[[!meta title="O Método - Volume I"]] [[!toc levels=4]] ## Geral * Complexidade: circuito de complementaridade, concorrência e antagonismo de termos irredutíveis. * Método, originalmente caminhada, 36. * Jogo, 111. * Simples, homologia e equivalência, 181. * Sistema: o conceito complexo mais simples, 187. * Poíesis, 200. * Mumford e a máquina faraônica de 100 mil homens-vapor, 211. * Máquinas artificiais como incompletas: a mais organizacionalmente enferma, 214-215. ## Ordem e racionalidade clássica O universo de fogo, substituindo o antigo universo de gelo, faz soprar o vento da loucura na racionalidade clássica, que ligava em si as ideias de simplicidade, funcionalidade e economia. O calor ainda comporta agitação, dispersão, ou seja, perda, despesa, dilapidação, hemorragia. A despesa era ignorada onde reinava a ordem soberana. Esta significava, ao contrário, economia. A economia cósmica, física e política se fundava em uma lei geral do menor esforço, do menor atalho de um ponto a outro, do menor custo de uma transformação a outra. A verdade de uma teoria ainda se julga por seu caráter econômico com relação a seus rivais, mais dispendiosos em conceitos, postulados, teoremas. -- 111-112 ## Vida A vida, acaba-se de ver, é a emanação da organização viva; não é a organização viva que é a emanação de um princípio vital. -- 138 ## Dependência entre sistemas Há neste encadeamento sobreposição, confusão, superposição de sistemas e há, na necessária dependência de um em relação aos outros. -- 128 ## Simplexidade: a complexidade necessária da pragmática Numa segunda releitura da parte inicial d'O Método, confrontei minha noção de simplexidade, ou complexidade necessária com o conceito de complexidade moriniano. Há aí, à primeira vista, um óbvio antagonismo de pontos de vista: o simples, reducionista, seria visto em oposição ao complexo, irredutível. O que ocorre, de fato, é que ambas as conceituações são complementares ao prestarmos atenção à qualidade *necessária* da noção de simplexidade, que nada mais é do que o estabelecimento de um nível de complexidade de entendimento e uso do conhecimento para determinado fim. É necessário porque pragmático, por exemplo para fins didáticos. Por quê o simples é sedutor? Pela sua facilidade. A pragmática reducionista levou a ciência a várias revoluções. Sua sistemática facilitou enormemente a pesquisa em ciência normal. Mas pode, como Morin aponta n'O Método, circunscrever o conhecimento apenas naquilo que pode ser restringido a conceitos simples e irredutíveis, o que cada vez mais se torna impossível: O pensamento racionalista comporta um aspecto de racionalização demente em sua ocultação do gasto absurdo. -- 111 Não se pode, então, confundir a pragmática de um nível de entendimento da complexidade necessária da natureza como sendo a natureza de fato. No uso da simplexidade, "travamos" temporariamente a espiral de conhecimento para que dele possamos fazer um uso prático usando o que consideramos conceitualmente mais importante, mais essencial em detrimento do desnecessário e desimportante. Nisto, vale a formulação de Malatesta em seu texto A Organização II: Antes de mais nada, há uma objeção, por assim dizer, formal. “Mas de que partido nos falais? Dizem-nos, nem sequer somos um, não temos um programa”. Este paradoxo significa que as idéias progridem, evoluem continuamente, e que eles não podem aceitar um programa fixo, talvez válido hoje, mas que estará com certeza ultrapassado amanhã. Seria perfeitamente justo se se tratasse de estudantes que procuram a verdade, sem se preocuparem com as aplicações práticas. Um matemático, um quí- mico, um psicólogo, um sociólogo podem dizer que não há outro programa senão o de procurar a verdade: eles querem conhecer, mas sem fazer alguma coisa. Mas a anarquia e o socialismo não são ciências: são proposições, projetos que os anarquistas e os socialistas querem por em prática e que, conseqüentemente, precisam ser formulados como programas determinados. A ciência e a arte das construções