas descobertas e os novos meios industriais
    sejam tais que ele se veja na obrigação de abandonar tudo e recomeçar do
    zero. Mas ao recomeçar, precisará fazer novo plano, com base no conhecimento e
    na experiência; não poderá conceber e por-se a executar uma construção amorfa,
    com materiais não produzidos, a pretexto que amanhã a ciência poderia sugerir
    melhores formas e a indústria fornecer materiais de melhor composição.

    Entendemos por partido anarquista o conjunto daqueles que querem contribuir
    para realizar a anarquia, e que, por conseqüência, precisam fixar um objetivo a
    alcançar e um caminho a percorrer. Deixamos de bom grado às suas elucubrações
    transcendentais os amadores da verdade absoluta e de progresso contínuo, que,
    jamais colocando suas idéias à prova, acabam por nada fazer ou descobrir.

    https://ayrtonbecalle.files.wordpress.com/2014/03/errico-malatesta-a-organizac3a7c3a3o-ii.pdf

A simplexidade é justamente o reconhecimento do paradoxo que Malatesta coloca
entre a evolução contínua das ideias e a necessidade do aqui e agora de uma
escolha prática para a organização.

Assim, minha brincadeira com Morin consiste em negar o reducionismo no próprio
conceito de simplicidade: em contraponto ao simples como irredutível, busco o
simples não-simples, o simples complexo, a complexidade do simples e a
simplicidade do complexo: antagonistas e complementares.

Saber quando e como se utilizar de determinados níveis de complexidade para a
construção de entendimentos é uma arte.

A simplificação pode ajudar a andar porém pode cegar da maioria das coisas que
existem e acontecem. Já a complexificação pode dificultar escolhas mas pode
abrir horizontes de compreensão.

Há também uma ligação fundamental entre simplexidade e bem viver.

    A complexidade não é complicação. O que é complicado pode se reduzir a um princípio
    simples como um emaranhado ou um nó cego. Certamente o mundo é muito complicado, mas
    se ele fosse apenas complicado, ou seja, emaranhado, multidependente, etc., bastaria
    operar as reduçõe sbem conhecidas [...] O verdadeiro problema, portanto, não
    é devolver a complicação dos desenvolvimentos a regras de base simples. A complexidade
    está na base.

    [...]

    O simples é apenas um momento arbitrátrio de abstração arrancado das complexidades,
    um instrumento eficaz de manipulação laminando um complexo.

    -- 456

### Finalidade e causalidade

    O erro é não apenas reduzir o universo da vida, do homem, da sociedade ao das
    máquinas artificiais, é também redurzir o unoiverso das máquinas artificiais às
    máquinas artificiais. O erro está na recionalização cibernética que só quer ou
    só pode ver no ser vivo e no ser social uma máqiuna lubrificada e funcional que
    pde para ser mais lubrificada e mais funcionalizada para sempre. Tal
    racionalização finalitária se torna simétrica à antiga causalidade elementar,
    pois, como esta, ela expulsa a incerteza e a complexidade. O erro é o mesmo do
    pensamento tecnocrático que fez da máquina o eídolon de toda vida, o novo
    ídolo, a rainha do mundo robotizado! A finalidade é certamente uma emergência
    cibernética da vida, mas ela emerge na complexidade. Que seja no nível do
    organismo, do indivíduo da reprodução da espécie, do ecossistema, da sociedade,
    a ideia de finalidade deve ser simultaneamente integrada e relativizada, ou
    seja, complexificada. É uma noção que não é nem clara, ne distinta, mas
    pestanejante. A complexidade a desmultiplica, mas também a escurece. Os
    objetivos práticos, as operações funcionais, são claros e evidentes, mas eles
    se engrenam nas finalidades cada ve menos claras e menos evidentes...

    -- 325

    A dialógica, as dialéticas endo-exocausais têm um caráter aleatório. Quer dizer
    que a causalidade complexa comporta um princípio de incerteza: nem o passado nem
    o futuro podem ser inferidos diretamente do presente (Maruyama, 1974). Não pode
    mais haver nem explicação segura do passado nem futurologia arrogante: pode-se,
    deve-se construir cenários possíveis e improváveis para o passado e para o futuro.

    É preciso compreender que mesmo a causalidade pode ter um efeito ínfimo, ou,
    pelo contrário, devido às retroações amplificadoras, desestruturadoras,
    morfogenéticas que ela desencadeará, ser como uma avalanche durante séculos e
    séculos.

    -- 329

### Informacionalização

    Como a informação é cada vez mais captada pelo inimigo, que se tornando cada
    vez mais inteligente, como o inimigo extrai de nossos traços marcas, odores,
    etc., informações para nos situar, então se desenvolvem conjuntamente a
    camuflagem, o engodo, a esperteza e a arte de detectar a camuflagem, o engodo e
    a esperteza.  A informação se torna agora equívoca e ambivalente: ela adverte e
    trai; ela informa eventualmente aquele que não deve informar: o inimigo, o
    concorrente.  Grande "progresso" na história da vida: a entrada da enganação na
    comunicação.  De agora em diante, a vitória não pertence mais somente à força e
    ao endereço, mas também à esperteza, depois à mentira (homo sapiens). A mentira
    humana, ao se sociologizar, ao se ideologizar, desdobra-se, frutifica, triunfa,
    já que ela está ornada das virtudes da verdade. Quanto mais o universo for
    informacionalizado, mais ele será assim, até que a saturação de mentira e de
    hipocrisia desencadeie uma inversão da tendência, como eu quero esperar.

    -- 404

    Todo o poder de Estado dispõe do poder programador/ordenador sobre a sociedade
    (poder de regular, legislar, deretar), do poder estratégico (elaborar e decidir
    as políticas a seguir) e do poder de comando/controle. O Estado dito
    "totalitário" vai mais longe: ele concentra em si a memória oficial (o poder de
    escrever a História do passado e de ditar a história do presente), o controle
    de todos os meios de expressão e de comunicação da informação: o monopólio do
    saber verídico pelo menos no que diz respeito à sociologia e à política,
    eventualmente em matéria de ciência e de artes; o controle direto de todos os
    aparelhos econômicos e outros.

    [...]

