From b6c0ffcaf707ee1968a7f29021d20357692a84d0 Mon Sep 17 00:00:00 2001 From: Silvio Rhatto Date: Tue, 7 Aug 2018 10:05:58 -0300 Subject: Reorganization --- books/filosofia/metodo/2.md | 744 -------------------------------------------- 1 file changed, 744 deletions(-) delete mode 100644 books/filosofia/metodo/2.md (limited to 'books/filosofia/metodo/2.md') diff --git a/books/filosofia/metodo/2.md b/books/filosofia/metodo/2.md deleted file mode 100644 index ba26fae..0000000 --- a/books/filosofia/metodo/2.md +++ /dev/null @@ -1,744 +0,0 @@ -[[!meta title="O Método - Volume II"]] - -[[!toc levels=4]] - -## Geral - -* Ecologia da ação, complexidade das ações e incerteza das consequências, 100. - -## Simplicidade e complexidade - - É a procura de uma simplicidade elementar que nos conduz a uma complexidade - fundamental. - - -- 128 - -## Vida: necessidade do genona - - A generalidade produz e mantém processos organizadores que são, fisicamente, - improváveis. A generatividade física (seres organizadores de si) é sempre - espontânea, isto é, não dispõe de aparelho informacional para controlá-la - ou programá-la. Os seres vivos se desintegrariam se dependessem apenas das - regulações físicas, químicas, termodinâmicas espontâneas. A generatividade - biológica (seres auto-organizadores) comporta, necessariamente, agenciamento - genético e informação hereditária. - - -- 136 - - Assim como a fetichização do capital econômico impede que as outras dimensões - da vida social tomem forma, a fetichização do capital genético impede que as - múltiplas dimensões da auto-organização tomem forma. - - Assim, sob o duplo efeito da redução química e da coisificação informática, o - gene é isolado, hipostasiado. Apesar e por causa dos progressos da genética e - da biologia molecular o paradigma de simplificação pesa no sentido de um - subdiscurso vulgarizador, de caráter atomizador (que situa o fundamento - organizacional do ser vivo na unidade de base, isto é, na molécula, na - informação, no gene), mecanística (que reduz a lógica da organização viva à - máquina artificial), coisificador (que substancializa a informação/programa). O - subdiscurso, larvar na genética torna-se o discurso "genetista" propriamente - dito e, desenvolvendo-se sem entraves, transforma-se em mito pangenetista. - Assim, a incapacidade para conceber a unidade complexa do genos e do fenon na - auto-organização transforma o gene em gênio e o DNS em Adonai. - - -- 155 - -## Misc - - O ego-autocentrismo parece invulnerável. O indivíduo não pode agir senão para - si e para os seus. Como tudo aquilo que é invulnerável, o ego-autocentrismo tem - seu ponto vulnerável, não no calcanhar, mas na cabeça, ou melhor dizendo, na - computação. O ponto forte de todo o ser computante, que é extrair informação - do seu universo, é também o seu ponto fraco: a possibilidade de erro. A - computação pode enganar-se nos seus cálculos, ou tratar uma informação - enganadora. Assim, todo o indivíduo pode tornar-se o instrumento da sua própria - perda enquanto julga trabalhar para a sua salvação. - - O ser computante pode até ser despossuído do seu próprio ego-autocentrismo, - como no caso da célula parasitada por um vírus, o qual, fazendo-a executar o - seu programa de reprodução, a faz agir para a sua própria destruição e para a - multiplicação do seu assassino. Os humanos tornaram-se mestres na sujeição dos - animais que, embora conservem a autonomia cerebral, isto é, o - ego-autocentrismo, estão de fato subjugados às finalidades dos subjugadores e - sobretudo tornaram-se mestres na sujeição do homem pelo homem, como já - indicamos. - - -- 197, 198 - -## A discriminação cognitiva de "si" - - "Se algum organismo não se conhece a si próprio, como pode detectar a - presença de alguma coisa estranha?" (Vaz e Varela, 1978) - - -- 181 - -Ou, analogamente, se um organismo parasse de se reconhecer, seu sistema imunológico -poderia atacar a si mesmo. - -## Computo ergo sum - -* Computação, "com-puter": examinar, avaliar, estimar supor ("puter") em cojunto, ligando ou confrontando aquilo que está separado, separando ou dissociando aquilo que está ligado ("com") (183). -* Autos: idem e ipse (196). -* Princípio de exclusão: identificação do si e do não-si. -* Vida: auto-computante: computa a si mesma. -* Si: referência corporal objetiva (213), corporalidade (214). -* Eu: auto-referência subjetiva do ser vivo (190), afirmação egocêntrica (213). -* Mim: