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authorSilvio Rhatto <rhatto@riseup.net>2017-09-30 14:06:22 -0300
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-[[!meta title="O direito à preguiça"]]
-
-* Autor: Paul Lafarge
-* Ano: 1880
-* Info: [O Direito à Preguiça – Wikipédia, a enciclopédia livre](https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Direito_%C3%A0_Pregui%C3%A7a)
-
-## Temas
-
-* Redução da jornada de trabalho.
-* Automatização da produção.
-* Ambiguidade interessante que inverte e brinca com a ideologia do trabalho,
- onde um proletariado com fixação pelo sofrimento e viciado por atividades
- extenuantes que força a burguesia supercomsumir a empregar-lhe na indústria.
-
-## Trechos
-
- Uma boa operária só faz com o fuso cinco malhas por minuto, alguns teares
- circulares para tricotar fazem trinta mil no mesmo tempo. Cada minuto à
- máquina equivale, portanto, a cem horas de trabalho da operaria; ou então
- cada minuto de trabalho da máquina dá à operária dez dias de repouso.
- Aquilo que se passa com a indústria de malhas é mais ou menos verdade
- para todas as indústrias renovadas pela mecânica moderna. Mas que vemos
- nós? A medida que a máquina se aperfeiçoa e despacha o trabalho do
- homem com uma rapidez e uma precisão incessantemente crescentes, o
- operário, em vez de prolongar o seu repouso proporcionalmente, redobra de
- ardor, como se quisesse rivalizar com a máquina. Ó concorrência absurda e
- mortal!
-
- -- 12-13
-
- Uma vez acocorada na preguiça absoluta e desmoralizada pelo prazer
- forçado, a burguesia, apesar das dificuldades que teve nisso, adaptou-se ao
- seu novo estilo de vida. Encarou com horror qualquer alteração. A visão das
- miseráveis condições de existência aceites com resignação pela classe
- operária e a da degradação orgânica gerada pela paixão depravada pelo
- trabalho aumentava ainda mais a sua repulsa por qualquer imposição de
- trabalho e por qualquer restrição de prazeres.
-
- Foi precisamente então que, sem ter em conta a desmoralização que a
- burguesia tinha imposto a si própria como um dever social, os proletários
- resolveram infligir o trabalho aos capitalistas. Ingénuos, tomaram a sério as
- teorias dos economistas e dos moralistas sobre o trabalho e maltrataram os
- rins para infligir a sua prática aos capitalistas. O proletariado arvorou a
- divisa: Quem não trabalha, não come; Lyon, em 1831, levantou-se pelo
- chumbo ou pelo trabalho, os federados de 1871 declararam o seu
- levantamento a revolução do trabalho.
-
- A estes ímpetos de furor bárbaro, destrutivo de todo o prazer e de toda a
- preguiça burguesas, os capitalistas só podiam responder com uma
- repressão feroz, mas sabiam que, se tinham conseguido reprimir estas
- explosões revolucionárias, não tinham afogado no sangue dos seus
- gigantescos massacres a absurda idéia do proletariado de querer infligir o
- trabalho às classes ociosas e fartas, e foi para desviar essa infelicidade que
- se rodearam de pretorianos, de polícias, de magistrados, de carcereiros
- mantidos numa improdutividade laboriosa. Já não se podem ter ilusões
- sobre o caráter dos exércitos modernos, são mantidos em permanência
- apenas para reprimir "o inimigo interno"; e assim que os fortes de Paris e de
- Lyon não foram construídos para defender a cidade contra o estrangeiro,
- mas para o esmagar no caso de revolta. E se fosse preciso um exemplo sem
- réplica, citemos o exército da Bélgica, desse país de Cocagne do
- capitalismo; à sua neutralidade é garantida pelas potências européias e, no
-
- entanto, o seu exército é um dos mais fortes em proporção da população. Os
- gloriosos campos de batalha do bravo exército belga são as planícies do
- Borinage e de Charleroi, é no sangue dos mineiros e dos operários
- desarmados que os oficiais belgas ensangüentam as suas espadas e
- ganham os seus galões. As nações européias não tem exércitos nacionais,
- mas sim exércitos mercenários, que protegem os capitalistas contra o furor
- popular que os queria condenar a dez horas de mina ou de fábrica de fiação.
- Portanto, ao apertar o cinto, a classe operária desenvolveu para além do
- normal o ventre da burguesia condenada ao superconsumo.
-
- Para ser aliviada no seu penoso trabalho, a burguesia retirou da classe
- operária uma massa de homens muito superior à que continuava dedicada à
- produção útil e condenou-a, por seu turno, à improdutividade e ao
- superconsumo. Mas este rebanho de bocas inúteis, apesar da sua
- voracidade insaciável, não basta para consumir todas as mercadorias que os
- operários, embrutecidos pelo dogma do trabalho, produzem como maníacos,
- sem os quererem consumir e sem sequer pensarem se se encontrarão
- pessoas para os consumir.
