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diff --git a/economics.mdwn b/economics.mdwn new file mode 100644 index 0000000..e5985d0 --- /dev/null +++ b/economics.mdwn @@ -0,0 +1,371 @@ +[[!meta title="A ajuda múltipla e o valor social"]] + +* Silvio Rhatto (rhatto em riseup.net). +* [Versão original](economics/valor-social.pdf) ([fonte](economics/valor-social.tex)). + +Procurando resolver um problema prático, este texto sistematiza uma +forma de promover a ajuda múltipla através de acordos sucessivos e +virais. Para auxiliar na sua compreensão, é definida uma forma de +cálculo do valor social e suas consequências são avaliadas. + +Motivação +========= + +Em geral, quando ajudamos alguém (principalmente quando ensinamos algo), +não há muita garantia que a pessoa ajudada passará a idéia pra frente, +seja ajudando outrem ou passando o conhecimento adiante. Mesmo em +coletivos horizontais, não-hierárquicos e baseados na ajuda mútua, não +há necessariamente uma cultura de passar para frente a ajuda recebida. +Por isso, estabelecemos neste texto uma sugestão de acordos de ajuda +múltipla tanto como proposta de prática e sobretudo como reflexão da +distância que os grupos sociais se encontram com relação a um regime de +dádivas e não-escassez. + +O acordo de ajuda múltipla +========================== + +Para fomentar o aumento da ajuda entre as pessoas, criaremos o conceito +de *ajuda múltipla* e proporemos um pequeno acordo padrão para o seu +estabelecimento. Pois bem: *ajuda múltipla é a forma de colaboração onde +uma ou mais pessoas (grupo A) auxiliam outras (grupo B) com a condição +de que estas últimas efetuem ajuda múltipla auxiliando outras pessoas +(grupo C).* Atente para o fato de que definição é *recursiva* (isto é, a +definição necessita de sua própria definição): uma ajuda múltipla seria, +por exemplo, Maria ajudar Lopes com a condição de que este ajude alguém +no futuro. Note que o grupo C pode ser composto pelas mesmas pessoas do +grupo A, mas não necessariamente: Lopes deve ajudar alguém, mas não +necessariamente Maria[^1]. + +Viralidade (ou potência) do acordo +---------------------------------- + +Estamos interessados/as na possibilidade da multiplicação da ajuda e, +para tanto, devemos melhorar nossa definição de ajuda múltipla: ajuda +múltipla é a forma de colaboração onde uma ou mais pessoas (grupo A) +auxiliam outras (grupo B) com a condição de que estas últimas efetuem +*pelo menos $v$ ajudas múltiplas* (onde $v$ é um número inteiro +positivo) auxiliando outras pessoas (grupo C, D, E, etc) com a condição +de que as próximas pessoas também pratiquem ajuda múltipla e assim por +diante. + +Nesta segunda definição, introduzimos o que chamaremos de *viralidade:* +não apenas a pessoa ajudada precisa participar de pelo menos mais $v$ +acordos de ajuda como as pessoas ajudadas por esses próximos $v$ acordos +precisam, após serem ajudadas, participarem como ajudantes em pelo menos +mais $v$ acordos[^2]. + +A idéia principal da viralidade é que ela representa o custo social de +uma ajuda: se recebo uma ajuda, devo retribuir não exatamente a quem me +ajuda mas a todo o grupo social, participando como ajudante em pelo +menos $v$ outros acordos. + +Por isso, os acordos não devem ser entendidos como moedas de troca: a +moeda abstrai e aliena as relações sociais – já que pode ser trocada – +enquanto que o acordo reforça e encoraja relações sociais. A moeda +conserva valor (uma vez que ela é criada, basta que circule)[^3]. Os +acordos, ao contrário, geram valor o tempo todo por causa de sua +viralidade. Eles criam valor social sem precisarem ser trocados, já que +eles se reproduzem. Assim, devem ser entendidos mais na lógica da dádiva +do que do contrato social. + +Modelo de acordo viral +---------------------- + +Na prática, convém termos um modelo de acordo para facilitar o +dia-a-dia: pessoas nos pedem ajuda e em geral precisamos dar uma +resposta rápida. Um modelo de acordo – onde o/a proponente pode ser +qualquer uma das partes envolvidas e os acordos podem ser de múltiplas +partes – deve ser simples e eficaz e por isso o texto do modelo de +acordo abaixo serve para criar pequenos acordos entre pessoas: + + Acordo de ajuda múltipla + ------------------------ + + O/a proponente/a deste acordo tem como objetivo multiplicar seus esforços de + ajuda. Para tal, é utilizado o princípio da reprodução viral de atividades + culturais. + + Neste acordo, as pessoas ajudantes concordam a ajudar as pessoas, doravante + denominadas como ajudadas, desde que as ajudadas concordem em participar como + ajudantes em pelo menos X próximos acordos deste mesmo tipo (nos quais, por sua + vez, as pessoas ajudadas deverão participar como ajudantes em pelo menos X + acordos deste mesmo tipo e assim sucessivamente). + + A copntrapartida não precisa ser necessariamente no mesmo teor da ajuda + prestada. + +Esse modelo de acordo não pretende apenas incentivar a iniciativa e o +protagonismo como também encorajar quem não ajuda ou não pede ajuda por +conta de algum receio. Não podemos também deixar de mencionar que estes +tipos de acordo só fazem sentido e apenas serão necessários enquanto a +ajuda mútua/múltipla não for uma prática cultural comum e generalizada, +quando então a prática descartará a necessidade de microacordos. + +O modelo acima é apenas uma sugestão: muitos outros podem ser feitos e +inclusive