auto-referência objetiva do ser vivo (190), referência objetiva do eu e referência subjetiva do si (213). - -Trechos: - - O cogito começa a aparece como um anel espiral. - - -- 202 - - Ora, evidentemente, as demonstrações "idealistas" que desprendem o sujeito da - órbita física e do mundo das coisas não são de modo algum comprobatórias. Em - geral, o cogito é insuficiente como prova científica ou lógica para dizer - alguma coisa sobre a natureza material ou imaterial do mim, sobre a sua - realidade transcendental ou fenomênica. Toda a busca de prova, deste domínio, - necessita da comunicação do cogitante com o universo exterior e da - intercomunicação dos cogitantes entre eles. Ora, o cogito funda-se - exclusivamente na autocomunicação do sujeito consigo mesmo e a sua validade - concerne, exclusivamente, a qualidade de sujeito. E é precisamente esse caráter - de autocomunicação que, embora constitua o seu limite, constitui a riqueza do - cogito, pensamento recorrente em ação, gerando e regenerando o seu próprio - começo, a sua própria origem, produzindo nesse mesmo processo sua unidade - complexa e as suas qualidades emergentes, que são aqui as qualidades próprias - do sujeito consciente. - - --- 204, 205 - - O computo não "pensa" de modo ideal, isto é, isolável. "Pensa" (computa) de - modo organizacional. O computo concerne o "eu sou", não no plano da consciência - ou da representação, mas no plano da produção/geração/organização. Não existe - certamente constituição de sujeito consciente ao nível da "Escherichia coli". - Mas, talvez, constituição do sujeito puro e simples no e pelo "computo". - - -- 207 - - Como Piaget indicou, freqüentemente a organização do conhecimento humano - constitui um desenvolvimento original da organização biológica e, por - conseguinte, "existem funções gerais comuns aos mecanismos orgânicos e - cognitivos" (Piaget, 1967, p. 206). Neste sentido, "o funcionamento cerebral - exprime ou prolonga formas muito gerais e não particulares de organização - (biológica)" (Piaget, 1967, p. 545). Podemos pois dizer que, "numa certa - profundidade, a organização vital e a organização mental constituem apenas uma - única e mesma coissa" (Piaget, 1968, p. 467). Podemos portanto ir ainda mais - longe e considerar que todo o ato de organização viva comporta uma dimensão - cognitiva. - - [...] - - Assinalar um fenômeno de conhecimento no ser celular aparece decerto como uma - verdadeira projeção retrospectiva do indiferenciado. Mas esta projeção pode - justificar sua necessidade: seria absurdo negar a atividade cognitiva num ser - que apresenta suas condições (aparelho computante) e os seus resultados - (distinção do si/não-si, extração de informações do universo exterior, etc.). A - idéia de que a auto-organização viva comporta uma dimensão cognitiva dá sentido - e coerência ao conjunto dos dados relativos à organização celular. Mas, ao - mesmo tempo, traz um aparente não-sentido à idéia de conhecimento, uma vez que - trata de um conhecimento que não se conhece a si mesmo. Schelling dizia: "A - vida é um saber que ignora a si mesmo...". - - -- 207, 208 - - A partir daí, o paradoxo do conhecimento que não se conhece agrava-se: como - pode haver autoconhecimento para um conhecimento que não se conhece? - - [...] - - Estaríamos inteiramente desarmados diante do problema do autoconhecimento se - não tivéssemos já reconhecido a auto-referência no âmago de todos os processos - celulares e de informação (portanto de autoinformação), de comunicação - (portanto de autocomunicação), de computação (portanto de autocomputação). - Significa, ao mesmo tempo, que o circuito auto-referente de si a si faz - regressar o computado ao computador; sendo o computado também o computador, o - computado-computador regressa à computação do computador. Trata-se de um - circuito autocognitivo no qual o computador está apto não só para computar-se - na parte por intermédio do todo, no todo por intermédio das partes, mas também - para objetivar-se como computado (si, mim) e ressubjetivar-se como computador - (eu). - - -- 209 - - Devemos também supor que esses termos [...] são como que instâncias - referenciais que fazem circular a reflexão de um ponto de vista a outro, cada - uma das quais permite ao sujeito reconhecer ou afirmar um dos seus rostos. - - -- 213 - - Já vimos aquilo que separa uma computação cerebral que só gera representações e - uma computação celular que