    A idéia-chave que o poder está na produção deve ser lida e compreendida não no
    sentido restrito, economista do termo produção, mas no seu sentido
    organizacionista/informacional.  Não é o poder sobre os "meios" de produção, é
    o poder sobre a produção da produção, ou seja, a generatividade social: não é
    apenas a propriedade das coisas, dos bens: o domínio está no domínio dos meios
    de domínio; a dominação dos meios de dominação; o controle dos meios de
    controle: o poder informacional do aparelho.

    Vê-se aqui a justeza e o erro de Marx. Marx buscava o que era gerador na
    sociedade, e é com uma retidão admirável que ele priorizou, antropologicamente,
    a noção de ser genérico, e, sociologicamente, a noção de produção.  Mas o único
    fundamento que oferecia a física da época era de natureza energética: o
    trabalho; da mesma forma, ele vira na sociedade o poder de classe, não o poder
    do aparelho.

    Ora, a teoria do Aparelho genofenomenal da uma Sociedade concebida como
    organização informacional/comunicacional pode apenas renovar e enriquecer o
    problema sociológico da dominação e do poder. Ela nos leva a detectar o
    problema-chave da monopolização da informação. O pode é monopolizado assim que
    um aparelho liga diretamente o poder ao saber (quem reina detém a verdade), o
    bastão de comando ao cetro, o sagrado ao político, e por isso uma casta ou uma
    classe de aparelho monopoliza as formas múltiplas de informação. A exploração e
    a dominação coincidem com a relegação dos explorados e dominados às tarefas
    puramente energéticas de execução, com a sua exclusão da esfera
    generativa/programadora. Eles só têm direito aos sinais informando-os do que
    eles devem fazer, pensar, esperar, sonhar.

    -- 418 - 419

## Volume II

* Ecologia da ação, complexidade das ações e incerteza das consequências, 100.

    É a procura de uma simplicidade elementar que nos conduz a uma complexidade
    fundamental.

    -- 128

### Vida: necessidade do genona

    A generalidade produz e mantém processos organizadores que são, fisicamente,
    improváveis. A generatividade física (seres organizadores de si) é sempre
    espontânea, isto é, não dispõe de aparelho informacional para controlá-la
    ou programá-la. Os seres vivos se desintegrariam se dependessem apenas das
    regulações físicas, químicas, termodinâmicas espontâneas. A generatividade
    biológica (seres auto-organizadores) comporta, necessariamente, agenciamento
    genético e informação hereditária.

    -- 136

    Assim como a fetichização do capital econômico impede que as outras dimensões
    da vida social tomem forma, a fetichização do capital genético impede que as
    múltiplas dimensões da auto-organização tomem forma.

    Assim, sob o duplo efeito da redução química e da coisificação informática, o
    gene é isolado, hipostasiado. Apesar e por causa dos progressos da genética e
    da biologia molecular o paradigma de simplificação pesa no sentido de um
    subdiscurso vulgarizador, de caráter atomizador (que situa o fundamento
    organizacional do ser vivo na unidade de base, isto é, na molécula, na
    informação, no gene), mecanística (que reduz a lógica da organização viva à
    máquina artificial), coisificador (que substancializa a informação/programa). O
    subdiscurso, larvar na genética torna-se o discurso "genetista" propriamente
    dito e, desenvolvendo-se sem entraves, transforma-se em mito pangenetista.
    Assim, a incapacidade para conceber a unidade complexa do genos e do fenon na
    auto-organização transforma o gene em gênio e o DNS em Adonai.

    -- 155

### Misc

    O ego-autocentrismo parece invulnerável. O indivíduo não pode agir senão para
    si e para os seus. Como tudo aquilo que é invulnerável, o ego-autocentrismo tem
    seu ponto vulnerável, não no calcanhar, mas na cabeça, ou melhor dizendo, na
    computação.  O ponto forte de todo o ser computante, que é extrair informação
    do seu universo, é também o seu ponto fraco: a possibilidade de erro. A
    computação pode enganar-se nos seus cálculos, ou tratar uma informação
    enganadora. Assim, todo o indivíduo pode tornar-se o instrumento da sua própria
    perda enquanto julga trabalhar para a sua salvação.

    O ser computante pode até ser despossuído do seu próprio ego-autocentrismo,
    como no caso da célula parasitada por um vírus, o qual, fazendo-a executar o
    seu programa de reprodução, a faz agir para a sua própria destruição e para a
    multiplicação do seu assassino. Os humanos tornaram-se mestres na sujeição dos
    animais que, embora conservem a autonomia cerebral, isto é, o
    ego-autocentrismo, estão de fato subjugados às finalidades dos subjugadores e
    sobretudo tornaram-se mestres na sujeição do homem pelo homem, como já
    indicamos.

    -- 197, 198

### A discriminação cognitiva de "si"

    "Se algum organismo não se conhece a si próprio, como pode detectar a
    presença de alguma coisa estranha?" (Vaz e Varela, 1978)

    -- 181

Ou, analogamente, se um organismo parasse de se reconhecer, seu sistema imunológico
poderia atacar a si mesmo.

### Computo ergo sum

* Computação, "com-puter": examinar, avaliar, estimar supor ("puter") em cojunto, ligando ou confrontando aquilo que está separado, separando ou dissociando aquilo que está ligado ("com") (183).
* Autos: idem e ipse (196).
* Princípio de exclusão: identificação do si e do não-si.
* Vida: auto-computante: computa a si mesma.
* Si: referência corporal objetiva (213), corporalidade (214).
* Eu: auto-referência subjetiva do ser vivo (190), afirmação egocêntrica (213).
* Mim: auto-referência objetiva do ser vivo (190), referência objetiva do eu e referência subjetiva do si (213).

Trechos:

    O cogito começa a aparece como um anel espiral.

    -- 202

    Ora, evidentemente, as demonstrações "idealistas" que desprendem o sujeito da
    órbita física e do mundo das coisas não são de modo algum comprobatórias. Em
    geral, o cogito é insuficiente como prova científica ou lógica para dizer
    alguma coisa sobre a natureza material ou imaterial do mim, sobre a sua
    realidade transcendental ou fenomênica. Toda a busca de prova, deste domínio,
    necessita da comunicação do cogitante com o universo exterior e da
    intercomunicação dos cogitantes entre eles.  Ora, o cogito funda-se
    exclusivamente na autocomunicação do sujeito consigo mesmo e a sua validade
    concerne, exclusivamente, a qualidade de sujeito. E é precisamente esse caráter
    de autocomunicação que, embora constitua o seu limite, constitui a riqueza do
    cogito, pensamento recorrente em ação, gerando e regenerando o seu próprio
    começo, a sua própria origem, produzindo nesse mesmo processo sua unidade
    complexa e as suas qualidades emergentes, que são aqui as qualidades próprias
    do sujeito consciente.

