[[!meta title="O Livro da Dor e do Amor"]] * Autor: J. D. Nasio. * Ano: 210. * Editora: Zahar. ## Trechos A imagem do ser perdido não deve se apagar; pelo contrário, ela deve dominar até o momento em que — graças ao luto — a pessoa enlutada consiga fazer com que coexistam o amor pelo desaparecido e um mesmo amor por um novo eleito. Quando essa coexistência do antigo e do novo se instala no inconsciente, podemos estar seguros de que o essencial do luto começou. -- 13 Eu também estava surpreso de ter expresso espontaneamente, em tão poucas palavras, o essencial da minha concepção de luto, segundo a qual a dor se acalma se a pessoa enlutada admitir enfim que o amor por um novo eleito vivo nunca abolirá o amor pelo desaparecido. -- 14 dar um sentido à dor do outro significa, para o psicanalista, afinar-se com a dor, tentar vibrar com ela, e, nesse estado de resso- nância, esperar que o tempo e as palavras se gastem. -- 16 Ao longo destas páginas, gostaria de transmitir o que eu próprio aprendi, isto é, que a dor mental não é necessariamente patológica; ela baliza a nossa vida como se amadurecêssemos a golpes de dores sucessivas. -- 17-18 Para quem pratica a psicanálise, revela-se com toda a evidência — graças à notável lente da transferência analítica — que a dor, no coração do nosso ser, é o sinal incontestável da passagem de uma prova. Quando uma dor aparece, podemos acreditar, estamos atravessando um limiar, passamos por uma prova decisiva. Que prova? A prova de uma separação, da singular separação de um objeto que, deixando-nos súbita e definitivamente, nos transtorna e nos obriga a reconstruir-nos. -- 18 O luto do amado é, de fato, a prova mais exemplar para compreender a natureza e os mecanismos da dor mental. Entretanto, seria falso acreditar que a dor psíquica é um sentimento exclusivamente provocado pela perda de um ser amado. Ela também pode ser dor de abandono, quando o amado nos retira subitamente o seu amor; de humilhação quando somos profundamente feridos no nosso amor-próprio; e dor de mutilação quando perdemos uma parte do nosso corpo. Todas essas dores são, em diversos graus, dores de amputação brutal de um objeto amado, ao qual estávamos tão intensa e permanentemente ligados que ele regulava a harmonia do nosso psiquismo. A dor só existe sobre um fundo de amor. -- 18 Antes de tudo, a dor é um afeto, o derradeiro afeto, a última muralha antes da loucura e da morte. Ela é como que um estremecimento final que comprova a vida e o nosso poder de nos recuperarmos. Não se morre de dor. Enquanto há dor, também temos as forças disponíveis para combatê-la e continuar a viver. É essa noção de dor-afeto que vamos estudar nos primeiros capítulos. -- 19-20 Quer se trate de uma dor corporal provocada por uma lesão dos tecidos ou de uma dor psíquica provocada pela ruptura súbita do laço íntimo com um ser amado, a dor se forma no espaço de um instante. Entretanto, veremos que a sua geração, embora instantânea, segue um processo complexo. Esse processo pode ser decomposto em três tem- pos: começa com uma ruptura, continua com a comoção psíquica que a ruptura desencadeia, e culmina com uma reação defensiva do eu para proteger-se da comoção. Em cada uma dessas etapas, domina um aspecto particular da dor. -- 20 Como diferencia ele cada um desses afetos? Propõe o seguinte paralelo: enquanto a dor é a reação à perda efetiva da pessoa amada, a angústia é a reação à ameaça de uma perda eventual. -- 27 Mas qual é essa reação? Diante do transtorno pul- sional introduzido pela perda do objeto amado, o eu se ergue: apela para todas as suas forças vivas — mesmo com o risco de esgotar-se — e as concentra em um único ponto, o da representação psíquica do amado perdido. A partir de então, o eu fica inteira- mente ocupado em manter viva a imagem mental do desaparecido. Como se ele se obstinasse em querer compensar a ausência real do outro perdido, magnifi- cando a sua imagem. O eu se confunde então quase totalmente com essa imagem soberana, e só vive amando, e por vezes odiando a efígie de um outro desaparecido. -- 28