gera a vida. O computo celular produz o ser objetivo - e, ao mesmo tempo, a modalidade subjetiva do ser. É o operador do circuito no - qual, simultaneamente, o ser e a modalidade subjetiva do ser se geram e se - regeneram, permanentemente. - - -- 214 - - Temos que entender radical, fundamental, plenamente: computo ergo sum. Computo - não significa "tenho um computador na minha máquina". Não significa apenas "sou - um ser computante". Significa "eu computo, logo eu sou". - - -- 216 - -## Existencialismo - -Turnover molecular, turbilhão computante (221, dentre outras). -Jogo, erro e morte (217), a tragédia básica da existência e a solidão comunicante (218): - - Assim, a autou-afirmação individual do indivíduo-sujeito é a de um ator que - joga o jogo de viver para ganhar a vida. A noção de ator é existencial no - sentido em que o ator se joga a si mesmo -- joga a sua vida -- na busca, no - esforço, no perigo no seio do "teatro" natural que é o seu ambiente. A condição - existencial do jogo marca toda a vida: é a natureza sempre renascente e a luta - sempre renascente contra a incerteza. - - O ator vivo mais modesto dispõe, para jogar o seu jogo, do seu capital de - informações hereditárias e do computo egocêntrico que lhe permite transformar a - informação em programa, extrair informações do mundo exterior, agir em função - da situação. mas o computo comporta a sua brecha de incerteza: o risco de erro. - Toda a existência viva traz consigo o risco permanente de error (no - funcionamento auto-organizador, na percepção do mundo exterior, na escolha ou - na decisão, na estratégia do comportamento) e todo o risco de erro traz consigo - o risco e morte. - - [...] - - Como vimos, a morte não é o inimigo mortal da vida (porque, sem deixar de ser - desintegrante, está integrada nas transformações e regenerações da vida). Mas é - inimiga mortal do indivíduo-sujeito. - - -- 217 - - Toda a existência que joga é, simultaneamente, jogada e joguete. [...] O - estatuto do objetivo é incerto, improvável, aleatório, perecível, mas este - indivíduo, por improvável e pouco necessária que seja a sua vinda ao mundo, por - inexoravelmente mortal que ele seja, torna-se, logo que nasce e se forma, um - ser absolutamente necessário "para si" e tende a viver a todo custo, - indefinidamente. Aí reside a tragédia da existência viva. O indivíduo é um - quantum de existência, efêmero, descontínuo, pontual, um "ser-lançado-no-mundo" - entre ex nihilo (nascimento) e in nihilo (morte) e é ao mesmo tempo um sujeito - que se autotranscende acima do mundo. Para ele, é o centro do universo. Para o - universo, não passa de um vestígio corpuscular, um estremecimento de onda. Para - ele é sujeito, para o universo é objeto. É a sua própria necessidade, embora - tenha nascido por acaso, viva no acaso e morra no acaso. Nasceu no meio de - milhões de sementes inutilizadas, dilapidadas, volatilizadas, formou-se num - mistério de agregação, de epigenetização, de animação, que, do nada, produziu - este instante periférico que se julga o umbigo do mundo. - - [...] - - O ser vivo, por constituição, está destinado à solidão existencial. Produz e - mantém a sua membrana-fronteira. Opera a cisão ontológica entre si e não-si. A - sua computação está numa câmara escura, e as informações que extrai são - traduções. - - [...] - - A solidão, a separação, a incerteza constituem as condições prévias e - necessárias da comunicação. Só os solitários podem e devem comunicar. - - -- 218 - - O computo tem o papel vital e fundamental de traduzir acontecimentos em - informações a computar por e para si. A partir daí, surge um problema que se - tornará permanente e agudo na existência animal: como evitar o erro, como - induzir em erro o adversário, o inimigo? - - [...] - - Como veremos cada vez mais claramente, a afetividade é a consequência, não a - origem, da existência subjetiva. - - [...] - - A relação entre recepção de estímulos exteriores (a bactéria dispõe de - químico-receptores) e o computo abre a porta à sensibilidade. A partir daí, - tudo aquilo que acontece de nefasto ou benéfico é não só computado como "bom" - ou "mau" (para si), mas também pode ser sentido como irritante ou apaziguante. - As sensibilidades e irritabilidades progridem com o desenvolvimento dos - receptores sensoriais e das redes nervosas. - - -- 219 - -## O Sujeito - -Sujeito (220): - -* Esqueleto lógico-organizacional e carne ontológico-existencial. -* Lógico: auto-referência, distribuidor de valores. -* Organizacional: conceito inerente e necessário à auto-(geno-feno-eco)-organização. -* Ontológico: sua afirmação individual egocêntrica é inerente e necessária à definição do ser vivo. -* Existencial: cada um dos seus traços constitutivos comporta uma dimensão existencial. - -Trechos: - - O sujeito, repito, não é uma substância, uma essência, uma forma. - É uma qualidade de ser [...] - - --- 221 - - Assim, podemos ver que a qualidade de sujeito não é um epifenômeno ou uma - superestrutura da individualidade viva, mas uma infra-estrutura que permite - inscrever muito profundamente o indivíduo e o genos um no outro. Com efeito, - não é apenas a mensagem genética que é necessária à constituição do sujeito. - É a estrutura reprodutora que é indispensável à estrutura do sujeito, ao menos - na esfera originárias e fundamental do unicelular. Reciprocamente, não é - apenas a existência de um indivíduo que é necessária à reprodução genética. - É a estrutura primeira do sujeito que é indispensável à estrutura reprodutora - primeira. - - --- 223 - - Marx dizia que a chave da autonomia do macado reside na autonomia do homem. - Entendia com isso que o desenvolvimento, no homem, de qualidades potenciais - ou embrionárias no macaco, permitia perceber aquilo que seria invisível - se tivéssemos considerado o macaco isoladamente da evolução pela qual o - metamorfoseou em homem. Em outras palavras, o ulterior permite conceber o - anterior. Temos, pois, de prolongar a fórmula marxiana relativa ao macaco pela - proposição contrária mas complementar, e pela conjugação em anel destas duas - proposições [...] Em outras palavras, a chave de ambos está no movimento - e confrontação initerrupto produtor de hipóteses e de teorias. - - -- 224 - -## Comunicação, redes e o outro (alteridade) - -* Egoísmo e altruísmo, 232. - -Trechos: - - A faculdade de computar o outro como alter ego/ego alter é sem dúvida - inseparável da faculdade de se computar a si "objetivamente" como um outro - si-mesmo (alter ego) e de identificar este alter ego com a sua própria - identidade subjetiva. [...] A comunicação entre congêneres exterioriza, - num outro semelhante a si, os processos internos de objetivação/subjetivação, - proteção/identificação. Constitui-se, entre os dois parceiros, de modo - recíproco, um circuito de proteção (de si sobre o outro) e de identificação - (do outro consigo). - - -- 228 - - Assim, o anel que encerra o sujeito sobre si mesmo abre-lhe ao mesmo tempo a - possibilidade de comunicar-se com outrem. - - -- 229 - -## Estratégia e inteligência - - Veremos cada vez melhor que as noções de arte, estratégia, inteligência, - bricolagem (estratégia organizadora de um novo objeto por conversão de antigos - objetos ou elementos da sua finalidade ou função) são intercomunicantes. - - [...] - - Quando programa tende a comandar, diminuir, suprimir as estratégias, a - obediência mecânica e míope torna-se modelo de comportamento. À escala humana, - a estratégia necessita de lucidez na elaboração e na conduta, jogo de - iniciativas e de responsabilidades, pleno emprego das competências individuais, - isto é, pleno emprego das qualidades do sujeito. Eis por que, entre - parênteses, o Método aqui procurado nunca será um programa, isto é, uma receita - preestabelecida, mas um convite e uma incitação à estratégia do pensamento. - - -- 257 - -## Liberdade - -* Definição, 258. -* Suicídio, 259. - -## Sociedades: entidades de terceiro tipo - - Não existe fronteira bem nítida entre as associações mais ou menos frouxas e as - sociedades rudimentares. Mas o que importa aqui é definir um fenômeno não na - sua fronteira incerta, mas na sua emergência própria. O fenômeno social emerge - quando as interações entre os indivíduos do segundo tipo produzem um todo - não-redutível aos indivíduos e que retroage sobre ele, isto é, quando se - constitui um sistema. Existe, portanto, sociedade quando as interações - comunicadoras/associativas constituem um todo organizado/organizador, que é - precisamente a sociedade, a qual, como toda a entidade de natureza sistêmica, é - dotada de qualidades emergentes e, com as suas qualidades, retroage enquanto - todo sobre os indivíduos, transformando-os em membros desta sociedade. - - -- 264 - - O sistema social não é apenas um sistema: é uma organização que organiza - retroativamente a produção e a reprodução das interações