[[!meta title="A Tolice da Inteligência Brasileira"]] * Autor: Jesse Souza Violência simbólica ------------------- Ora, como diria o insuspeito Max Weber, os ricos e felizes, em todas as épocas e em todos os lugares, não querem apenas ser ricos e felizes. Querem saber que têm "direito" à riqueza e felicidade. Isso significa que o privilégio -- mesmo o flagrantemente injusto, como o que se transmite por herança -- necessita ser "legitimado", ou seja, aceito mesmo por aqueles que foram excluídos de todos os privilégios. [...] É por conta disso que os privilegiados são os donos dos jornais, das editoras, das universidades, das TVs e do que se decide nos tribunais e nos partidos políticos. Apenas dominando todas essas estruturas é que se pode monopolizar os recursos naturais que deveriam ser de todos, e explorar o trabalho da imensa maioria de não-privilegiados soba a forma de taxa de lucro, juro, renda da terra ou aluguel. A soma dessas rendas de capital no Brasil é monopolizada em grande parte pelo 1% mais rico da população. É o trabalho dos 99% restantes que se transfere em grande medida para o bolso do 1% mais rico. [...] A tese central deste livro é que tamanha "violência simbólica" só é possível pelo sequestro da "inteligência brasileira" para o serviço não da imensa maioria da população, mas do 1% mais rico. [...] Esse serviço que a imensa maioria dos intelectuais brasileiros sempre prestou e ainda presta é o que possibilita a justificação, por exemplo, de que os problemas brasileiros não vêm da grotesca concentração da riqueza social em pouquíssimas mãos, mas sim da "corrupção apenas do Estado". E isso leva a uma falsa oposição entre Estado demonizado e mercado -- concentrado e superfaturado como é o mercado brasileiro --, como o reino da virtude e da eficiência. E em um contexto no qual não existe fortuna de brasileiro que não tenha sido construída à sombra de financiamentos e privilégios estatais nem corrupção estatal sistemática sem conivência e estímulo do mercado. E também em um cenário em que as classes sociais que mais apoiam essa bandeira como se fosse sua -- os extratos conservadores da classe média tradicional e setores ascendentes da nova classe trabalhadora -- são precisamente as classes que mais sofrem com os bens e serviços superfaturados e de qualidade duvidosa que o 1% mais rico vende a elas. -- 9 a 11 Crítica das ideias ------------------ Este livro é uma história das ideias dominantes do Brasil moderno e de sua institucionalização. [...] Retira-se dos indivíduos a possibilidade de compreender a totalidade da sociedade e de suas reais contradições e conflitos, os quais são substituídos por falsas questões. A fragmentação do conhecimento serve aos interesses dos que estão ganhando na sociedade, já que evidencia sua mudança possível. A ação da mudança, a capacidade moral e política de escolher caminhos alternativos pela vontade de intervir no mundo, pressupõe "conhecimento do mundo" para não ser "escolha cega". É isso que faz com que todo o conhecimento fragmentário e superficial seja necessariamente conservador. Ele ajuda a manter e justificar o que já existe. -- 12 e 13 Interpretações que explicam o mundo ----------------------------------- Os seres humanos são animais que se interpretam. Isso significa que não existe "comportamento automático", este é sempre influenciado por uma "forma específica de interpretar e compreender a vida". Essas interpretações que guiam nossas escolhas na vida foram obras de profetas religiosos no passado. Nos últimos duzentos anos essas interpretações, que explicam o mundo e nos dizem como devemos agir nele, foram obras de intelectuais seculares. O mais importante desses intelectuais no Ocidente moderno foi -- juntamente com Karl Marx -- o sociólogo alemão Max Weber. Afinal, foi da pena de Weber que se originou a forma predominante como todo o Ocidente moderno se autointerpreta e se legitima. As ideias dominantes que circulam na imprensa, nas salas de aula, nas discussões parlamentares, nas conversas de botequim -- em todo lugar -- são sempre formas mais simplificadas de ideias produzidas por grandes pensadores. Daí a importância de se recuperar o sentido original dessas ideias que são tão relevantes para nossas vidas ainda que, normalmente, não nos demos conta disso. [...] Não existe ordem social moderna sem uma legitimação pretensamente científica desta mesma ordem. Talvez o uso de Max Weber e sua obra seja um dos exemplos mais significativos do caráter bifronte da ciência: tanto como mecanismo de esclarecimento do mundo quanto como mecanismo de encobrimento das relações de poder que permitem a reprodução de privilégios injustos de toda a espécie. [...] Para a versão liberal e afirmativa, Weber fornece, por um lado, sua análise da "revolução simbólica" do protestantismo ascético; para ele, a efetiva revolução moderna, na medida em que transformou a "consciência" dos indivíduos e, a partir daí, a realidade externa, é a figura do protestante ascético, que com vontade férrea e armas da disciplina e do autocontrole cria o fundamento histórico para a noção do "sujeito moderno". [...] Mas Weber, e nisso reside sua influência e atualidade extraordinária, também compreendia, no entanto, o lado sombrio do racionalismo ocidental. Se o pioneiro protestante ainda possuía perspectivaas éticas na sua conduta, seu "filho" e, muito especialmente, seu "neto", habitantes do mundo secularizado, são percebidos por Weber de modo bastante diferente. Para descrevê-los, Weber utiliza dois "tipos ideais" [...], o "especialista sem espírito", que tudo conhece sobre seu pequeno mundo de atividade e nada sabe (nem quer saber) acerca de contextos mais amplos que determinam seu pequeno mundo, e, por outro, o "homem do prazer sem coração", que tende a amesquinhar seu mundo sentimental e emotivo à busca de prazeres momentâneos e imediatos. -- 17 a 19 Patrimonialismo brasileiro -------------------------- Toda a ambiguidade de Max Weber em relação ao capitalismo -- produtor de seres amesquinhados precisamente nas dimensões cognitiva e moral -- e à própria sociedade americana -- [...] foi cuidadosa e intencionalmente posta de lado. -- 27 No começo, o aspecto mais importante era simplesmente legitimar científica e politicamente -- com farto financiamento das agências estatais norte-americanas nos Estados Unidos e fora dele -- a superioridade norte-americana em relação a todas as outras sociedades. -- 27