é possível ainda tornar tais acordos acopláveis em licenças de +manipulação de conteúdo. Desde que os acordos funcionem para criarem +valor no grupo social, tão melhor. Sugestões de melhoria desse modelo +seriam abrir margem para uma melhor definição de contrapartidas e +estipular um prazo para que o acordo seja cumprido. Sugerimos que ao +menos a simplicidade, a clareza e o tamanho reduzido do acordo sejam +preservados. + +O valor social +============== + +Como se comportaria um grupo social onde tal prática de acordos se +iniciasse ou fosse já endêmica? Para nos auxiliar nesta e noutras +perguntas, podemos recorrer a um mínimo de sistematização. Considerando +um grupo social de $m$ pessoas, podemos definir a função *valor social* +como sendo + +$$\label{eq:valor_draft} +S = \displaystyle\sum_{p=1}^{m}\frac{\left(p\ n_p\right)^{v}}{mr}$$ + +onde $n_p$ é a quantidade de acordos existentes envolvendo $p$ +pessoas[^4], cada acordo com viralidade[^5] $v$ e $r < m$ é o número de +pessoas que *poderiam*[^6] ter efetuado acordos mas que ficaram de fora +(isto é, não fizeram acordo nenhum). O valor social assim definido exibe +uma série de propriedades interessantes sob o ponto de vista das +interações sociais, que pode ser revelado pela simples análise das +componentes da somatória. + +Primeiramente, esse valor é uma propriedade do sistema social como um +todo e não de um ou outro indivíduo. Em segundo lugar, quanto mais +acordos envolvendo múltiplas partes, maior será o valor social: muitos +acordos entre poucas partes podem ter um peso menor do que poucos +acordos entre múltiplas partes. Um grupo social com muitos acordos de +múltiplas partes possui maior ação coletiva (maior participação +coletiva, maior coletividade) do que uma sociedade com acordos entre +apenas poucas partes. + +Já a quantidade $m$ de pessoas do grupo e o total $r$ de pessoas que não +participaram de nenhum tipo de acordo contribuem na diminuição do valor +social: se poucas pessoas (em relação ao total $m$) fazem acordo, temos +uma sociedade com pouca ajuda múltipla e, portanto, para que $S$ atinja +valores significativos, é preciso que $m$ se torne quantitativamente +menor em relação aos valores dos componentes $\left(p\ n_p\right)^{v}$. +O mesmo vale para $r$: os componentes devem ser mais significativos do +que a quantidade de pessoas que poderiam estar em acordos mas que +ficaram de fora, ou seja, $S$ leva em conta a inclusão ou exclusão +social da ação coletiva[^7]. + +Por fim, a viralidade potencializa a multiplicação de acordos: quanto +maior for a viralidade, maior é o valor dos acordos, pois cada acordo é +um acordo de ajuda futura e portanto de investimento na potencialidade +das ações coletivas. + +Poderíamos ter definido um valor social de outra forma, mas sabemos que +não há definição de valor que não haja um propósito e muito menos há uma +definição sob a qual todas as outras se reduzem: o valor é uma +propriedade definida pelo grupo social e deve servir a este: devemos +buscar definições e convenções de valor (ou também suas indefinições) +que nos sirvam. Não só acreditamos que esta teoria do valor sirva para +mostrar como a ajuda múltipla implica numa maior ação coletiva como +ainda exibe propriedades interessantíssimas do ponto de vista de +sistemas dinâmicos. + +Por simplificação, podemos reescrever a equação anterior como + +$$\label{eq:simples} +S = k\displaystyle\sum_{p=1}^{m}\left(p\ n_p\right)^{v}$$ + +onde $k = \frac{1}{mr}$. É claro que o valor de $k$ pode mudar num dado +grupo social – por exemplo: mais pessoas ingressando ou saindo do grupo +ou então com um aumento ou diminuição de protagonistas de acordos – mas +podemos considerá-lo como constante num dado momemto, ou seja, +$k = k(t)$ e independente de outras variáveis. + +O que realmente nos interessa agora, no entanto, é que chega um momento +em que o grupo social está com tantos acordos que, da forma como +definimos na equação [eq:simples], $S$ começa a crescer absurdamente e +já não passa a representar o valor efetivo de um corpo social onde a +ajuda múltipla se faz presente. Em outras palavras: chega um momento em +que as pessoas já estão tão endividadas de acordos a cumprir que mais +dívidas não afetarão consideravelmente no seu comportamento de ajuda +múltipla. Para refrear o crescimento indiscriminado de $S$, +redefiniremos nossa função como + +$$\label{eq:valor} +S = k\ ln\displaystyle\sum_{p=1}^{m}\left(p\ n_p\right)^{v}$$ + +onde $ln$ cumpre um amortecimento no crescimento da somatória, mostrando +que o valor efetivo do grupo cresce logaritmicamente: temos um rápido +crescimento do valor conforme os acordos se iniciam e se multiplicam e, +conforme o endividamento social cresce, a sociedade atinge patamares de +valor altos demais para que um maior acréscimo se torne significativo. + +Temos que, pela própria definição, $S$ é uma função de estado, uma vez +que, definido um grupo social e suas interações a partir das variáveis +$n$, $m$, $v$, $r$, etc, temos que $S$ é um indicativo do estado do +sistema – indicando, por exemplo, se ele possui mais ou menos acordos (e +qual a potência e alcance dos acordos) do que outro grupo social +igualmente caracterizado. Além disso, obedece a + +$$\frac{dS}{dt} \geq 0$$ + +Portanto, chamaremos nossa última definição de $S$ (equação [eq:valor]) +como *entropia econômica do grupo social*. Tal entropia