que a produzem, - assegura a sua homeostasia através do turnover dos indivíduos que morrem e - nascem e, assim, continua a ser um ser-máquina autoprodutor e auto-organizador. - - -- 265 - -## Totalitarismo - - Um novo e enorme poder de Estado tende a concentrar-se ao longo do século XX. - - O Estado torna-se cada vez mais Estado-providência e Estado assistencial - (Welfare state). Num sentido, dedica-se cada vez mais à proteção e ao - bem-estar dos indivíduos, mas, ao mesmo tempo, estende as suas competências a - todos os domínios das vidas individuais, doravante encerradas numa rede - polimórfica, simultaneamente casulo (protetor mas eventualmente infantilizante) - e armadilha. Assim, desenvolve-se um Estado, de certo não totalitário, mas - totalizante, isto é, englobando todas as dimensões da existência humana. - - Os notáveis desenvolvimentos informáticos, de que hoje se discutem as - ambivalências (Nora, Minc, 1978), deixam entrever espantosas possibilidades de - desconcentração comunicacionais e de que beneficiariam os indivíduos. Mas, ao - mesmo tempo, a informática dá a um aparelho de Estado central a possibilidade - de agrupar e tratar todas as informações acerca de um indivíduo de modo muito - mais ramificado e preciso que o controle neurocerebral sobre as células dos - nossos organismos. A partir daí, um código policial/tecnológico (munido de - dispositivos de detecção e de escuta em todos os terrenos) pode doravante - exercer-se sobre o desvio, anomalia, originalidade. A isto é necessário - acrescentar já as futuras ações bioquímicas sobre o espírito ----- cérebro - - humano, que permitirão estabelecer uma normalização generalizada de todo o - desvio. Doravante, o Estado encontra-se dotado de poderes que, virtualmente, - excedem todos os poderes de controle e de intervenção jamais concentrados. - - Aqui mesmo, temos de inscrever o processo aparentemente marginal, - sociologicamente menor, que já constatei (Método I): o conhecimento científico - produz-se cada vez menos para ser pensado e meditado por espíritos humanos, mas - cada vez mais acumulado para a computação dos seus computadores, isto é, para a - utilização das entidades superindividuais, em primeiro lugar a entidade - supercompetente e onipresente: o Estado. Ao mesmo tempo e correlativamente, - essa ciência cega-nos: o resto do nosso mundo, da nossa sociedade, do nosso - destino é despedaçado por um conhecimento científico que, atualmente, ainda é - incapaz de pensar o indivíduo, incapaz de conceber a noção de sujeito, incapaz - de pensar a natureza da sociedade, incapaz de elaborar um pensamento que não - seja unicamente matematizado, formalizado, simplificador, mas, ao contrário, - muito capaz de fornecer aos poderes novas técnicas de controle, de manipulação, - de opressão, de terror, de destruição. - - Ao aproximarmo-nos, pois, do momento em que podemos considerar que todos estes - processos conjuntos poderiam permitir ao ser do terceiro tipo realizar-se em - onipotência, não só sujeitando-nos e manipulando-nos, mas também - infantilizando-nos, irresponsabilizando-nos e despossuindo-nos da aspiração ao - conhecimento e do direito ao juízo. - - Tal hipótese não é brincadeira intelectual, pois o Estado dedicado a essa - realização surgiu no século XX: o Estado totalitário. Instala-se, sob diversas - variantes, em todos os continentes, em todas as civilizações, em todas as - sociedades, sob o impulso, o controle, a apropriação de um aparelho soberano: o - partido detentor de todas as competências, possuidor de verdade sobre o homem, - a história, a natureza. - - A partir daí, bastaria que este Estado totalitário concentrasse e utilizasse de - modo sistemático todas as formas de dominação/controle, não só burocráticas, - policiais, militares, mitológicas, políticas, mas também científicas, técnicas, - informáticas, bioquímicas, para que se pudesse operar uma sujeição das classes, - grupos, indivíduos, já não apenas generalizada mas irreversível; regressões dos - direitos individuais já não são apenas generalizadas mas irreversíveis. - Podemos, certamente, esperar que nossos totalitarismos contemporâneos sejam os - monstros provisórios nascidos das agonias e gestações deste século. Mas podemos - recear também que estes monstros se tornem duradouros na e pela - sujeição/controle estrutural dos indivíduos do segundo tipo e, por isso, - constituam os artesãos de um desenvolvimento decisivo