    --- 204, 205

    O computo não "pensa" de modo ideal, isto é, isolável. "Pensa" (computa) de
    modo organizacional. O computo concerne o "eu sou", não no plano da consciência
    ou da representação, mas no plano da produção/geração/organização. Não existe
    certamente constituição de sujeito consciente ao nível da "Escherichia coli".
    Mas, talvez, constituição do sujeito puro e simples no e pelo "computo".

    -- 207

    Como Piaget indicou, freqüentemente a organização do conhecimento humano
    constitui um desenvolvimento original da organização biológica e, por
    conseguinte, "existem funções gerais comuns aos mecanismos orgânicos e
    cognitivos" (Piaget, 1967, p. 206).  Neste sentido, "o funcionamento cerebral
    exprime ou prolonga formas muito gerais e não particulares de organização
    (biológica)" (Piaget, 1967, p. 545). Podemos pois dizer que, "numa certa
    profundidade, a organização vital e a organização mental constituem apenas uma
    única e mesma coissa" (Piaget, 1968, p. 467). Podemos portanto ir ainda mais
    longe e considerar que todo o ato de organização viva comporta uma dimensão
    cognitiva.

    [...]

    Assinalar um fenômeno de conhecimento no ser celular aparece decerto como uma
    verdadeira projeção retrospectiva do indiferenciado. Mas esta projeção pode
    justificar sua necessidade: seria absurdo negar a atividade cognitiva num ser
    que apresenta suas condições (aparelho computante) e os seus resultados
    (distinção do si/não-si, extração de informações do universo exterior, etc.). A
    idéia de que a auto-organização viva comporta uma dimensão cognitiva dá sentido
    e coerência ao conjunto dos dados relativos à organização celular.  Mas, ao
    mesmo tempo, traz um aparente não-sentido à idéia de conhecimento, uma vez que
    trata de um conhecimento que não se conhece a si mesmo. Schelling dizia: "A
    vida é um saber que ignora a si mesmo...".

    -- 207, 208

    A partir daí, o paradoxo do conhecimento que não se conhece agrava-se: como
    pode haver autoconhecimento para um conhecimento que não se conhece?

    [...]

    Estaríamos inteiramente desarmados diante do problema do autoconhecimento se
    não tivéssemos já reconhecido a auto-referência no âmago de todos os processos
    celulares e de informação (portanto de autoinformação), de comunicação
    (portanto de autocomunicação), de computação (portanto de autocomputação).
    Significa, ao mesmo tempo, que o circuito auto-referente de si a si faz
    regressar o computado ao computador; sendo o computado também o computador, o
    computado-computador regressa à computação do computador.  Trata-se de um
    circuito autocognitivo no qual o computador está apto não só para computar-se
    na parte por intermédio do todo, no todo por intermédio das partes, mas também
    para objetivar-se como computado (si, mim) e ressubjetivar-se como computador
    (eu).

    -- 209

    Devemos também supor que esses termos [...] são como que instâncias
    referenciais que fazem circular a reflexão de um ponto de vista a outro, cada
    uma das quais permite ao sujeito reconhecer ou afirmar um dos seus rostos.

    -- 213

    Já vimos aquilo que separa uma computação cerebral que só gera representações e
    uma computação celular que gera a vida. O computo celular produz o ser objetivo
    e, ao mesmo tempo, a modalidade subjetiva do ser. É o operador do circuito no
    qual, simultaneamente, o ser e a modalidade subjetiva do ser se geram e se
    regeneram, permanentemente.

    -- 214

    Temos que entender radical, fundamental, plenamente: computo ergo sum. Computo
    não significa "tenho um computador na minha máquina". Não significa apenas "sou
    um ser computante". Significa "eu computo, logo eu sou".

    -- 216

### Existencialismo

Turnover molecular, turbilhão computante (221, dentre outras).
Jogo, erro e morte (217), a tragédia básica da existência e a solidão comunicante (218):

    Assim, a autou-afirmação individual do indivíduo-sujeito é a de um ator que
    joga o jogo de viver para ganhar a vida. A noção de ator é existencial no
    sentido em que o ator se joga a si mesmo -- joga a sua vida -- na busca, no
    esforço, no perigo no seio do "teatro" natural que é o seu ambiente. A condição
    existencial do jogo marca toda a vida: é a natureza sempre renascente e a luta
    sempre renascente contra a incerteza.

    O ator vivo mais modesto dispõe, para jogar o seu jogo, do seu capital de
    informações hereditárias e do computo egocêntrico que lhe permite transformar a
    informação em programa, extrair informações do mundo exterior, agir em função
    da situação. mas o computo comporta a sua brecha de incerteza: o risco de erro.
    Toda a existência viva traz consigo o risco permanente de error (no
    funcionamento auto-organizador, na percepção do mundo exterior, na escolha ou
    na decisão, na estratégia do comportamento) e todo o risco de erro traz consigo
    o risco e morte.

    [...]

    Como vimos, a morte não é o inimigo mortal da vida (porque, sem deixar de ser
    desintegrante, está integrada nas transformações e regenerações da vida). Mas é
    inimiga mortal do indivíduo-sujeito.

    -- 217

    Toda a existência que joga é, simultaneamente, jogada e joguete. [...] O
    estatuto do objetivo é incerto, improvável, aleatório, perecível, mas este
    indivíduo, por improvável e pouco necessária que seja a sua vinda ao mundo, por
    inexoravelmente mortal que ele seja, torna-se, logo que nasce e se forma, um
    ser absolutamente necessário "para si" e tende a viver a todo custo,
    indefinidamente. Aí reside a tragédia da existência viva. O indivíduo é um
    quantum de existência, efêmero, descontínuo, pontual, um "ser-lançado-no-mundo"
    entre ex nihilo (nascimento) e in nihilo (morte) e é ao mesmo tempo um sujeito
    que se autotranscende acima do mundo. Para ele, é o centro do universo. Para o
    universo, não passa de um vestígio corpuscular, um estremecimento de onda. Para
    ele é sujeito, para o universo é objeto. É a sua própria necessidade, embora
    tenha nascido por acaso, viva no acaso e morra no acaso. Nasceu no meio de
    milhões de sementes inutilizadas, dilapidadas, volatilizadas, formou-se num
    mistério de agregação, de epigenetização, de animação, que, do nada, produziu
    este instante periférico que se julga o umbigo do mundo.