mede, +inicialmente, *o grau de endividamento do corpo social*. O endividamento +é então a única forma de acúmulo possível: uma vez que alguém ajuda +outrem, não é essa pessoa que detém um crédito: muito pelo contrário, as +pessoas ajudadas contraem uma dívida com todo o corpo social, já que os +acordos estipulam que a pessoa ajudada deve ajudar qualquer outra pessoa +e não necessariamente quem a ajudou. + +A entropia tem sido fonte de controversias e mal-entendidos quanto à sua +interpretação. Pela nossa definição, temos que uma entropia maior se +deve exclusivamente a um aumento da complexidade do sistema social, +complexidade que medimos utilizando um conjunto de variáveis que +consideramos como características do sistema[^8] que de algum modo +representam o seu estado. Aqui, utilizamos número de acordos, viralidade +dos acordos, etc, o que caracteriza uma abordagem de *granulação +grosseira*, ou seja, de baixa resolução. Um cálculo de valor com maior +resolução deveria levar em consideração, por exemplo, os acordos +separadamente ao invés de agrupá-los por partes envolvidas. + +Descontrole social +================== + +Esta se torna então uma teoria do descontrole social: o aumento da +entropia é, aqui, não só benéfica como desejável, já que ela indica um +aumento do número de interações. Se nas teorias do controle a entropia +tem um aumento indesejável, aqui se torna o comportamento almejado. + +Sendo os acordos diretos, isto é, não mediados, temos ainda mais +descontrole: é importantíssimo que tais acordos não sejam mediados por +bancos de dados. Por banco de dados entendemos qualquer iniciativa de +tentar *efetivamente* calcular $S$ para um dado grupo social (e não o +registro pessoal que cada indivíduo mantiver a respeitodos acordos que +participou). A mera existência de um banco de dados centralizado capaz +de calcular a cada instante o valor social tem os seguintes riscos: + +- Dá margens para o estabelecimento de controles sociais com a + identificação das pessoas mais protagonistas (que participam de mais + acordos), das pessoas mais prestativas (as que mais ajudam), as que + mais são ajudadas e as que menos contribuem com ações coletivas, + possibilitando assim represálias, etc. + +- Se, por um lado, o banco de dados “facilita” a busca de pessoas que + querem ajuda e que podem ajudar, por outro diminuem a necessidade + das pessoas de travarem contato pessoal para iniciarem seus acordos, + já que o banco de dados detecta e aproxima as pessoas + automaticamente. + +- Acredita-se que seja de interesse do grupo social que a prática da + ajuda múltipla faça parte da sua cultura e não uma dependência do + banco de dados (o que seria um culto ao banco de dados). + +É com esse sentido de oposição aos bancos de dados que estabelecemos o +conceito de valor social: não nos interessa calcular efetivamente o +valor de $S$ para um dado grupo social e muito menos caracterizar cada +grupo em função desses parâmetros, o que além de policialesco não +representa o real valor social do grupo (afinal, nem discutimos as +diferenças qualitativas de cada acordo). Queremos, ao contrário, mostrar +*como se comporta* um grupo social adepto de acordos virais de ajuda +múltipla. Podemos resumir isso com a seguinte expressão: *criamos um +cálculo para auxiliar na compreensão o valor social mas jamais queremos +que ele seja usado para quaintificá-lo*, mesmo porque muitos valores +escapam da fórmula que estabelecemos. Não necessitamos de um banco +porque, na ajuda múltipla, o sistema bancário já emerge do próprio +tecido social. + +Desdobramentos +============== + +Não sabemos os desdobramentos desta teoria do valor e desta prática de +acordos aqui sugeridas. Num primeiro momento, podemos vislumbrar que, no +limite desta teoria, o endividamento excessivo devido a acordos deve +produzir uma prática social indistinguível de uma economia de dádivas +onde não há expectativa de retribuição direta ou o uso da dádiva como +demonstração de poder[^9]. No caso da pedagogia também podemos +vislumbrar um ótimo uso da ajuda múltipla: pessoas que aprenderam algo +podem ensinar para outras, multiplicando o conhecimento ao invés de +sempre recorrerem aos luminares do saber. + +Por outro lado, a existência e a propagação dos acordos pressupõem um +grupo social pertencente a redes de relacionamentos afins, o que em +certo sentido limita a aplicação da ajuda múltipla: e quem não participa +da rede? E no caso de grupos em conflito interno? + +Estas são apenas sugestões de desdobramentos possíveis: convidamos todas +as pessoas que queiram contribuir para a análise de regimes econômicos +fora do mercado para que pensem conjuntamente no que aqui foi meramente +delineado. A experimentação também é encorajada: sem ela, toda esta de +discussão não passa de uma teoria descolada dos grupos sociais. + +Distribuição deste texto +======================== + +Este texto é manipulável segundo a *Licença de Manipulação de +Informações do Coletivo Saravá*, disponível também em +*http://www.sarava.org/copyleft* e que atribui ao detentor/a da +informação as seguintes liberdades: + +1. A liberdade de armazenar a informação. + +2. A liberdade de manipular a informação. + +3. A liberdade de distribuir a informação, modificada ou não. + +Com as seguintes observações: + +1. Desde que esta licença acompanhe a informação. + +2. Desde que para fins