do ser do terceiro tipo. - - -- 281, 282 - -## Autos - - Autos significa "o mesmo": não identidade consigo mesmo fundada numa - invariância estáica, não identidade de dois termos distintos e semelhantes, mas - unidade de um anel que, girando incessantemente do mesmo ao si mesmo, produz e - reproduz o mesmo. - - O autos pertence à raça dos anéis turbilhonares. Um ciclo genérico de - reproduções faz suceder os vivos aos vivos. Um turnover fenomênico faz suceder - as moléculas às moléculas, as células às células (se policelular), os - indivíduos aos indivíduos (sociedade). Assim como um turbilhão desenha uma - figura estável no seio do fluxo, igualmente, e ainda mais, o dinamismo - turbilhonar do autos produz, a partir de uma inscrição genética invariante, - formas corporais aparentemente estáticas (células, organismos, sociedades) e - aparece desenhar no tempo um esquema ou pattern fixo. Aqui reencontramos o - vínculo pseudo-antinômico entre o movimento irreversível e o estado - estacionário, dinamismo e a estabilidade, já bem elucidado (O Método !). - - -- 287 - - O princípio de integração próprio de autos é, portanto, um princípio - polianelante complexo que permite construir, simultaneamente, vários graus de - auto-organização, de individualidade, de ser, de existência. Uma propriedade - notável destas integrações mútuas é que as relações de pertença não anulam as - relações de exclusão: cada ser permanece, no seu grau, um indivíduo-sujeito - egocêntrico, embora "pertença" a um mega-ser, ele mesmo egocêntrico, de que é - uma parte ínfima e enferma. - - De onde as consequências perturbadoras para a ontologia tradicional: embora os - seres-sujeitos se excluam uns aos outros do seu lugar egocêntrico, podem, - contudo, constituir vários seres em um, um ser em vários e, ao mesmo tempo, - fragmentos de mega-seres. - - -- 290 - -## Hierarquia e especialização - -* Problemas e vulnerabilidades da estrutura em rede centralista/hierárquica/especializada: 359. - -Trechos: - - A hierarquia constitui uma estrutura de sujeição, na qual os seres celulares - estão sujeitos aos indivíduos policelulares, sujeitos Pas sociedades de que - fazem parte. Os seres sujeitados continuam sujeitos, mas na ignorância (e, no - caso dos humanos, na inconsciência), trabalham para os fins dos sujeitos que os - sujeitam. - - Mesmo quando há arquitetura de emergências, a organização hierárquica comporta - uma certa alienação do sujeito (que trabalha para os outros trabalhando para si) - e uma virtualidade de subjugação e de exploração (remeto para as definições - dadas na primeira parte). É, efetivamente, a partir do controle e da dominação: - do baixo pelo alto, da parte pelo todo, do micro pelo macro, dos executantes - pelos componentes, dos informados pelos informantes, que se estabelecem as - relações de exploração infra-organizacional. E de fato, as "altas" formas - globais (do organismo, da sociedade) mantêm-se e perduram no e pelo turnover - das "baixas" formas, ou seja, vivem de mortes/renascimentos initerruptos dos - indivíduos celulares, verdadeiro fluxo regenerador que mantém a permanência, - a estabilidade, a sobrevivência do indivíduo sujeitante. - - -- 350-351 - - A organização recorrente relativiza a noção de hierarquia, uma vez que a - hierarquia depende, na sua própria existência, daquilo que depende dela. - Temos de ir mais longe e reconhecer que, em toda a organização viva, a - organização hierárquica precisa de organização não-hierárquica. - - [...] - - A anarquia não é a não-organização, é a organização que se efetua a partir - das associações-interações sinérgicas entre seres computantes, sem que, - para tal, haja necessidade de comando ou controle emanando dum nível - superior. É assim que se constituem as eco-organizações. Ora esta anarquia - sem controle superior constitui um todo que estabelece seu controle superior. - - -- 352 - - Enfim, o parasitismo desenvolve-se no seio das organizações - cêntricas/hierárquicas/especializadas do nosso universo antropossocial. Com - efeito, o indivíduo ou a casta que detêm o poder de Estado podem saciar sem - freios (não sendo controlados pela regra que controlam) os seus apetites - egocêntricos e parasitar o conjunto do corpo social, assumindo mais ou menos - corretamente as suas funções de interesse geral. - - -- 359 - - Toda a concepção ideal de uma organização que seria apenas ordem, - funcionalidade, harmonia, coerência é um