    [...]

    O ser vivo, por constituição, está destinado à solidão existencial. Produz e
    mantém a sua membrana-fronteira. Opera a cisão ontológica entre si e não-si. A
    sua computação está numa câmara escura, e as informações que extrai são
    traduções.

    [...]

    A solidão, a separação, a incerteza constituem as condições prévias e
    necessárias da comunicação. Só os solitários podem e devem comunicar.

    -- 218

    O computo tem o papel vital e fundamental de traduzir acontecimentos em
    informações a computar por e para si. A partir daí, surge um problema que se
    tornará permanente e agudo na existência animal: como evitar o erro, como
    induzir em erro o adversário, o inimigo?

    [...]

    Como veremos cada vez mais claramente, a afetividade é a consequência, não a
    origem, da existência subjetiva.

    [...]

    A relação entre recepção de estímulos exteriores (a bactéria dispõe de
    químico-receptores) e o computo abre a porta à sensibilidade. A partir daí,
    tudo aquilo que acontece de nefasto ou benéfico é não só computado como "bom"
    ou "mau" (para si), mas também pode ser sentido como irritante ou apaziguante.
    As sensibilidades e irritabilidades progridem com o desenvolvimento dos
    receptores sensoriais e das redes nervosas.

    -- 219

### O Sujeito

Sujeito (220):

* Esqueleto lógico-organizacional e carne ontológico-existencial.
* Lógico: auto-referência, distribuidor de valores.
* Organizacional: conceito inerente e necessário à auto-(geno-feno-eco)-organização.
* Ontológico: sua afirmação individual egocêntrica é inerente e necessária à definição do ser vivo.
* Existencial: cada um dos seus traços constitutivos comporta uma dimensão existencial.

    O sujeito, repito, não é uma substância, uma essência, uma forma.
    É uma qualidade de ser [...]

    --- 221

    Assim, podemos ver que a qualidade de sujeito não é um epifenômeno ou uma
    superestrutura da individualidade viva, mas uma infra-estrutura que permite
    inscrever muito profundamente o indivíduo e o genos um no outro. Com efeito,
    não é apenas a mensagem genética que é necessária à constituição do sujeito.
    É a estrutura reprodutora que é indispensável à estrutura do sujeito, ao menos
    na esfera originárias e fundamental do unicelular. Reciprocamente, não é
    apenas a existência de um indivíduo que é necessária à reprodução genética.
    É a estrutura primeira do sujeito que é indispensável à estrutura reprodutora
    primeira.

    --- 223

    Marx dizia que a chave da autonomia do macado reside na autonomia do homem.
    Entendia com isso que o desenvolvimento, no homem, de qualidades potenciais
    ou embrionárias no macaco, permitia perceber aquilo que seria invisível
    se tivéssemos considerado o macaco isoladamente da evolução pela qual o
    metamorfoseou em homem. Em outras palavras, o ulterior permite conceber o
    anterior. Temos, pois, de prolongar a fórmula marxiana relativa ao macaco pela
    proposição contrária mas complementar, e pela conjugação em anel destas duas
    proposições [...] Em outras palavras, a chave de ambos está no movimento
    e confrontação initerrupto produtor de hipóteses e de teorias.

    -- 224

### Comunicação, redes e o outro (alteridade)

* Egoísmo e altruísmo, 232.

    A faculdade de computar o outro como alter ego/ego alter é sem dúvida
    inseparável da faculdade de se computar a si "objetivamente" como um outro
    si-mesmo (alter ego) e de identificar este alter ego com a sua própria
    identidade subjetiva. [...] A comunicação entre congêneres exterioriza,
    num outro semelhante a si, os processos internos de objetivação/subjetivação,
    proteção/identificação. Constitui-se, entre os dois parceiros, de modo
    recíproco, um circuito de proteção (de si sobre o outro) e de identificação
    (do outro consigo).

    -- 228

    Assim, o anel que encerra o sujeito sobre si mesmo abre-lhe ao mesmo tempo a
    possibilidade de comunicar-se com outrem.

    -- 229

### Estratégia e inteligência

    Veremos cada vez melhor que as noções de arte, estratégia, inteligência,
    bricolagem (estratégia organizadora de um novo objeto por conversão de antigos
    objetos ou elementos da sua finalidade ou função) são intercomunicantes.
    
    [...]
    
    Quando programa tende a comandar, diminuir, suprimir as estratégias, a
    obediência mecânica e míope torna-se modelo de comportamento. À escala humana,
    a estratégia necessita de lucidez na elaboração e na conduta, jogo de
    iniciativas e de responsabilidades, pleno emprego das competências individuais,
    isto é, pleno emprego das qualidades do sujeito.  Eis por que, entre
    parênteses, o Método aqui procurado nunca será um programa, isto é, uma receita
    preestabelecida, mas um convite e uma incitação à estratégia do pensamento.
    
    -- 257

### Liberdade

* Definição, 258.
* Suicídio, 259.

### Sociedades: entidades de terceiro tipo

    Não existe fronteira bem nítida entre as associações mais ou menos frouxas e as
    sociedades rudimentares. Mas o que importa aqui é definir um fenômeno não na
    sua fronteira incerta, mas na sua emergência própria. O fenômeno social emerge
    quando as interações entre os indivíduos do segundo tipo produzem um todo
    não-redutível aos indivíduos e que retroage sobre ele, isto é, quando se
    constitui um sistema. Existe, portanto, sociedade quando as interações
    comunicadoras/associativas constituem um todo organizado/organizador, que é
    precisamente a sociedade, a qual, como toda a entidade de natureza sistêmica, é
    dotada de qualidades emergentes e, com as suas qualidades, retroage enquanto
    todo sobre os indivíduos, transformando-os em membros desta sociedade.

    -- 264

    O sistema social não é apenas um sistema: é uma organização que organiza
    retroativamente a produção e a reprodução das interações que a produzem,
    assegura a sua homeostasia através do turnover dos indivíduos que morrem e
    nascem e, assim, continua a ser um ser-máquina autoprodutor e auto-organizador.

