From b6c0ffcaf707ee1968a7f29021d20357692a84d0 Mon Sep 17 00:00:00 2001 From: Silvio Rhatto Date: Tue, 7 Aug 2018 10:05:58 -0300 Subject: Reorganization --- books/epistemology/metodo/4.md | 164 +++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++ 1 file changed, 164 insertions(+) create mode 100644 books/epistemology/metodo/4.md (limited to 'books/epistemology/metodo/4.md') diff --git a/books/epistemology/metodo/4.md b/books/epistemology/metodo/4.md new file mode 100644 index 0000000..df491ab --- /dev/null +++ b/books/epistemology/metodo/4.md @@ -0,0 +1,164 @@ +[[!meta title="O Método - Volume IV"]] + +[[!toc levels=4]] + +## Geral + +* Cultura como um megacomputador, 20. +* Pensamento e efervescência culturais na temperatura de sua própria destruição, 98. +* Metanível, metalógica, 248. + +## Cultura + + Assim, a cultura não é nem "superestrutura" nem "infra-estrutura", termos + impróprios em uma organização recursiva onde o que é produzido e gerado + torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera. + + [...] + + Se a cultura contém um saber coletivo acumulado em memória social, se é + portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão + de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a + _cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina cognitiva + cuja práxis é cognitiva_. + + -- 19 + + Nesse sentido, poder-se-ia dizer metaforicamente que a cultura de uma sociedade + é como uma espécie de megacomputador complexo que memoriza todos os dados + cognitivos e, portadora de quase-programas, prescreve as normas práticas, + éticas, políticas dessa sociedade. + + -- 20 + +## Efervescência cultural + + Por um lado, o imprinting, a normalização, a invariância, a reprodução. + Mas, por outro lado, os enfraquecimentos locais do imprinting, as brechas na + normalização, o surgimento de desvios, a evolução dos conhecimentos, as modificações + nas estruturas de reprodução. + + [...] + + Para tratar desses problemas, é preciso, antes de tudo, perguntar quais são as + possibilidades de enfraquecimento dos três níveis deterministas do _imprinting_ + cognitivo (paradigmas, doutrinas, estereótipos), bem como sobre as possibilidades + de falha ou atenuação da normalização. + + Em nossa opinião, são os seguintes: + + - a existência de vida cultural e intelectual dialógica; + - o "calor" cultural; + - a possibilidade de expressão de desvios. + + -- 33 + +## Conhecimento do conhecimento + + Assim, desembocamos em uma situação cognitiva ao mesmo tempo emaranhada e + circular: cada instância (sociologia, ciência, epistemologia) necessita das + outras para conhecer-se e legitimar-se e o círculo que poderia então se + constituir entre essas instâncias, cada uma dependendo da outra e recorrendo à + outra, constituiria então o metaponto de vista ao qual cada uma tentaria + referir-se. Aqui, só estamos no começo da elaboração do _grande anel cujo + circuito produtivo constituiria "o conhecimento do conhecimento_, isto é, o + conjunto complexo e rotativo dos metapontos de vista sobre o conhecimento; mas, + desde já, o anel restrito esboçado aqui nos permite entrever "o grade anel" + epistemológico ("o anel dos anéis"). + + -- 115 + +## O futuro do conhecimento + + Além disso, podemos perguntar se, na aurora do novo milênio, o próprio destino do + conhecimento humano não estará sendo novamente posto em jogo. + + Retomemos a metáfora do Grande Computador. + + Há, nas sociedades modernas e democráticas, uma relação extremamente complexa e + recursiva entre o Grande Computador e os indivíduos; estes não estão apenas + submetidos ao conhecimento próprio à sua cultura, mas são também sujeitos + cognoscíveis, cuja consciência individual está dotada de uma competência de princípio + para examinar idéias, decidir sobre a verdade e julgar problemas éticos correspondentes. + + Mas, alguma coisa está modificando-se no próprio modo das interações cognitivas que + tecem as relações sociais. O que chamamos de informática é, na realidade, a primeira + etapa, ainda bárbara e grosseira, de um sistema de computação/informação/comunicação + artificial que poderá revolucionar as relações do espírito com o cérebro, da sociedade + com os seus