sonho demente de ideólogo ou/e de - tecnocrata. A irracionalidade que elminaria a desordem, a incerteza, o erro não - é senão a irracionalidade que eliminaria a vida. - - -- 365 - - Parece que toda a passagem de um micronível de organização a um macroniível, - como do unicelular ao ser policelular, da sociedade arcaica de algumas centenas - de membros à sociedade histórica de milhões de indivíduos, a complexidade da - nova macroorganização é menor do que a da microorganização que intefra ou - desintegra. Assim, os primeiros organismos policelulares, de estrutura - demasiado frouxa ou demasiado rígida, não puderam elevar-se até o nível de - complexidade organizacional da célula, e foram necessários unúmeros - desenvolvimentos evolutivos (desenvolvimentos de órgãos e aparelhos internos, - entre os quais o aparelho neurocerebral, o aparelho sexual, etc.) para que - organismos superiores atinjam novos níveis de complexidade. - - [...] - - Talvez -- talvez? -- toda mudança de escala, todo salto em direção a um - metassistema mais amplo deva apagar-se, num primeiro estádio, com uma pobreza - organizacional, misto de ordem rígida e de desordem destruidora, antes de - aparecerem as estruturas e emergências novas? E, neste sendido, estamos na era - de gênese uraniana de uma organização social que ainda não encontrou a - hipercomplexidade que torna possível a evolução cerebral pelo Homo sapiens (cf. - Morin, 1973, p. 206-209). - - Com efeito, parece possível conceber um progresso organizacional baseado na - regressão das especializações, das hierarquias, da centralização -- de onde a - regressão correlativa das subjugações/sujeições --, no desenvolvimento das - comunicações e confraternizações, no pleno emprego das qualidades estratégicas, - inventivas, criativas, ainda totalmente inibidas ou por desbastar na nossa - sociedade. - - -- 368-369 - -## Bios - -* Ser vivo gerador de acaso; liberdade, criatividade e eventualidade, 409. -* Autopoiese, 417. - -Trechos: - - Vimos que, para lá de um certo número de interações e de indeterdependências, - para lá de um certo grau de complicação, se torna impossível calcular e - conhecer os processos de um fenômeno. Niels Bohr formulara-o à sua maneira: - "É impossível efetuar medidas físicas e químicas completas sobre um - organismo sem matá-lo". - - -- 421 - -## Complexidade, lógica e contradição - -* Simples, simplicidade, simplificação na ciência, 432. - -Trechos: - - O pensamento complexo, animado pela dupla exigência de completude (não a - "totalidade", mas a não-mutilação) e de coesão, conduz num determinado momento - a uma brecha lógica: a contradição. Será necessário que um diktat lógico - exterior e abstrato condene a exigência de lógica interior que conduziu à - contradição? Não será antes necessário imaginar que o surgimento da contradição - opera a abertura súbita de uma cratera no discurso sob o impulso das camadas - profundas do real? - - -- 425 - - A lógica aristotélica corresponde à igualdade estática imediata das "coisas", - objetos sólidos como pedra ou mesa, recortados ou isolados no tempo e no - ambiente. O princípio do terceiro excluído e o princípio de identidade - concernem sistemas "fechados", que definimos não só sem referência ao seu - ambiente, mas também sem ter em conta o segundo princípio da termodinâmica, que - constitui um princípio de transformação interna dos sistemas fechados. Assim, - logo que se trata de sistema aberto, e singularmente de vida, "o princípio do - terceiro excluído de identidade define um ser empobrecido, separado entre meio - e indivíduo" (Simondon, 1964, p.17). - - Embora insuficientes para caracterizar as entidades complexas, esta lógica - permite-nos arrancar os seres ou objetos à confusão, identificá-los num - primeiro grau, e é necessária às operações seqüenciais do raciocínio - complexo. Repetimos: não só o raciocínio complexo deve ser coerente mas é a - sua própria coerência que conduz às contradições. - - Quando o pensamento simplificador encontra uma contradição que não pode ser - superada, volta atrás exclamando "erro'. O pensamento complexo aceita o - desafio das contradições. Não poderia ser, como a dialética, a "superação" - (Aufhebung) das contradições. É a sua desocultação, a sua evidenciação, - e recorre ao corpo-a-corpo com a contradição. - - [segue uma bela descrição sobre o surgimento de uma contradição] - - Daí em diante importa inverter o modo de pensamento