progridem a cada dia. Mas um engenheiro, que quer construir ou mesmo demolir, deve fazer seu plano, reunir seus meios de ação e agir como se a ciência e a arte tivessem parado no ponto em que as encontrou no início de seu trabalho. Pode acontecer, felizmente, que ele possa utilizar novas aquisições feitas durante seu trabalho sem renunciar à parte essencial de seu plano. Pode acontecer do mesmo modo que as novas descobertas e os novos meios industriais sejam tais que ele se veja na obrigação de abandonar tudo e recomeçar do zero. Mas ao recomeçar, precisará fazer novo plano, com base no conhecimento e na experiência; não poderá conceber e por-se a executar uma construção amorfa, com materiais não produzidos, a pretexto que amanhã a ciência poderia sugerir melhores formas e a indústria fornecer materiais de melhor composição. Entendemos por partido anarquista o conjunto daqueles que querem contribuir para realizar a anarquia, e que, por conseqüência, precisam fixar um objetivo a alcançar e um caminho a percorrer. Deixamos de bom grado às suas elucubrações transcendentais os amadores da verdade absoluta e de progresso contínuo, que, jamais colocando suas idéias à prova, acabam por nada fazer ou descobrir. https://ayrtonbecalle.files.wordpress.com/2014/03/errico-malatesta-a-organizac3a7c3a3o-ii.pdf A simplexidade é justamente o reconhecimento do paradoxo que Malatesta coloca entre a evolução contínua das ideias e a necessidade do aqui e agora de uma escolha prática para a organização. Assim, minha brincadeira com Morin consiste em negar o reducionismo no próprio conceito de simplicidade: em contraponto ao simples como irredutível, busco o simples não-simples, o simples complexo, a complexidade do simples e a simplicidade do complexo: antagonistas e complementares. Saber quando e como se utilizar de determinados níveis de complexidade para a construção de entendimentos é uma arte. A simplificação pode ajudar a andar porém pode cegar da maioria das coisas que existem e acontecem. Já a complexificação pode dificultar escolhas mas pode abrir horizontes de compreensão. Há também uma ligação fundamental entre simplexidade e bem viver. A complexidade não é complicação. O que é complicado pode se reduzir a um princípio simples como um emaranhado ou um nó cego. Certamente o mundo é muito complicado, mas se ele fosse apenas complicado, ou seja, emaranhado, multidependente, etc., bastaria operar as reduçõe sbem conhecidas [...] O verdadeiro problema, portanto, não é devolver a complicação dos desenvolvimentos a regras de base simples. A complexidade está na base. [...] O simples é apenas um momento arbitrátrio de abstração arrancado das complexidades, um instrumento eficaz de manipulação laminando um complexo. -- 456 ## Finalidade e causalidade O erro é não apenas reduzir o universo da vida, do homem, da sociedade ao das máquinas artificiais, é também redurzir o unoiverso das máquinas artificiais às máquinas artificiais. O erro está na recionalização cibernética que só quer ou só pode ver no ser vivo e no ser social uma máqiuna lubrificada e funcional que pde para ser mais lubrificada e mais funcionalizada para sempre. Tal racionalização finalitária se torna simétrica à antiga causalidade elementar, pois, como esta, ela expulsa a incerteza e a complexidade. O erro é o mesmo do pensamento tecnocrático que fez da máquina o eídolon de toda vida, o novo ídolo, a rainha do mundo robotizado! A finalidade é certamente uma emergência cibernética da vida, mas ela emerge na complexidade. Que seja no nível do organismo, do indivíduo da reprodução da espécie, do ecossistema, da sociedade, a ideia de finalidade deve ser simultaneamente integrada e relativizada, ou seja, complexificada. É uma noção que não é nem clara, ne distinta, mas pestanejante. A complexidade a desmultiplica, mas também a escurece. Os objetivos práticos, as operações funcionais, são claros e evidentes, mas eles se engrenam nas finalidades cada ve menos claras e menos evidentes... -- 325 A dialógica, as