    -- 265

### Totalitarismo

    Um novo e enorme poder de Estado tende a concentrar-se ao longo do século XX.

    O Estado torna-se cada vez mais Estado-providência e Estado assistencial
    (Welfare state).  Num sentido, dedica-se cada vez mais à proteção e ao
    bem-estar dos indivíduos, mas, ao mesmo tempo, estende as suas competências a
    todos os domínios das vidas individuais, doravante encerradas numa rede
    polimórfica, simultaneamente casulo (protetor mas eventualmente infantilizante)
    e armadilha. Assim, desenvolve-se um Estado, de certo não totalitário, mas
    totalizante, isto é, englobando todas as dimensões da existência humana.

    Os notáveis desenvolvimentos informáticos, de que hoje se discutem as
    ambivalências (Nora, Minc, 1978), deixam entrever espantosas possibilidades de
    desconcentração comunicacionais e de que beneficiariam os indivíduos. Mas, ao
    mesmo tempo, a informática dá a um aparelho de Estado central a possibilidade
    de agrupar e tratar todas as informações acerca de um indivíduo de modo muito
    mais ramificado e preciso que o controle neurocerebral sobre as células dos
    nossos organismos. A partir daí, um código policial/tecnológico (munido de
    dispositivos de detecção e de escuta em todos os terrenos) pode doravante
    exercer-se sobre o desvio, anomalia, originalidade. A isto é necessário
    acrescentar já as futuras ações bioquímicas sobre o espírito ----- cérebro

    humano, que permitirão estabelecer uma normalização generalizada de todo o
    desvio. Doravante, o Estado encontra-se dotado de poderes que, virtualmente,
    excedem todos os poderes de controle e de intervenção jamais concentrados.

    Aqui mesmo, temos de inscrever o processo aparentemente marginal,
    sociologicamente menor, que já constatei (Método I): o conhecimento científico
    produz-se cada vez menos para ser pensado e meditado por espíritos humanos, mas
    cada vez mais acumulado para a computação dos seus computadores, isto é, para a
    utilização das entidades superindividuais, em primeiro lugar a entidade
    supercompetente e onipresente: o Estado. Ao mesmo tempo e correlativamente,
    essa ciência cega-nos: o resto do nosso mundo, da nossa sociedade, do nosso
    destino é despedaçado por um conhecimento científico que, atualmente, ainda é
    incapaz de pensar o indivíduo, incapaz de conceber a noção de sujeito, incapaz
    de pensar a natureza da sociedade, incapaz de elaborar um pensamento que não
    seja unicamente matematizado, formalizado, simplificador, mas, ao contrário,
    muito capaz de fornecer aos poderes novas técnicas de controle, de manipulação,
    de opressão, de terror, de destruição.

    Ao aproximarmo-nos, pois, do momento em que podemos considerar que todos estes
    processos conjuntos poderiam permitir ao ser do terceiro tipo realizar-se em
    onipotência, não só sujeitando-nos e manipulando-nos, mas também
    infantilizando-nos, irresponsabilizando-nos e despossuindo-nos da aspiração ao
    conhecimento e do direito ao juízo.

    Tal hipótese não é brincadeira intelectual, pois o Estado dedicado a essa
    realização surgiu no século XX: o Estado totalitário. Instala-se, sob diversas
    variantes, em todos os continentes, em todas as civilizações, em todas as
    sociedades, sob o impulso, o controle, a apropriação de um aparelho soberano: o
    partido detentor de todas as competências, possuidor de verdade sobre o homem,
    a história, a natureza.

    A partir daí, bastaria que este Estado totalitário concentrasse e utilizasse de
    modo sistemático todas as formas de dominação/controle, não só burocráticas,
    policiais, militares, mitológicas, políticas, mas também científicas, técnicas,
    informáticas, bioquímicas, para que se pudesse operar uma sujeição das classes,
    grupos, indivíduos, já não apenas generalizada mas irreversível; regressões dos
    direitos individuais já não são apenas generalizadas mas irreversíveis.
    Podemos, certamente, esperar que nossos totalitarismos contemporâneos sejam os
    monstros provisórios nascidos das agonias e gestações deste século. Mas podemos
    recear também que estes monstros se tornem duradouros na e pela
    sujeição/controle estrutural dos indivíduos do segundo tipo e, por isso,
    constituam os artesãos de um desenvolvimento decisivo do ser do terceiro tipo.

    -- 281, 282

### Autos

    Autos significa "o mesmo": não identidade consigo mesmo fundada numa
    invariância estáica, não identidade de dois termos distintos e semelhantes, mas
    unidade de um anel que, girando incessantemente do mesmo ao si mesmo, produz e
    reproduz o mesmo.

    O autos pertence à raça dos anéis turbilhonares. Um ciclo genérico de
    reproduções faz suceder os vivos aos vivos. Um turnover fenomênico faz suceder
    as moléculas às moléculas, as células às células (se policelular), os
    indivíduos aos indivíduos (sociedade). Assim como um turbilhão desenha uma
    figura estável no seio do fluxo, igualmente, e ainda mais, o dinamismo
    turbilhonar do autos produz, a partir de uma inscrição genética invariante,
    formas corporais aparentemente estáticas (células, organismos, sociedades) e
    aparece desenhar no tempo um esquema ou pattern fixo.  Aqui reencontramos o
    vínculo pseudo-antinômico entre o movimento irreversível e o estado
    estacionário, dinamismo e a estabilidade, já bem elucidado (O Método !).

    -- 287

    O princípio de integração próprio de autos é, portanto, um princípio
    polianelante complexo que permite construir, simultaneamente, vários graus de
    auto-organização, de individualidade, de ser, de existência. Uma propriedade
    notável destas integrações mútuas é que as relações de pertença não anulam as
    relações de exclusão: cada ser permanece, no seu grau, um indivíduo-sujeito
    egocêntrico, embora "pertença" a um mega-ser, ele mesmo egocêntrico, de que é
    uma parte ínfima e enferma.

    De onde as consequências perturbadoras para a ontologia tradicional: embora os
    seres-sujeitos se excluam uns aos outros do seu lugar egocêntrico, podem,
    contudo, constituir vários seres em um, um ser em vários e, ao mesmo tempo,
    fragmentos de mega-seres.

    -- 290

### Hierarquia e especialização

* Problemas e vulnerabilidades da estrutura em rede centralista/hierárquica/especializada: 359.