-
- Em presença desta dupla loucura dos trabalhadores, de se matarem de
- supertrabalho e de vegetarem na abstinência, o grande problema da
- produção capitalista já não é encontrar produtores e multiplicar as suas
- forças, mas descobrir consumidores, excitar os seus apetites e criar-lhes
- necessidades fictícias. Uma vez que os operários europeus, que tremem de
- frio e de fome, recusam usar os tecidos que eles próprios tecem, beber os
- vinhos que eles próprios colhem, os pobres fabricantes, como espertalhões,
- devem correr aos antípodas para procurar quem os usará e quem os beberá:
- são centenas de milhões e de biliões que a Europa exporta todos os anos
- para os quatro cantos do mundo, para populações que não têm nada que
- fazer com esses produtos.
-
- [...]
-
- Mas tudo é insuficiente: o burguês que se farta, a classe doméstica que
- ultrapassa a classe produtiva, as nações estrangeiras e bárbaras que se
- enchem de mercadorias européias; nada, nada pode conseguir dar vazão às
- montanhas de produtos que se amontoam maiores e mais altas do que as
- pirâmides do Egito: a produtividade dos operários europeus desafia todo o
- consumo, todo o desperdício. Os fabricantes, doidos, já não sabem que
- fazer, já não conseguem encontrar matéria-prima para satisfazer a paixão
- desordenada, depravada, que os seus operários têm pelo trabalho. Nos
- nossos distritos onde há lã, desfiam-se trapos manchados e meio podres,
- fazem-se com eles panos chamados de renascimento, que duram o mesmo
- que as promessas eleitorais;
-
- [...]
-
- Todos os nossos produtos são adulterados para facilitar o seu escoamento e
- abreviar a sua existência. A nossa época será chamada a idade da falsificação,
- tal como as primeiras épocas da humanidade receberam os nomes de idade da
- pedra, idade de bronze, pelo caráter da sua produção.
-
- -- 15-17
-
- Eis a grande experiência inglesa, eis a experiência de alguns capitalistas
- inteligentes, ela demonstra irrefutavelmente que, para reforçar a
- produtividade humana, tem de se reduzir as horas de trabalho e multiplicar
- os dias de pagamento e os feriados, e o povo francês não está convencido.
- Mas se uma miserável redução de duas horas aumentou em dez anos a
- produção inglesa em cerca de um terço (7), que ritmo vertiginoso imprimiria
- à produção francesa uma redução geral de três horas no dia de trabalho? Os
- operários não conseguem compreender que, cansando-se excessivamente,
- esgotam as suas forças antes da idade de se tornarem incapazes para
- qualquer trabalho; que absorvidos, embrutecidos por um único vício, já não
- são homens, mas sim restos de homens; que matam neles todas as belas
- faculdades para só deixarem de pé, e luxuriante, a loucura furiosa do
- trabalho.
-
- -- 18
-
- O idiotas! é porque trabalhais demais que a ferramenta industrial se desenvolve
- lentamente.
-
- -- 19
-
- O protestantismo, que era a religião cristã adaptada às novas
- necessidades industriais e comerciais da burguesia, preocupou-se menos
- com o descanso popular; destronou no céu os santos para abolir na terra as
- suas festas. A reforma religiosa e o livre pensamento filosófico não eram
- senão pretextos que permitiram à burguesia jesuíta e voraz escamotear os
- dias de festa do popular.
-
- -- 19 (nota de rodapé)
-
- "O preconceito da escravatura dominava o espírito de Pitágoras e de
- Aristóteles", escreveu-se desdenhosamente; e no entanto Aristóteles previa
- que "se cada utensílio pudesse executar sem intimação, ou então por si só, a
- sua função própria, tal como as obras-primas de Dédalo se moviam por si
- mesmas ou tal como os tripés de Vulcano que se punham espontaneamente
- ao seu trabalho sagrado; se, por exemplo, as lançadeiras dos tecelões
- tecessem por si próprias, o chefe de oficina já não teria necessidade de
- ajudantes, nem o senhor de escravos".
-
- O sonho de Aristóteles é a nossa realidade. As nossas máquinas a vapor,
- com membros de aço, infatigáveis, de maravilhosa e inesgotável
- fecundidade, realizam por si próprias docilmente o seu trabalho sagrado; e,
- no entanto, o gênio dos grandes filósofos do capitalismo continua a ser
- dominado pelo preconceito do salariado, a pior das escravaturas. Ainda não
- compreendem que a máquina é o redentor da humanidade, o Deus que
- resgatará o homem das sórdidas artes e do trabalho assalariado, o Deus que
- lhe dará tempos livres e a liberdade.
-
- -- 26