simplificador que, - postulando a adequação absoluta entre a lógica e o real, opera de fato - a redução "idealista" do real à lógica. Temos de reconhecer que real - e lógico não se identificam totalmente. - - [...] - - Para o conhecimento complexo, a contradição não é somente o sinal de um absurdo - de pensamento. Pode tornar-se o detector de camadas profundas do real. - Constitui então já não o detector do erro e do falso mas o indício e o anúncio - do verdadeiro. - - [prossegue com uma bela fala sobre a lógica ilógica do vivo e o enriquecimento - do princípio de incerteza] - - [...] - - O pensamento não serve à lógica: serve-se dela. O problema é: como servir-se? - - -- 427-429 - -## Complexidade e simplicidade - -* Robotização do ser vivo pelo pensamento simplificador, 434. -* Marxismo, sistemismo e simplificação, 435. - -Trechos: - - A complexidade é a união da simplificação e da complexidade. - - [...] - - O pensamento complexo deve lutar contra a simplificação, utilizando-a - necessariamente. Existe sempre um duplo jogo no conhecimento complexo: - simplificar ----> complexificar. No duplo jogo, o complexo volta - \ / - ---------<--------´ - - incessantemente como pressão da complexidade real e consciência da - insuficiência dos nossos meios intelectuais diante do real (por isso, - o pensamento complexo é o pensamento modesto que se inclina diante - do impensável). - - -- 432-433 - - O esforço da complexidade é aleatório e difícil. [...] É porque - integra aquilo que desintegra o pensamento que ela vive [a estratégia - do pensamento complexo], como tudo quanto é vivo, à temperatura da - sua própria destruição. [isto é citado novamente na página 438] - - [...] - - A complexidade é um termo-chave. Mas não é uma palavra dominante. - - -- 435 - -## Viver - -* Simmel, 440. -* Simondon, 441. -* Von Neumann, jogo, 446. -* Organ, fervilhar ardentemente, 465. - -Trechos: - - O ser que nasce não pediu para viver, mas logo que nasce, só pede para viver. - Nenhum vivo quis viver, no entanto, todo o vivo quer viver. - - -- 438 - - A definição de Bichat: "A vida é o conjunto das funções que resistem à morte." - - [...] - - Atlan formula o princípio complementar e antagônico do princípio de Bichat: - "A vida é o conjunto das funções capazes de utilizar a morte" - (Atlan, 1979, p. 278) - - -- 439-440 - - Ninguém nasce só. Ninguém está só no mundo, no entanto cada um está só - no mundo. - - -- 442 - - Os destinos são diferentes, desiguais, incomensuráveis, que seria absurdo - hierquizá-lo (sic). Mas certamente existem vidas infernais: parasitas, - subjugadas, subdesenvolvidas, atrofiadas... - - -- 443 - -## Manipulação da vida - - A ação do homem sobre a vida começou desde a pré-história por domesticação, - sujeição, subjugação, e prosseguiu como manipulação através de hibridações - e cruzamentos. A manipulação alcança hoje o santuário dos genes. - - [...] - - Por um lado, há um ganho potencial de complexidade por elevação da produção - industrial do nível do artefato ao da organização viva. Existe redução - potencial do ser vivo ao estatuto do artefato e praticamente transformação - dos seres vivos em máquinas artificiais (já a criação industrial dos - porcinos e bovinos os transforma em puras e simples máquinas de fazer carne). - - Assim, a progressão do industrial tornado vivo corre o risco de ser uma - regressão da vida, que vai se tornando industrial, tornando-se a - bioindústria o prolongamento tecnossociológico da manipulação experimental - que trata os seres celulares e pluricelulares como agrupamentos de - peças soltas. - - Mais profunda e amplamente, está aberta a porta para a manipulação ilimitada - sobre a vida. Encontramo-nos no momento de uma tomada de poder decisiva. - Podemos imaginar, como me indica Gaston Richard, que os microorganismos - podem efetuar todas as operações naturais necessárias à nossa vida, inclusive - a fotossíntese, tornando assim obsoletas a nossa preocupação de preservar - ecossistemas: de onde a possibilidade de liquidação geral de todas as - espécies vegetais ou animais, deixando frente a frente, no Planeta Terra, - o homo e a Escherichia coli. - - [...] - - O novo poder sobre a vida será tão fundamentalmente controlador e tão - fundamentalmente incontrolador quanto foi a tomada de poder sobre a energia - atômica há quarenta anos. E concerne, mais íntima e fundamentalmente ainda, o - poder sobre o homem. - - -- 469-470 -- cgit v1.2.3