    A hierarquia constitui uma estrutura de sujeição, na qual os seres celulares
    estão sujeitos aos indivíduos policelulares, sujeitos Pas sociedades de que
    fazem parte. Os seres sujeitados continuam sujeitos, mas na ignorância (e, no
    caso dos humanos, na inconsciência), trabalham para os fins dos sujeitos que os
    sujeitam.

    Mesmo quando há arquitetura de emergências, a organização hierárquica comporta
    uma certa alienação do sujeito (que trabalha para os outros trabalhando para si)
    e uma virtualidade de subjugação e de exploração (remeto para as definições
    dadas na primeira parte). É, efetivamente, a partir do controle e da dominação:
    do baixo pelo alto, da parte pelo todo, do micro pelo macro, dos executantes
    pelos componentes, dos informados pelos informantes, que se estabelecem as
    relações de exploração infra-organizacional. E de fato, as "altas" formas
    globais (do organismo, da sociedade) mantêm-se e perduram no e pelo turnover
    das "baixas" formas, ou seja, vivem de mortes/renascimentos initerruptos dos
    indivíduos celulares, verdadeiro fluxo regenerador que mantém a permanência,
    a estabilidade, a sobrevivência do indivíduo sujeitante.

    -- 350-351

    A organização recorrente relativiza a noção de hierarquia, uma vez que a
    hierarquia depende, na sua própria existência, daquilo que depende dela.
    Temos de ir mais longe e reconhecer que, em toda a organização viva, a
    organização hierárquica precisa de organização não-hierárquica.

    [...]

    A anarquia não é a não-organização, é a organização que se efetua a partir
    das associações-interações sinérgicas entre seres computantes, sem que,
    para tal, haja necessidade de comando ou controle emanando dum nível
    superior. É assim que se constituem as eco-organizações. Ora esta anarquia
    sem controle superior constitui um todo que estabelece seu controle superior.

    -- 352

    Enfim, o parasitismo desenvolve-se no seio das organizações
    cêntricas/hierárquicas/especializadas do nosso universo antropossocial. Com
    efeito, o indivíduo ou a casta que detêm o poder de Estado podem saciar sem
    freios (não sendo controlados pela regra que controlam) os seus apetites
    egocêntricos e parasitar o conjunto do corpo social, assumindo mais ou menos
    corretamente as suas funções de interesse geral.

    -- 359

    Toda a concepção ideal de uma organização que seria apenas ordem,
    funcionalidade, harmonia, coerência é um sonho demente de ideólogo ou/e de
    tecnocrata. A irracionalidade que elminaria a desordem, a incerteza, o erro não
    é senão a irracionalidade que eliminaria a vida.

    -- 365

    Parece que toda a passagem de um micronível de organização a um macroniível,
    como do unicelular ao ser policelular, da sociedade arcaica de algumas centenas
    de membros à sociedade histórica de milhões de indivíduos, a complexidade da
    nova macroorganização é menor do que a da microorganização que intefra ou
    desintegra. Assim, os primeiros organismos policelulares, de estrutura
    demasiado frouxa ou demasiado rígida, não puderam elevar-se até o nível de
    complexidade organizacional da célula, e foram necessários unúmeros
    desenvolvimentos evolutivos (desenvolvimentos de órgãos e aparelhos internos,
    entre os quais o aparelho neurocerebral, o aparelho sexual, etc.) para que
    organismos superiores atinjam novos níveis de complexidade.

    [...]

    Talvez -- talvez? -- toda mudança de escala, todo salto em direção a um
    metassistema mais amplo deva apagar-se, num primeiro estádio, com uma pobreza
    organizacional, misto de ordem rígida e de desordem destruidora, antes de
    aparecerem as estruturas e emergências novas? E, neste sendido, estamos na era
    de gênese uraniana de uma organização social que ainda não encontrou a
    hipercomplexidade que torna possível a evolução cerebral pelo Homo sapiens (cf.
    Morin, 1973, p. 206-209).

    Com efeito, parece possível conceber um progresso organizacional baseado na
    regressão das especializações, das hierarquias, da centralização -- de onde a
    regressão correlativa das subjugações/sujeições --, no desenvolvimento das
    comunicações e confraternizações, no pleno emprego das qualidades estratégicas,
    inventivas, criativas, ainda totalmente inibidas ou por desbastar na nossa
    sociedade. 

    -- 368-369

### Bios

* Ser vivo gerador de acaso; liberdade, criatividade e eventualidade, 409.
* Autopoiese, 417.

    Vimos que, para lá de um certo número de interações e de indeterdependências,
    para lá de um certo grau de complicação, se torna impossível calcular e
    conhecer os processos de um fenômeno. Niels Bohr formulara-o à sua maneira:
    "É impossível efetuar medidas físicas e químicas completas sobre um
    organismo sem matá-lo".

    -- 421

### Complexidade, lógica e contradição

* Simples, simplicidade, simplificação na ciência, 432.

    O pensamento complexo, animado pela dupla exigência de completude (não a
    "totalidade", mas a não-mutilação) e de coesão, conduz num determinado momento
    a uma brecha lógica: a contradição. Será necessário que um diktat lógico
    exterior e abstrato condene a exigência de lógica interior que conduziu à
    contradição? Não será antes necessário imaginar que o surgimento da contradição
    opera a abertura súbita de uma cratera no discurso sob o impulso das camadas
    profundas do real?

    -- 425

    A lógica aristotélica corresponde à igualdade estática imediata das "coisas",
    objetos sólidos como pedra ou mesa, recortados ou isolados no tempo e no
    ambiente.  O princípio do terceiro excluído e o princípio de identidade
    concernem sistemas "fechados", que definimos não só sem referência ao seu
    ambiente, mas também sem ter em conta o segundo princípio da termodinâmica, que
    constitui um princípio de transformação interna dos sistemas fechados. Assim,
    logo que se trata de sistema aberto, e singularmente de vida, "o princípio do
    terceiro excluído de identidade define um ser empobrecido, separado entre meio
    e indivíduo" (Simondon, 1964, p.17).

    Embora insuficientes para caracterizar as entidades complexas, esta lógica
    permite-nos arrancar os seres ou objetos à confusão, identificá-los num
    primeiro grau, e é necessária às operações seqüenciais do raciocínio
    complexo. Repetimos: não só o raciocínio complexo deve ser coerente mas é a
    sua própria coerência que conduz às contradições.