membros, do Estado com o indivíduo. Já se formam apêndices cerebrais artificiais, + coletivos ou pessoais (os computadores individuais) que dialogam com nossos espíritos, + comunicam-se uns com os outros e articulam-se cada vez mais no tecido social. + Estamos na aurora de um formidável desenvolvimento da cerebralidade artificial em redes e, + nesse sentido, estamos também no alvorecer de uma nova idade do conhecimento. + + Os processos em curso são profundamente ambivalentes e as perspectivas de futuro, incertas. + + Já vimos (na introdução de _La Méthode_ 1, p. 12-13) o problema do despojamento do direito + individual para integrar e refletir o conhecimento em proveito dos especialistas, + experts e bancos de dados. + + Acrescentemos: os desenvolvimentos das redes neurocerebrais artificiais, com seus + desdobramentos previsíveis (novas gerações de computadores "neuronais" aptos eventualmente + a reorganizar as regras dos programas, extensão e generalização do tecido informático + poli-tele-conectado), realizam-se segundo duas vias divergentes: + + - uma vai no sentido do desenvolvimento dos poderes individuais do conhecimento (poderes + operacionais, lógicos, heurísticos, acesso às fontes de dados, etc.) e das possibilidades + individuais de expressão, de transmissão, de diálogo; + + - a outra vai no sentido do desenvolvimento dos poderes de controle dos indivíduos pelas + administrações e pelo Estado. + + Ao mesmo tempo, o progresso no conhecimento bio-químico-físico do cérebro permitirá + a modificiação, via intervenções moleculares ou outras, dos processos mentais. + + Daí, ainda uma ambivalência no desenvolvimento desses poderes: + + - por um lado, o espírito individual poderia intervir no seu próprio cérebro para + modificar, enriquecer, exaltar os seus estados de consciência. + + - por outro lado, um novo poder totalitário poderia subjugar, _via_ manipulações + neurocerebrais, incluindo a interpretação dos dados sensoriais, a provocação ou + inibição das emoções, a elaboração dos projetos para o futuro. + + Assim, por um lado, o espírito poderia agir sobre o cérebro para desenvolver-se. + Por outro, a organização social poderia agir sobre o cérebro para controlar o + espírito. Por um lado, abrir-se-ia a possibilidade de dar vida aos "Mozart assassinados". + Por outro, afirmar-se-ia o reino do _Big Brother_. + + -- 121-123 + +## Noosfera + +Popper já havia dividido o universo humano em três mundos: + + 1. O mundo das coisas materiais exteriores. + 2. O mundo das experiências vividas. + 3. O mundo constituído pelas coisas do espírito, produtos culturais, linguagens, noções, + teorias, inclusive os conhecimento objetivos. Trata-se, de fato, de uma _noosfera_, + conforme o termo forjardo Teilhard de Chardin nos anos 20. Popper denominou-o + o "mundo três". + + [...] + + Pierre Auger chegou à idéia não tanto de um "terceiro mundo", no sentido de Popper, mas + de um terceiro reino, no sentido biológico do termo. Esse novo reino é "constituído por + organismos bem definidos, as idéias, que se reproduzem por multiplicações idênticas + nos meios constituídos pelos cérebros humanos, graças às reservas de ordem aí disponíveis". + As idéias são dotadas de vida própria porque dispõem, como os vírus, em um meio (cultural/cerebral) + favorável, da capacidade de autonutrição e de auto-reprodução. Assim, os cérebros humanos + e, acrescentemos, as culturas formam os ecossistemas do mundo das idéias. Auger constata + muito bem que não apenas as idéias, mas também os mitos e os deuses, vivem uma vida própria + no terceiro reino. + + -- 134-136 + + De minha parte, [...] convencido de que esse mundo certamente é um produto, mas um + produto recursivamente necessário à produção de seu próprio produtor antropossocial, + fui sensibilizado pela conepção de Auger/Monod que considerava a noosfera não mais como + um mundo abstrato de objetos ideias, mas como um mundo fervilhante de seres dispondo + de algumas das características essenciais dos seres biológicos; fui assim estimulado + a explorar o problema da autonomia relativa e da relação complexa (da simbiose à + exploração mútua) entre esses seres de espírito e os seres humanos. + + -- 136-137 -- cgit v1.2.3