não-comerciais. + +3. Desde que a fonte seja citada. + +4. Caso o conteúdo seja distribuído por você, o Coletivo Saravá deve + ser notificado antecipadamente (sarava em lists.riseup.net). + +5. Caso ocorra uma modificação, distribuir a informação modificada e + notificar antecipadamente o Coletivo Saravá. + +6. O Coletivo Saravá pode a qualquer momento revogar o licenciamento da + informação para uma determinada pessoa ou entidade. + +[^1]: Notar que esta definição de ajuda múltipla não é necessariamente + equivalente à de ajuda mútua utilizada em muitos estudos sobre + economia da dádiva: em alguns deles, a ajuda mútua ocorre quando + cada uma das partes envolvidas no acordo deve se ajudar + reciprocamente, enquanto que na ajuda múltipla isso não é + necessário. Não pretendemos neste texto sugerir a suposta + superioridade do conceito de ajuda múltipla sobre a ajuda mútua. + Muito pelo contrário: na falta de um devido estudo sobre a + literatura existente, preferimos utilizar um termo distinto da ajuda + ou apoio mútuo (mas que eventualmente possa ter o mesmo + significado). + +[^2]: É claro que o valores de $v$ podem ser estipulados em cada acordo. + +[^3]: Por *conservar valor* não queremos dizer que a moeda não sofre + valorização e desvalorização, mas sim que a moeda “congela” + trabalho. + +[^4]: Começamos nossa somatória com $p = 1$ pois, apesar de ser um caso + em princípio bizarro (uma pessoa fazendo acordo consigo mesmo), não + deixa de ser uma possibilidade: posso, por exemplo, fazer um acordo + comigo mesmo e, caso o cumpra, ajudarei mais pessoas, sendo caso + clássico disso é a solidariedade de ex-viciados, por exemplo. Outro + argumento para manter $p = 1$ é a simplicidade. + +[^5]: Poderíamos, é claro, supor um sistema onde cada acordo tivesse uma + viralidade $v$ própria, mas a complexidade do cálculo seria + desnecessária para esta primeira exposição do assunto. + +[^6]: Que fique claro: $r$ não inclui pessoas que não podem ajudar, mas + apenas as que podem mas que ficaram de fora dos acordos. + +[^7]: Alternativamente, poderíamos definir o divisor como $m^r$ ao invés + de $mr$, o que faria com que $S$ fosse muito mais sensível à + inclusão ou exclusão social. Optamos, no entanto, por uma abordagem + em que $m$ e $r$ contribuem com igual teor. + +[^8]: Num sistema mais próximo da realidade teríamos trocentas outras + variáveis. + +[^9]: O uso da dádiva como demonstração de poder seria, por exemplo uma + pessoa com mais recursos dar um presente a outra com menos recursos + de forma que seja causado um vínculo de relação seja paternalista, + humilhante, etc. diff --git a/economics/valor-social.tex b/economics/valor-social.tex index 9cdfc9f..9bbd69b 100644 --- a/economics/valor-social.tex +++ b/economics/valor-social.tex @@ -10,148 +10,148 @@ \setlength\oddsidemargin{0in} \setlength\evensidemargin{0in} -\title{A ajuda mltipla e o valor social} +\title{A ajuda múltipla e o valor social} \author{Silvio Rhatto (rhatto em riseup.net)} \begin{document}\label{start} \maketitle \begin{abstract} -Procurando resolver um problema prtico, este texto sistematiza uma forma de promover a ajuda mltipla atravs de acordos sucessivos e virais. Para auxiliar na sua compreenso, definida uma forma de clculo do valor social e suas consequncias so avaliadas. +Procurando resolver um problema prático, este texto sistematiza uma forma de promover a ajuda múltipla através de acordos sucessivos e virais. Para auxiliar na sua compreensão, é definida uma forma de cálculo do valor social e suas consequências são avaliadas. \end{abstract} -\section{Motivao} +\section{Motivação} -Em geral, quando ajudamos algum (principalmente quando ensinamos algo), no h muita garantia que a pessoa ajudada passar a idia pra frente, seja ajudando outrem ou passando o conhecimento adiante. Mesmo em coletivos horizontais, no-hierrquicos e baseados na ajuda mtua, no h necessariamente uma cultura de passar para frente a ajuda recebida. Por isso, estabelecemos neste texto uma sugesto de acordos de ajuda mltipla tanto como proposta de prtica e sobretudo como reflexo da distncia que os grupos sociais se encontram com relao a um regime de ddivas e no-escassez. +Em geral, quando ajudamos alguém (principalmente quando ensinamos algo), não há muita garantia que a pessoa ajudada passará a idéia pra frente, seja ajudando outrem ou passando o conhecimento adiante. Mesmo em coletivos horizontais, não-hierárquicos e baseados na ajuda mútua, não há necessariamente uma cultura de passar para frente a ajuda recebida. Por isso, estabelecemos neste texto uma sugestão de acordos de ajuda múltipla tanto como proposta de prática e sobretudo como reflexão da distância que os grupos sociais se encontram com relação a um regime de dádivas e não-escassez. -\section{O acordo de ajuda mltipla} +\section{O acordo de ajuda múltipla} -Para fomentar o aumento da ajuda entre as pessoas, criaremos o conceito de \emph{ajuda mltipla} e proporemos um pequeno acordo padro para o seu estabelecimento. Pois bem: \emph{ajuda mltipla a forma de colaborao onde uma ou mais pessoas (grupo A) auxiliam outras (grupo B) com a condio de que estas ltimas efetuem ajuda mltipla auxiliando outras pessoas (grupo C)}. Atente para o fato de que definio \emph{recursiva} (isto , a definio necessita de sua prpria definio): uma ajuda mltipla seria, por exemplo, Maria ajudar Lopes com a condio de que este ajude algum no futuro. Note que o grupo C pode ser composto pelas mesmas pessoas do grupo A, mas no necessariamente: Lopes deve ajudar algum, mas no necessariamente Maria\footnote{Notar que esta definio de ajuda mltipla no necessariamente equivalente de ajuda mtua utilizada em muitos estudos sobre economia da ddiva: em alguns deles, a ajuda mtua ocorre quando cada uma das partes envolvidas no acordo deve se ajudar reciprocamente, enquanto que na ajuda mltipla isso no necessrio. No pretendemos neste texto sugerir a suposta superioridade do conceito de ajuda mltipla sobre a ajuda mtua. Muito pelo contrrio: na falta de um devido estudo sobre a literatura existente, preferimos utilizar um termo distinto da ajuda ou apoio mtuo (mas que eventualmente possa ter o mesmo significado).