dialéticas endo-exocausais têm um caráter aleatório. Quer dizer que a causalidade complexa comporta um princípio de incerteza: nem o passado nem o futuro podem ser inferidos diretamente do presente (Maruyama, 1974). Não pode mais haver nem explicação segura do passado nem futurologia arrogante: pode-se, deve-se construir cenários possíveis e improváveis para o passado e para o futuro. É preciso compreender que mesmo a causalidade pode ter um efeito ínfimo, ou, pelo contrário, devido às retroações amplificadoras, desestruturadoras, morfogenéticas que ela desencadeará, ser como uma avalanche durante séculos e séculos. -- 329 ## Informacionalização Como a informação é cada vez mais captada pelo inimigo, que se tornando cada vez mais inteligente, como o inimigo extrai de nossos traços marcas, odores, etc., informações para nos situar, então se desenvolvem conjuntamente a camuflagem, o engodo, a esperteza e a arte de detectar a camuflagem, o engodo e a esperteza. A informação se torna agora equívoca e ambivalente: ela adverte e trai; ela informa eventualmente aquele que não deve informar: o inimigo, o concorrente. Grande "progresso" na história da vida: a entrada da enganação na comunicação. De agora em diante, a vitória não pertence mais somente à força e ao endereço, mas também à esperteza, depois à mentira (homo sapiens). A mentira humana, ao se sociologizar, ao se ideologizar, desdobra-se, frutifica, triunfa, já que ela está ornada das virtudes da verdade. Quanto mais o universo for informacionalizado, mais ele será assim, até que a saturação de mentira e de hipocrisia desencadeie uma inversão da tendência, como eu quero esperar. -- 404 Todo o poder de Estado dispõe do poder programador/ordenador sobre a sociedade (poder de regular, legislar, deretar), do poder estratégico (elaborar e decidir as políticas a seguir) e do poder de comando/controle. O Estado dito "totalitário" vai mais longe: ele concentra em si a memória oficial (o poder de escrever a História do passado e de ditar a história do presente), o controle de todos os meios de expressão e de comunicação da informação: o monopólio do saber verídico pelo menos no que diz respeito à sociologia e à política, eventualmente em matéria de ciência e de artes; o controle direto de todos os aparelhos econômicos e outros. [...] A idéia-chave que o poder está na produção deve ser lida e compreendida não no sentido restrito, economista do termo produção, mas no seu sentido organizacionista/informacional. Não é o poder sobre os "meios" de produção, é o poder sobre a produção da produção, ou seja, a generatividade social: não é apenas a propriedade das coisas, dos bens: o domínio está no domínio dos meios de domínio; a dominação dos meios de dominação; o controle dos meios de controle: o poder informacional do aparelho. Vê-se aqui a justeza e o erro de Marx. Marx buscava o que era gerador na sociedade, e é com uma retidão admirável que ele priorizou, antropologicamente, a noção de ser genérico, e, sociologicamente, a noção de produção. Mas o único fundamento que oferecia a física da época era de natureza energética: o trabalho; da mesma forma, ele vira na sociedade o poder de classe, não o poder do aparelho. Ora, a teoria do Aparelho genofenomenal da uma Sociedade concebida como organização informacional/comunicacional pode apenas renovar e enriquecer o problema sociológico da dominação e do poder. Ela nos leva a detectar o problema-chave da monopolização da informação. O pode é monopolizado assim que um aparelho liga diretamente o poder ao saber (quem reina detém a verdade), o bastão de comando ao cetro, o sagrado ao político, e por isso uma casta ou uma classe de aparelho monopoliza as formas múltiplas de informação. A exploração e a dominação coincidem com a relegação dos explorados e dominados às tarefas puramente energéticas de execução, com a sua exclusão da esfera generativa/programadora. Eles só têm direito aos sinais informando-os do que eles devem fazer, pensar, esperar, sonhar. -- 418 - 419