From d7d41c7c855128fa9d826799d0e10dc2b1d0ee54 Mon Sep 17 00:00:00 2001 From: Silvio Rhatto Date: Fri, 21 Jul 2017 10:40:01 -0300 Subject: Books: direito à preguiça MIME-Version: 1.0 Content-Type: text/plain; charset=UTF-8 Content-Transfer-Encoding: 8bit --- books/sociedade/preguica.mdwn | 161 ++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++ 1 file changed, 161 insertions(+) create mode 100644 books/sociedade/preguica.mdwn (limited to 'books/sociedade') diff --git a/books/sociedade/preguica.mdwn b/books/sociedade/preguica.mdwn new file mode 100644 index 0000000..f23ca86 --- /dev/null +++ b/books/sociedade/preguica.mdwn @@ -0,0 +1,161 @@ +[[!meta title="O direito à preguiça"]] + +## Temas + +* Redução da jornada de trabalho. +* Automatização da produção. +* Ambiguidade interessante que inverte e brinca com a ideologia do trabalho, + onde um proletariado com fixação pelo sofrimento e viciado por atividades + extenuantes que força a burguesia supercomsumir a empregar-lhe na indústria. + +## Trechos + + Uma boa operária só faz com o fuso cinco malhas por minuto, alguns teares + circulares para tricotar fazem trinta mil no mesmo tempo. Cada minuto à + máquina equivale, portanto, a cem horas de trabalho da operaria; ou então + cada minuto de trabalho da máquina dá à operária dez dias de repouso. + Aquilo que se passa com a indústria de malhas é mais ou menos verdade + para todas as indústrias renovadas pela mecânica moderna. Mas que vemos + nós? A medida que a máquina se aperfeiçoa e despacha o trabalho do + homem com uma rapidez e uma precisão incessantemente crescentes, o + operário, em vez de prolongar o seu repouso proporcionalmente, redobra de + ardor, como se quisesse rivalizar com a máquina. Ó concorrência absurda e + mortal! + + -- 12-13 + + Uma vez acocorada na preguiça absoluta e desmoralizada pelo prazer + forçado, a burguesia, apesar das dificuldades que teve nisso, adaptou-se ao + seu novo estilo de vida. Encarou com horror qualquer alteração. A visão das + miseráveis condições de existência aceites com resignação pela classe + operária e a da degradação orgânica gerada pela paixão depravada pelo + trabalho aumentava ainda mais a sua repulsa por qualquer imposição de + trabalho e por qualquer restrição de prazeres. + + Foi precisamente então que, sem ter em conta a desmoralização que a + burguesia tinha imposto a si própria como um dever social, os proletários + resolveram infligir o trabalho aos capitalistas. Ingénuos, tomaram a sério as + teorias dos economistas e dos moralistas sobre o trabalho e maltrataram os + rins para infligir a sua prática aos capitalistas. O proletariado arvorou a + divisa: Quem não trabalha, não come; Lyon, em 1831, levantou-se pelo + chumbo ou pelo trabalho, os federados de 1871 declararam o seu + levantamento a revolução do trabalho. + + A estes ímpetos de furor bárbaro, destrutivo de todo o prazer e de toda a + preguiça burguesas, os capitalistas só podiam responder com uma + repressão feroz, mas sabiam que, se tinham conseguido reprimir estas + explosões revolucionárias, não tinham afogado no sangue dos seus + gigantescos massacres a absurda idéia do proletariado de querer infligir o + trabalho às classes ociosas e fartas, e foi para desviar essa infelicidade que + se rodearam de pretorianos, de polícias, de magistrados, de carcereiros + mantidos numa improdutividade laboriosa. Já não se podem ter ilusões + sobre o caráter dos exércitos modernos, são mantidos em permanência + apenas para reprimir "o inimigo interno"; e assim que os fortes de Paris e de + Lyon não foram construídos para defender a cidade contra o estrangeiro, + mas para o esmagar no caso de revolta. E se fosse preciso um exemplo sem + réplica, citemos o exército da Bélgica, desse país de Cocagne do + capitalismo; à sua neutralidade é garantida pelas potências européias e, no + + entanto, o seu exército é um dos mais fortes em proporção da população. Os + gloriosos campos de batalha do bravo exército belga são as planícies do + Borinage e de Charleroi, é no sangue dos mineiros e dos operários + desarmados que os oficiais belgas ensangüentam as suas espadas e + ganham os seus galões. As nações européias não tem exércitos nacionais, + mas sim exércitos mercenários, que protegem os capitalistas contra o furor + popular que os queria condenar a dez horas de mina ou de fábrica de fiação. + Portanto, ao apertar o cinto, a classe operária desenvolveu para além do + normal o ventre da burguesia condenada ao superconsumo. + + Para ser aliviada no seu penoso trabalho, a burguesia retirou da classe + operária uma massa de homens muito superior à que continuava dedicada à + produção útil e condenou-a, por seu turno, à improdutividade e ao + superconsumo. Mas este rebanho de bocas inúteis, apesar da sua + voracidade insaciável, não basta para consumir todas as mercadorias que os + operários, embrutecidos pelo dogma do trabalho, produzem como maníacos, + sem os quererem consumir e sem sequer pensarem se se encontrarão + pessoas para os consumir. + + Em presença desta dupla loucura dos trabalhadores, de se matarem de + supertrabalho e de vegetarem na abstinência, o grande problema da + produção capitalista já não é encontrar produtores e multiplicar as suas + forças, mas descobrir consumidores, excitar os seus apetites e criar-lhes + necessidades fictícias. Uma vez que os operários europeus, que tremem de + frio e de fome, recusam usar os tecidos que eles próprios tecem, beber os + vinhos que eles próprios colhem, os pobres fabricantes, como espertalhões, + devem correr aos antípodas para procurar quem os usará e quem os beberá: + são centenas de milhões e de biliões que a Europa exporta todos os anos + para os quatro cantos do mundo, para populações que não têm nada que + fazer com esses produtos. + + [...] + + Mas tudo é insuficiente: o burguês que se farta, a classe doméstica que + ultrapassa a classe produtiva, as nações estrangeiras e bárbaras que se + enchem de mercadorias européias; nada, nada pode conseguir dar vazão às + montanhas de produtos que se amontoam maiores e mais altas do que as + pirâmides do Egito: a produtividade dos operários europeus desafia todo o + consumo, todo o desperdício. Os fabricantes, doidos, já não sabem que + fazer, já não conseguem encontrar matéria-prima para satisfazer a paixão + desordenada, depravada, que os seus operários têm pelo trabalho. Nos + nossos distritos onde há lã, desfiam-se trapos manchados e meio podres, + fazem-se com eles panos chamados de renascimento, que duram o mesmo + que as promessas eleitorais; + + [...] + + Todos os nossos produtos são adulterados para facilitar o seu escoamento e + abreviar a sua existência. A nossa época será chamada a idade da falsificação, + tal como as primeiras épocas da humanidade receberam os nomes de idade da + pedra, idade de bronze, pelo caráter da sua produção. + + -- 15-17 + + Eis a grande experiência inglesa, eis a experiência de alguns capitalistas + inteligentes, ela demonstra irrefutavelmente que, para reforçar a + produtividade humana, tem de se reduzir as horas de trabalho e multiplicar + os dias de pagamento e os feriados, e o povo francês não está convencido. + Mas se uma miserável redução de duas horas aumentou em dez anos a + produção inglesa em cerca de um terço (7), que ritmo vertiginoso imprimiria + à produção francesa uma redução geral de três horas no dia de trabalho? Os + operários não conseguem compreender que, cansando-se excessivamente, + esgotam as suas forças antes da idade de se tornarem incapazes para + qualquer trabalho; que absorvidos, embrutecidos por um único vício, já não + são homens, mas sim restos de homens; que matam neles todas as belas + faculdades para só deixarem de pé, e luxuriante, a loucura furiosa do + trabalho. + + -- 18 + + O idiotas! é porque trabalhais demais que a ferramenta industrial se desenvolve + lentamente. + + -- 19 + + O protestantismo, que era a religião cristã adaptada às novas + necessidades industriais e comerciais da burguesia, preocupou-se menos + com o descanso popular; destronou no céu os santos para abolir na terra as + suas festas. A reforma religiosa e o livre pensamento filosófico não eram + senão pretextos que permitiram à burguesia jesuíta e voraz escamotear os + dias de festa do popular. + + -- 19 (nota de rodapé) + + "O preconceito da escravatura dominava o espírito de Pitágoras e de + Aristóteles", escreveu-se desdenhosamente; e no entanto Aristóteles previa + que "se cada utensílio pudesse executar sem intimação, ou então por si só, a + sua função própria, tal como as obras-primas de Dédalo se moviam por si + mesmas ou tal como os tripés de Vulcano que se punham espontaneamente + ao seu trabalho sagrado; se, por exemplo, as lançadeiras dos tecelões + tecessem por si próprias, o chefe de oficina já não teria necessidade de + ajudantes, nem o senhor de escravos". + + O sonho de Aristóteles é a nossa realidade. As nossas máquinas a vapor, + com membros de aço, infatigáveis, de maravilhosa e inesgotável + fecundidade, realizam por si próprias docilmente o seu trabalho sagrado; e, + no entanto, o gênio dos grandes filósofos do capitalismo continua a ser + dominado pelo preconceito do salariado, a pior das escravaturas. Ainda não + compreendem que a máquina é o redentor da humanidade, o Deus que + resgatará o homem das sórdidas artes e do trabalho assalariado, o Deus que + lhe dará tempos livres e a liberdade. + + -- 26 -- cgit v1.2.3