}. +Para fomentar o aumento da ajuda entre as pessoas, criaremos o conceito de \emph{ajuda múltipla} e proporemos um pequeno acordo padrão para o seu estabelecimento. Pois bem: \emph{ajuda múltipla é a forma de colaboração onde uma ou mais pessoas (grupo A) auxiliam outras (grupo B) com a condição de que estas últimas efetuem ajuda múltipla auxiliando outras pessoas (grupo C)}. Atente para o fato de que definição é \emph{recursiva} (isto é, a definição necessita de sua própria definição): uma ajuda múltipla seria, por exemplo, Maria ajudar Lopes com a condição de que este ajude alguém no futuro. Note que o grupo C pode ser composto pelas mesmas pessoas do grupo A, mas não necessariamente: Lopes deve ajudar alguém, mas não necessariamente Maria\footnote{Notar que esta definição de ajuda múltipla não é necessariamente equivalente à de ajuda mútua utilizada em muitos estudos sobre economia da dádiva: em alguns deles, a ajuda mútua ocorre quando cada uma das partes envolvidas no acordo deve se ajudar reciprocamente, enquanto que na ajuda múltipla isso não é necessário. Não pretendemos neste texto sugerir a suposta superioridade do conceito de ajuda múltipla sobre a ajuda mútua. Muito pelo contrário: na falta de um devido estudo sobre a literatura existente, preferimos utilizar um termo distinto da ajuda ou apoio mútuo (mas que eventualmente possa ter o mesmo significado).}. -\subsection{Viralidade (ou potncia) do acordo} +\subsection{Viralidade (ou potência) do acordo} -Estamos interessados/as na possibilidade da multiplicao da ajuda e, para tanto, devemos melhorar nossa definio de ajuda mltipla: ajuda mltipla a forma de colaborao onde uma ou mais pessoas (grupo A) auxiliam outras (grupo B) com a condio de que estas ltimas efetuem \emph{pelo menos $v$ ajudas mltiplas} (onde $v$ um nmero inteiro positivo) auxiliando outras pessoas (grupo C, D, E, etc) com a condio de que as prximas pessoas tambm pratiquem ajuda mltipla e assim por diante. +Estamos interessados/as na possibilidade da multiplicação da ajuda e, para tanto, devemos melhorar nossa definição de ajuda múltipla: ajuda múltipla é a forma de colaboração onde uma ou mais pessoas (grupo A) auxiliam outras (grupo B) com a condição de que estas últimas efetuem \emph{pelo menos $v$ ajudas múltiplas} (onde $v$ é um número inteiro positivo) auxiliando outras pessoas (grupo C, D, E, etc) com a condição de que as próximas pessoas também pratiquem ajuda múltipla e assim por diante. -Nesta segunda definio, introduzimos o que chamaremos de \emph{viralidade}: no apenas a pessoa ajudada precisa participar de pelo menos mais $v$ acordos de ajuda como as pessoas ajudadas por esses prximos $v$ acordos precisam, aps serem ajudadas, participarem como ajudantes em pelo menos mais $v$ acordos\footnote{ claro que o valores de $v$ podem ser estipulados em cada acordo.}. +Nesta segunda definição, introduzimos o que chamaremos de \emph{viralidade}: não apenas a pessoa ajudada precisa participar de pelo menos mais $v$ acordos de ajuda como as pessoas ajudadas por esses próximos $v$ acordos precisam, após serem ajudadas, participarem como ajudantes em pelo menos mais $v$ acordos\footnote{É claro que o valores de $v$ podem ser estipulados em cada acordo.}. -A idia principal da viralidade que ela representa o custo social de uma ajuda: se recebo uma ajuda, devo retribuir no exatamente a quem me ajuda mas a todo o grupo social, participando como ajudante em pelo menos $v$ outros acordos. +A idéia principal da viralidade é que ela representa o custo social de uma ajuda: se recebo uma ajuda, devo retribuir não exatamente a quem me ajuda mas a todo o grupo social, participando como ajudante em pelo menos $v$ outros acordos. -Por isso, os acordos no devem ser entendidos como moedas de troca: a moeda abstrai e aliena as relaes sociais -- j que pode ser trocada -- enquanto que o acordo refora e encoraja relaes sociais. A moeda conserva valor (uma vez que ela criada, basta que circule)\footnote{Por \emph{conservar valor} no queremos dizer que a moeda no sofre valorizao e desvalorizao, mas sim que a moeda ``congela'' trabalho.}. Os acordos, ao contrrio, geram valor o tempo todo por causa de sua viralidade. Eles criam valor social sem precisarem ser trocados, j que eles se reproduzem. Assim, devem ser entendidos mais na lgica da ddiva do que do contrato social. +Por isso, os acordos não devem ser entendidos como moedas de troca: a moeda abstrai e aliena as relações sociais -- já que pode ser trocada -- enquanto que o acordo reforça e encoraja relações sociais. A moeda conserva valor (uma vez que ela é criada, basta que circule)\footnote{Por \emph{conservar valor} não queremos dizer que a moeda não sofre valorização e desvalorização, mas sim que a moeda ``congela'' trabalho.