    Quando o pensamento simplificador encontra uma contradição que não pode ser
    superada, volta atrás exclamando "erro'. O pensamento complexo aceita o
    desafio das contradições. Não poderia ser, como a dialética, a "superação"
    (Aufhebung) das contradições. É a sua desocultação, a sua evidenciação,
    e recorre ao corpo-a-corpo com a contradição.

    [segue uma bela descrição sobre o surgimento de uma contradição]

    Daí em diante importa inverter o modo de pensamento simplificador que,
    postulando a adequação absoluta entre a lógica e o real, opera de fato
    a redução "idealista" do real à lógica. Temos de reconhecer que real
    e lógico não se identificam totalmente.

    [...]

    Para o conhecimento complexo, a contradição não é somente o sinal de um absurdo
    de pensamento. Pode tornar-se o detector de camadas profundas do real.
    Constitui então já não o detector do erro e do falso mas o indício e o anúncio
    do verdadeiro.

    [prossegue com uma bela fala sobre a lógica ilógica do vivo e o enriquecimento
     do princípio de incerteza]

    [...]

    O pensamento não serve à lógica: serve-se dela. O problema é: como servir-se?

    -- 427-429

### Complexidade e simplicidade

* Robotização do ser vivo pelo pensamento simplificador, 434.
* Marxismo, sistemismo e simplificação, 435.

    A complexidade é a união da simplificação e da complexidade.

    [...]

    O pensamento complexo deve lutar contra a simplificação, utilizando-a
    necessariamente. Existe sempre um duplo jogo no conhecimento complexo:
    simplificar ----> complexificar. No duplo jogo, o complexo volta
       \                   /
        ---------<--------´

    incessantemente como pressão da complexidade real e consciência da
    insuficiência dos nossos meios intelectuais diante do real (por isso,
    o pensamento complexo é o pensamento modesto que se inclina diante
    do impensável).

    -- 432-433

    O esforço da complexidade é aleatório e difícil. [...] É porque
    integra aquilo que desintegra o pensamento que ela vive [a estratégia
    do pensamento complexo], como tudo quanto é vivo, à temperatura da
    sua própria destruição. [isto é citado novamente na página 438]

    [...]

    A complexidade é um termo-chave. Mas não é uma palavra dominante.

    -- 435

### Viver

* Simmel, 440.
* Simondon, 441.
* Von Neumann, jogo, 446.
* Organ, fervilhar ardentemente, 465. 

    O ser que nasce não pediu para viver, mas logo que nasce, só pede para viver.
    Nenhum vivo quis viver, no entanto, todo o vivo quer viver.

    -- 438

    A definição de Bichat: "A vida é o conjunto das funções que resistem à morte."

    [...]

    Atlan formula o princípio complementar e antagônico do princípio de Bichat:
    "A vida é o conjunto das funções capazes de utilizar a morte"
    (Atlan, 1979, p. 278)

    -- 439-440

    Ninguém nasce só. Ninguém está só no mundo, no entanto cada um está só
    no mundo.

    -- 442

    Os destinos são diferentes, desiguais, incomensuráveis, que seria absurdo
    hierquizá-lo (sic). Mas certamente existem vidas infernais: parasitas,
    subjugadas, subdesenvolvidas, atrofiadas...

    -- 443

### Manipulação da vida

    A ação do homem sobre a vida começou desde a pré-história por domesticação,
    sujeição, subjugação, e prosseguiu como manipulação através de hibridações
    e cruzamentos. A manipulação alcança hoje o santuário dos genes.

    [...]

    Por um lado, há um ganho potencial de complexidade por elevação da produção
    industrial do nível do artefato ao da organização viva. Existe redução
    potencial do ser vivo ao estatuto do artefato e praticamente transformação
    dos seres vivos em máquinas artificiais (já a criação industrial dos
    porcinos e bovinos os transforma em puras e simples máquinas de fazer carne).

    Assim, a progressão do industrial tornado vivo corre o risco de ser uma
    regressão da vida, que vai se tornando industrial, tornando-se a
    bioindústria o prolongamento tecnossociológico da manipulação experimental
    que trata os seres celulares e pluricelulares como agrupamentos de
    peças soltas.

    Mais profunda e amplamente, está aberta a porta para a manipulação ilimitada
    sobre a vida. Encontramo-nos no momento de uma tomada de poder decisiva.
    Podemos imaginar, como me indica Gaston Richard, que os microorganismos
    podem efetuar todas as operações naturais necessárias à nossa vida, inclusive
    a fotossíntese, tornando assim obsoletas a nossa preocupação de preservar
    ecossistemas: de onde a possibilidade de liquidação geral de todas as
    espécies vegetais ou animais, deixando frente a frente, no Planeta Terra,
    o homo e a Escherichia coli.

    [...]

    O novo poder sobre a vida será tão fundamentalmente controlador e tão
    fundamentalmente incontrolador quanto foi a tomada de poder sobre a energia
    atômica há quarenta anos. E concerne, mais íntima e fundamentalmente ainda, o
    poder sobre o homem.

    -- 469-470

## Volume III

* Arqui-racionalidade, 59.
* Simplificar <-> complexificar, 72-73.
* Techne, 196.
* Gênio, 204.
* Tomada de consciência, 212.
* Auto-análise, 216 (mas não só nessa página).
* Idealismo: tomar a idéia pelo real, 248.
* Racionalização: encerrar o real num sistema coerente, 248.
* Auto-engano (self-deception), 249.

### Paradoxo essencial do cérebro-espírito

    O que é um espírito que pode conceber o cérebro que o produz, e o que é um
    cérebro que pode produzir um espírito que o concebe?

    -- 84

### Princípio hologramático, holográfico

    Daí a riqueza das organizações hologramáticas:

    a) as partes podem ser singulares ou originais, embora dispondo de aspectos
    gerais e genéricos da organização do todo;

    b) as partes podem ser dotadas de autonomia relativa;

    c) podem estabelecer comunicações entre elas e realizar trocas organizadoras;

    d) podem ser eventualmente capazes de regenerar o todo;

    No universo vivo, o princípio hologramático é o princípio essencial das
    organizações policelulares, vegetais e animais; cada célula permanece singular,
    justamente porque, controlada pela organização do todo (ela mesma produzida
    pelas interações entre células), uma pequena parte da informação genética nela
    contida se exprime; mas ela permanece ao mesmo tempo portadora das
    virtualidades do todo, o que poderia, eventualmente, atualizar-se a partir
    delas; assim, seria possível reproduzir por clonagem o ser inteiro a partir de
    uma célula mesmo extremamente especializada ou periférica do organismo.

