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authorSilvio Rhatto <rhatto@riseup.net>2016-05-14 11:41:42 -0300
committerSilvio Rhatto <rhatto@riseup.net>2016-05-14 11:41:42 -0300
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Books: A Tolice da Inteligência Brasileira
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-rw-r--r--books/tolice.mdwn136
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index 0000000..478e785
--- /dev/null
+++ b/books/tolice.mdwn
@@ -0,0 +1,136 @@
+[[!meta title="A Tolice da Inteligência Brasileira"]]
+
+Violência simbólica
+-------------------
+
+ Ora, como diria o insuspeito Max Weber, os ricos e felizes, em todas as
+ épocas e em todos os lugares, não querem apenas ser ricos e felizes. Querem
+ saber que têm "direito" à riqueza e felicidade. Isso significa que o privilégio
+ -- mesmo o flagrantemente injusto, como o que se transmite por herança --
+ necessita ser "legitimado", ou seja, aceito mesmo por aqueles que foram
+ excluídos de todos os privilégios.
+
+ [...]
+
+ É por conta disso que os privilegiados são os donos dos jornais, das
+ editoras, das universidades, das TVs e do que se decide nos tribunais e nos
+ partidos políticos. Apenas dominando todas essas estruturas é que se pode
+ monopolizar os recursos naturais que deveriam ser de todos, e explorar o
+ trabalho da imensa maioria de não-privilegiados soba a forma de taxa de lucro,
+ juro, renda da terra ou aluguel.
+
+ A soma dessas rendas de capital no Brasil é monopolizada em grande parte
+ pelo 1% mais rico da população. É o trabalho dos 99% restantes que se transfere
+ em grande medida para o bolso do 1% mais rico.
+
+ [...]
+
+ A tese central deste livro é que tamanha "violência simbólica" só é
+ possível pelo sequestro da "inteligência brasileira" para o serviço não da
+ imensa maioria da população, mas do 1% mais rico. [...] Esse serviço que a
+ imensa maioria dos intelectuais brasileiros sempre prestou e ainda presta é o
+ que possibilita a justificação, por exemplo, de que os problemas brasileiros
+ não vêm da grotesca concentração da riqueza social em pouquíssimas mãos, mas
+ sim da "corrupção apenas do Estado".
+
+ E isso leva a uma falsa oposição entre Estado demonizado e mercado --
+ concentrado e superfaturado como é o mercado brasileiro --, como o reino da
+ virtude e da eficiência. E em um contexto no qual não existe fortuna de
+ brasileiro que não tenha sido construída à sombra de financiamentos e
+ privilégios estatais nem corrupção estatal sistemática sem conivência e
+ estímulo do mercado. E também em um cenário em que as classes sociais que mais
+ apoiam essa bandeira como se fosse sua -- os extratos conservadores da classe
+ média tradicional e setores ascendentes da nova classe trabalhadora -- são
+ precisamente as classes que mais sofrem com os bens e serviços superfaturados e
+ de qualidade duvidosa que o 1% mais rico vende a elas.
+
+ -- 9 a 11
+
+Crítica das ideias
+------------------
+
+ Este livro é uma história das ideias dominantes do Brasil moderno
+ e de sua institucionalização.
+
+ [...]
+
+ Retira-se dos indivíduos a possibilidade de compreender a totalidade da
+ sociedade e de suas reais contradições e conflitos, os quais são substituídos
+ por falsas questões. A fragmentação do conhecimento serve aos interesses dos
+ que estão ganhando na sociedade, já que evidencia sua mudança possível. A ação
+ da mudança, a capacidade moral e política de escolher caminhos alternativos
+ pela vontade de intervir no mundo, pressupõe "conhecimento do mundo" para não
+ ser "escolha cega". É isso que faz com que todo o conhecimento fragmentário e
+ superficial seja necessariamente conservador. Ele ajuda a manter e justificar o
+ que já existe.
+
+ -- 12 e 13
+
+Interpretações que explicam o mundo
+-----------------------------------
+
+ Os seres humanos são animais que se interpretam. Isso significa que não existe
+ "comportamento automático", este é sempre influenciado por uma "forma
+ específica de interpretar e compreender a vida". Essas interpretações que guiam
+ nossas escolhas na vida foram obras de profetas religiosos no passado. Nos
+ últimos duzentos anos essas interpretações, que explicam o mundo e nos dizem
+ como devemos agir nele, foram obras de intelectuais seculares. O mais
+ importante desses intelectuais no Ocidente moderno foi -- juntamente com Karl
+ Marx -- o sociólogo alemão Max Weber. Afinal, foi da pena de Weber que se
+ originou a forma predominante como todo o Ocidente moderno se autointerpreta e
+ se legitima. As ideias dominantes que circulam na imprensa, nas salas de aula,
+ nas discussões parlamentares, nas conversas de botequim -- em todo lugar -- são
+ sempre formas mais simplificadas de ideias produzidas por grandes pensadores.
+
+ Daí a importância de se recuperar o sentido original dessas ideias que são tão
+ relevantes para nossas vidas ainda que, normalmente, não nos demos conta disso.
+
+ [...]
+
+ Não existe ordem social moderna sem uma legitimação pretensamente científica
+ desta mesma ordem.
+
+ Talvez o uso de Max Weber e sua obra seja um dos exemplos mais significativos
+ do caráter bifronte da ciência: tanto como mecanismo de esclarecimento do mundo
+ quanto como mecanismo de encobrimento das relações de poder que permitem a
+ reprodução de privilégios injustos de toda a espécie.
+
+ [...]
+
+ Para a versão liberal e afirmativa, Weber fornece, por um lado, sua análise
+ da "revolução simbólica" do protestantismo ascético; para ele, a efetiva
+ revolução moderna, na medida em que transformou a "consciência" dos indivíduos
+ e, a partir daí, a realidade externa, é a figura do protestante ascético,
+ que com vontade férrea e armas da disciplina e do autocontrole cria o fundamento
+ histórico para a noção do "sujeito moderno".
+
+ [...]
+
+ Mas Weber, e nisso reside sua influência e atualidade extraordinária,
+ também compreendia, no entanto, o lado sombrio do racionalismo ocidental.
+ Se o pioneiro protestante ainda possuía perspectivaas éticas na sua conduta,
+ seu "filho" e, muito especialmente, seu "neto", habitantes do mundo secularizado,
+ são percebidos por Weber de modo bastante diferente. Para descrevê-los, Weber
+ utiliza dois "tipos ideais" [...], o "especialista sem espírito", que tudo
+ conhece sobre seu pequeno mundo de atividade e nada sabe (nem quer saber)
+ acerca de contextos mais amplos que determinam seu pequeno mundo, e, por
+ outro, o "homem do prazer sem coração", que tende a amesquinhar seu mundo
+ sentimental e emotivo à busca de prazeres momentâneos e imediatos.
+
+ -- 17 a 19
+
+Patrimonialismo brasileiro
+--------------------------
+
+ Toda a ambiguidade de Max Weber em relação ao capitalismo -- produtor de seres
+ amesquinhados precisamente nas dimensões cognitiva e moral -- e à própria
+ sociedade americana -- [...] foi cuidadosa e intencionalmente posta de lado.
+
+ -- 27
+
+ No começo, o aspecto mais importante era simplesmente legitimar científica
+ e politicamente -- com farto financiamento das agências estatais norte-americanas
+ nos Estados Unidos e fora dele -- a superioridade norte-americana em relação
+ a todas as outras sociedades.
+
+ -- 27