}. Os acordos, ao contrário, geram valor o tempo todo por causa de sua viralidade. Eles criam valor social sem precisarem ser trocados, já que eles se reproduzem. Assim, devem ser entendidos mais na lógica da dádiva do que do contrato social. \subsection{Modelo de acordo viral} -Na prtica, convm termos um modelo de acordo para facilitar o dia-a-dia: pessoas nos pedem ajuda e em geral precisamos dar uma resposta rpida. Um modelo de acordo -- onde o/a proponente pode ser qualquer uma das partes envolvidas e os acordos podem ser de mltiplas partes -- deve ser simples e eficaz e por isso o texto do modelo de acordo abaixo serve para criar pequenos acordos entre pessoas: +Na prática, convém termos um modelo de acordo para facilitar o dia-a-dia: pessoas nos pedem ajuda e em geral precisamos dar uma resposta rápida. Um modelo de acordo -- onde o/a proponente pode ser qualquer uma das partes envolvidas e os acordos podem ser de múltiplas partes -- deve ser simples e eficaz e por isso o texto do modelo de acordo abaixo serve para criar pequenos acordos entre pessoas: \begin{verbatim} -Acordo de ajuda mltipla +Acordo de ajuda múltipla ------------------------ -O/a proponente/a deste acordo tem como objetivo multiplicar seus esforos de -ajuda. Para tal, utilizado o princpio da reproduo viral de atividades +O/a proponente/a deste acordo tem como objetivo multiplicar seus esforços de +ajuda. Para tal, é utilizado o princípio da reprodução viral de atividades culturais. Neste acordo, as pessoas ajudantes concordam a ajudar as pessoas, doravante denominadas como ajudadas, desde que as ajudadas concordem em participar como -ajudantes em pelo menos X prximos acordos deste mesmo tipo (nos quais, por sua -vez, as pessoas ajudadas devero participar como ajudantes em pelo menos X +ajudantes em pelo menos X próximos acordos deste mesmo tipo (nos quais, por sua +vez, as pessoas ajudadas deverão participar como ajudantes em pelo menos X acordos deste mesmo tipo e assim sucessivamente). -A copntrapartida no precisa ser necessariamente no mesmo teor da ajuda +A copntrapartida não precisa ser necessariamente no mesmo teor da ajuda prestada. \end{verbatim} -Esse modelo de acordo no pretende apenas incentivar a iniciativa e o protagonismo como tambm encorajar quem no ajuda ou no pede ajuda por conta de algum receio. No podemos tambm deixar de mencionar que estes tipos de acordo s fazem sentido e apenas sero necessrios enquanto a ajuda mtua/mltipla no for uma prtica cultural comum e generalizada, quando ento a prtica descartar a necessidade de microacordos. +Esse modelo de acordo não pretende apenas incentivar a iniciativa e o protagonismo como também encorajar quem não ajuda ou não pede ajuda por conta de algum receio. Não podemos também deixar de mencionar que estes tipos de acordo só fazem sentido e apenas serão necessários enquanto a ajuda mútua/múltipla não for uma prática cultural comum e generalizada, quando então a prática descartará a necessidade de microacordos. -O modelo acima apenas uma sugesto: muitos outros podem ser feitos e inclusive possvel ainda tornar tais acordos acoplveis em licenas de manipulao de contedo. Desde que os acordos funcionem para criarem valor no grupo social, to melhor. Sugestes de melhoria desse modelo seriam abrir margem para uma melhor definio de contrapartidas e estipular um prazo para que o acordo seja cumprido. Sugerimos que ao menos a simplicidade, a clareza e o tamanho reduzido do acordo sejam preservados. +O modelo acima é apenas uma sugestão: muitos outros podem ser feitos e inclusive é possível ainda tornar tais acordos acopláveis em licenças de manipulação de conteúdo. Desde que os acordos funcionem para criarem valor no grupo social, tão melhor. Sugestões de melhoria desse modelo seriam abrir margem para uma melhor definição de contrapartidas e estipular um prazo para que o acordo seja cumprido. Sugerimos que ao menos a simplicidade, a clareza e o tamanho reduzido do acordo sejam preservados. \section{O valor social} -Como se comportaria um grupo social onde tal prtica de acordos se iniciasse ou fosse j endmica? Para nos auxiliar nesta e noutras perguntas, podemos recorrer a um mnimo de sistematizao. Considerando um grupo social de $m$ pessoas, podemos definir a funo \emph{valor social} como sendo +Como se comportaria um grupo social onde tal prática de acordos se iniciasse ou fosse já endêmica? Para nos auxiliar nesta e noutras perguntas, podemos recorrer a um mínimo de sistematização. Considerando um grupo social de $m$ pessoas, podemos definir a função \emph{valor social} como sendo \begin{equation} \label{eq:valor_draft} S = \displaystyle\sum_{p=1}^{m}\frac{\left(p\ n_p\right)^{v}}{mr} \end{equation} -onde $n_p$ a quantidade de acordos existentes envolvendo $p$ pessoas\footnote{Comeamos nossa somatria com $p = 1$ pois, apesar de ser um caso em princpio bizarro (uma pessoa fazendo acordo consigo mesmo), no deixa de ser uma possibilidade: posso, por exemplo, fazer um acordo comigo mesmo e, caso o cumpra, ajudarei mais pessoas, sendo caso clssico disso a solidariedade de ex-viciados, por exemplo. Outro argumento para manter $p = 1$ a simplicidade.