    -- 115

### Concepção: dialógica da analógica <-> lógica (digital)

    As analogias organizadoras permitem a formação de homologias que suscitam
    princípios organizadores. O raciocínio por analogia faz logo parte do caminho
    que leva à modelização e à formalização, mas sob a condição de obedecer à
    dialógica do analógico, do lógico e do empírico, ou seja, ao controle da
    verificação dedutiva e da verificação empírica. Assim, constitui-se uma onte do
    concreto ao abstrato e do abstrato ao concreto através da qual se tece e se
    cria a __concepção__, insto é, um novo modo de organizar a experiência e de
    imaginar o possível. Em consequência, reencontramos, no próprio procedimento
    científico, mas de explícito, razoável e consciente, os métodos de
    conhecimentos por isomorfismo, homeomorfismo e homologia que o aparelho
    cognitivo utiliza espontânea e inconscientemente no conhecimento perceptivo e
    discursivo.

    -- 157

    A analogica é iniciadora, inovadora (Peirce indicou que a inovação jorra quase
    sempre da analogia), inclusive na invenção científica. Alimenta uma ligação
    entre concreto e abstrato (via isomorfismos, tipologias, homologias) e entre
    imaginário e real (via metáfora). Essas pontes, como já indicamos, estimulam
    e provocam a __concepção__, isto é, a formação de novos modos de organização
    do conhecimento e do pensamento.

    -- 158

### Inteligência artificial

    No estádio evolutivo atual, o conhecimento por computador continua um apêndice
    operacional do conhecimento humano; ainda não se trata do primeiro modelo de
    um conhecimento sobre-humano. Não é proibido imaginar, para o futuro, máquinas
    cognoscentes, artificiais no começo, e depois auto-organizativas e dotadas
    de individualidade. Mas elas se tornariam então novos seres-sujeito que gozariam
    e sofreriam com os seus conhecimentos, produziriam, talvez, os seus próprios
    mitos e poderiam então manipular as coisas ou mesmo os seres humanos.

    -- 226

### Limites do conhecimento

    O problema da caverna permanece. O problema da câmara fechada continua.  Mas
    sabemos doravante que a caverna nos permite ver sob a forma de sombras o que,
    fora, nos cegaria; a câmara fechada, onde o cérebro permanece encerrado,
    permite ao espírito abrir-se ao mundo sem se aniquilar.

    -- 240

    Nessas condições, somos aparentemente conduzidos à definição tradicional da
    verdade: a adequação do espírito à coisa. Mas é preciso complexificar:
    como a coisa é co-elaborada pelo aparelho cognitivo, vale mais conceber o
    conhecimento como adequação de uma organização cognitiva (representação,
    idéia, enunciado, discurso, teoria) a uma situação ou organização fenomenal.

    Tal adequaçã não é evidentemente a de um "reflexo", mas o fruto de uma
    reprodução mental. Tal reprodução não constitui a cópia, mas a _simulação_,
    nos modos analógicos/homológicos, dos objeto, situações, fenômenos,
    comportamentos, organizações.

    Assim, a representação e a teoria podem ser consideradas, cada uma do seu
    jeito, como uma reconstituição simuladora, uma concreta/singular, a outra
    abstrata/generalizante.

    [...]

    Em nenhum caso, o conhecimento esgotaria o fenômeno a ser conhecido
    e a verdade total, exaustiva ou radical é impossível. Toda pretensão
    à totalidade ou ao fundamento resulta em não-verdade.

    -- 244

    Acrescente-se que a operacionalidade lógica, limitada aos enunciados
    segmentados, encontra limite no aparecimento do nó complexo dos problemas e ao
    atingir as camadas primordiais da realidade.

    [...]

    Acabamos pois além do realismo "ingênuo" e do realismo "crítico", além do
    idealismo clássico e do criticismo kantiano, num _realismo relacional,
    relativo e múltiplo_. A _relacionalidade_ vem da relatividade dos meios
    de conhecimento e da relatividade da realidade cognoscível. A multiplicidade
    diz respeito à multiplicidade dos níveis de realidade e, talvez, à
    multiplicidade das realidades. Segundo esse realismo relativo, relacional
    e múltiplo, o mundo fenomenal é real, mas relativamente real, e devemos mesmo
    relativizar a nossa noção de realidade admitindo uma irrealidade interna
    a ela. Esse realismo reconhece os limites do cognoscível e sabe que o
    mistério do real não se esgota de forma alguma no conhecimento.

    -- 245

    Pensa por ti mesmo, e o método te ajudará.

    -- 251

## Volume IV

    Assim, a cultura não é nem "superestrutura" nem "infra-estrutura", termos
    impróprios em uma organização recursiva onde o que é produzido e gerado
    torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera.

    [...]

    Se a cultura contém um saber coletivo acumulado em memória social, se é
    portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão
    de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a
    _cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina cognitiva
    cuja práxis é cognitiva_.

    -- 19

    Nesse sentido, poder-se-ia dizer metaforicamrnte que a cultura de uma sociedade
    é como uma espécie de megacomputador complexo que memoriza todos os dados
    cognitivos e, portadora de quase-programas, prescreve as normas práticas,
    éticas, políticas dessa sociedade.

    -- 20

    Por um lado, o imprinting, a normalização, a invariância, a reprodução.
    Mas, por outro lado, os enfraquecimentos locais do imprinting, as brechas na
    normalização, o surgimento de desvios, a evolução dos conhecimentos, as modificações
    nas estruturas de reprodução.

    [...]

    Para tratar desses problemas, é preciso, antes de tudo, perguntar quais são as
    possibilidades de enfraquecimento dos três níveis deterministas do _imprinting_
    cognitivo (paradigmas, doutrinas, estereótipos), bem como sobre as possibilidades
    de falha ou atenuação da normalização.

    Em nossa opinião, são os seguintes:

    - a existência de vida cultural e intelectual dialógica;
    - o "calor" cultural;
    - a possibilidade de expressão de desvios.

    -- 33