}, cada acordo com viralidade\footnote{Poderamos, claro, supor um sistema onde cada acordo tivesse uma viralidade $v$ prpria, mas a complexidade do clculo seria desnecessria para esta primeira exposio do assunto.} $v$ e $r < m$ o nmero de pessoas que \emph{poderiam}\footnote{Que fique claro: $r$ no inclui pessoas que no podem ajudar, mas apenas as que podem mas que ficaram de fora dos acordos.} ter efetuado acordos mas que ficaram de fora (isto , no fizeram acordo nenhum). O valor social assim definido exibe uma srie de propriedades interessantes sob o ponto de vista das interaes sociais, que pode ser revelado pela simples anlise das componentes da somatria. +onde $n_p$ é a quantidade de acordos existentes envolvendo $p$ pessoas\footnote{Começamos nossa somatória com $p = 1$ pois, apesar de ser um caso em princípio bizarro (uma pessoa fazendo acordo consigo mesmo), não deixa de ser uma possibilidade: posso, por exemplo, fazer um acordo comigo mesmo e, caso o cumpra, ajudarei mais pessoas, sendo caso clássico disso é a solidariedade de ex-viciados, por exemplo. Outro argumento para manter $p = 1$ é a simplicidade.}, cada acordo com viralidade\footnote{Poderíamos, é claro, supor um sistema onde cada acordo tivesse uma viralidade $v$ própria, mas a complexidade do cálculo seria desnecessária para esta primeira exposição do assunto.} $v$ e $r < m$ é o número de pessoas que \emph{poderiam}\footnote{Que fique claro: $r$ não inclui pessoas que não podem ajudar, mas apenas as que podem mas que ficaram de fora dos acordos.} ter efetuado acordos mas que ficaram de fora (isto é, não fizeram acordo nenhum). O valor social assim definido exibe uma série de propriedades interessantes sob o ponto de vista das interações sociais, que pode ser revelado pela simples análise das componentes da somatória. -Primeiramente, esse valor uma propriedade do sistema social como um todo e no de um ou outro indivduo. Em segundo lugar, quanto mais acordos envolvendo mltiplas partes, maior ser o valor social: muitos acordos entre poucas partes podem ter um peso menor do que poucos acordos entre mltiplas partes. Um grupo social com muitos acordos de mltiplas partes possui maior ao coletiva (maior participao coletiva, maior coletividade) do que uma sociedade com acordos entre apenas poucas partes. +Primeiramente, esse valor é uma propriedade do sistema social como um todo e não de um ou outro indivíduo. Em segundo lugar, quanto mais acordos envolvendo múltiplas partes, maior será o valor social: muitos acordos entre poucas partes podem ter um peso menor do que poucos acordos entre múltiplas partes. Um grupo social com muitos acordos de múltiplas partes possui maior ação coletiva (maior participação coletiva, maior coletividade) do que uma sociedade com acordos entre apenas poucas partes. -J a quantidade $m$ de pessoas do grupo e o total $r$ de pessoas que no participaram de nenhum tipo de acordo contribuem na diminuio do valor social: se poucas pessoas (em relao ao total $m$) fazem acordo, temos uma sociedade com pouca ajuda mltipla e, portanto, para que $S$ atinja valores significativos, preciso que $m$ se torne quantitativamente menor em relao aos valores dos componentes $\left(p\ n_p\right)^{v}$. O mesmo vale para $r$: os componentes devem ser mais significativos do que a quantidade de pessoas que poderiam estar em acordos mas que ficaram de fora, ou seja, $S$ leva em conta a incluso ou excluso social da ao coletiva\footnote{Alternativamente, poderamos definir o divisor como $m^r$ ao invs de $mr$, o que faria com que $S$ fosse muito mais sensvel incluso ou excluso social. Optamos, no entanto, por uma abordagem em que $m$ e $r$ contribuem com igual teor.}. +Já a quantidade $m$ de pessoas do grupo e o total $r$ de pessoas que não participaram de nenhum tipo de acordo contribuem na diminuição do valor social: se poucas pessoas (em relação ao total $m$) fazem acordo, temos uma sociedade com pouca ajuda múltipla e, portanto, para que $S$ atinja valores significativos, é preciso que $m$ se torne quantitativamente menor em relação aos valores dos componentes $\left(p\ n_p\right)^{v}$. O mesmo vale para $r$: os componentes devem ser mais significativos do que a quantidade de pessoas que poderiam estar em acordos mas que ficaram de fora, ou seja, $S$ leva em conta a inclusão ou exclusão social da ação coletiva\footnote{Alternativamente, poderíamos definir o divisor como $m^r$ ao invés de $mr$, o que faria com que $S$ fosse muito mais sensível à inclusão ou exclusão social. Optamos, no entanto, por uma abordagem em que $m$ e $r$ contribuem com igual teor.}. -Por fim, a viralidade potencializa a multiplicao de acordos: quanto maior for a viralidade, maior o valor dos acordos, pois cada acordo um acordo de ajuda futura e portanto de investimento na potencialidade das aes coletivas. +Por fim, a viralidade potencializa a multiplicação de acordos: quanto maior for a viralidade, maior é o valor dos acordos, pois cada acordo é um acordo de ajuda futura e portanto de investimento na potencialidade das ações coletivas. -Poderamos ter definido um valor social de outra forma, mas sabemos que no h definio de valor que no haja um propsito e muito menos h uma definio sob a qual todas as outras se reduzem: o valor uma propriedade definida pelo grupo social e deve servir a este: devemos buscar definies e convenes de valor (ou tambm suas indefinies) que nos sirvam. No s acreditamos que esta teoria do valor sirva para mostrar como a ajuda mltipla implica numa maior ao coletiva como ainda exibe propriedades interessantssimas do ponto de vista de sistemas dinmicos. +Poderíamos ter definido um valor social de outra forma, mas sabemos que não há definição de valor que não haja um propósito e muito menos há uma definição sob a qual todas as outras se reduzem: o valor é uma propriedade definida pelo grupo social e deve servir a este: devemos buscar definições e convenções de valor (ou também suas indefinições) que nos sirvam. Não só acreditamos que esta teoria do valor sirva para mostrar como a ajuda múltipla implica numa maior ação coletiva como ainda exibe propriedades interessantíssimas do ponto de vista de sistemas dinâmicos. -Por simplificao, podemos reescrever a equao anterior como +Por simplificação, podemos reescrever a equação anterior como \begin{equation} \label{eq:simples} S = k\displaystyle\sum_{p=1}^{m}\left(p\ n_p\right)^{v} \end{equation} -onde $k = \frac{1}{mr}$. claro que o valor de $k$ pode mudar num dado grupo social -- por exemplo: mais pessoas ingressando ou saindo do grupo ou ento com um aumento ou diminuio de protagonistas de acordos -- mas podemos consider-lo como constante num dado momemto, ou seja, $k = k(t)$ e independente de outras variveis. +onde $k = \frac{1}{mr}$. É claro que o valor de $k$ pode mudar num dado grupo social -- por exemplo: mais pessoas ingressando ou saindo do grupo ou então com um aumento ou diminuição de protagonistas de acordos -- mas podemos considerá-lo como constante num dado momemto, ou seja, $k = k(t)$ e independente de outras variáveis. -O que realmente nos interessa agora, no entanto, que chega um momento em que o grupo social est com tantos acordos que, da forma como definimos na equao \ref{eq:simples}, $S$ comea a crescer absurdamente e j no passa a representar o valor efetivo de um corpo social onde a ajuda mltipla se faz presente. Em outras palavras: chega um momento em que as pessoas j esto to endividadas de acordos a cumprir que mais dvidas no afetaro consideravelmente no seu comportamento de ajuda mltipla. Para refrear o crescimento indiscriminado de $S$, redefiniremos nossa funo como +O que realmente nos interessa agora, no entanto, é que chega um momento em que o grupo social está com tantos acordos que, da forma como definimos na equação \ref{eq:simples}, $S$ começa a crescer absurdamente e já não passa a representar o valor efetivo de um corpo social onde a ajuda múltipla se faz presente. Em outras palavras: chega um momento em que as pessoas já estão tão endividadas de acordos a cumprir que mais dívidas não afetarão consideravelmente no seu comportamento de ajuda múltipla. Para refrear o crescimento indiscriminado de $S$, redefiniremos nossa função como \begin{equation} \label{eq:valor} S = k\ ln\displaystyle\sum_{p=1}^{m}\left(p\ n_p\right)^{v} \end{equation} -onde $ln$ cumpre um amortecimento no crescimento da somatria, mostrando que o valor efetivo do grupo cresce logaritmicamente: temos um rpido crescimento do valor conforme os acordos se iniciam e se multiplicam e, conforme o endividamento social cresce, a sociedade atinge patamares de valor altos demais para que um maior acrscimo se torne significativo. +onde $ln$ cumpre um amortecimento no crescimento da somatória, mostrando que o valor efetivo do grupo cresce logaritmicamente: temos um rápido crescimento do valor conforme os acordos se iniciam e se multiplicam e, conforme o endividamento social cresce, a sociedade atinge patamares de valor altos demais para que um maior acréscimo se torne significativo. -Temos que, pela prpria definio, $S$ uma funo de estado, uma vez que, definido um grupo social e suas interaes a partir das variveis $n$, $m$, $v$, $r$, etc, temos que $S$ um indicativo do estado do sistema -- indicando, por exemplo, se ele possui mais ou menos acordos (e qual a potncia e alcance dos acordos) do que outro grupo social igualmente caracterizado. Alm disso, obedece a +Temos que, pela própria definição, $S$ é uma função de estado, uma vez que, definido um grupo social e suas interações a partir das variáveis $n$, $m$, $v$, $r$, etc, temos que $S$ é um indicativo do estado do sistema -- indicando, por exemplo, se ele possui mais ou menos acordos (e qual a potência e alcance dos acordos) do que outro grupo social igualmente caracterizado. Além disso, obedece a \begin{equation} \frac{dS}{dt} \geq 0 \end{equation} -Portanto, chamaremos nossa ltima definio de $S$ (equao \ref{eq:valor}) como \emph{entropia econmica do grupo social}. Tal entropia mede, inicialmente, \emph{o grau de endividamento do corpo social}. O endividamento ento a nica forma de acmulo possvel: uma vez que algum ajuda outrem, no essa pessoa que detm um crdito: muito pelo contrrio, as pessoas ajudadas contraem uma dvida com todo o corpo social, j que os acordos estipulam que a pessoa ajudada deve ajudar qualquer outra pessoa e no necessariamente quem a ajudou. +Portanto, chamaremos nossa última definição de $S$ (equação \ref{eq:valor}) como \emph{entropia econômica do grupo social}. Tal entropia mede, inicialmente, \emph{o grau de endividamento do corpo social}. O endividamento é então a única forma de acúmulo possível: uma vez que alguém ajuda outrem, não é essa pessoa que detém um crédito: muito pelo contrário, as pessoas ajudadas contraem uma dívida com todo o corpo social, já que os acordos estipulam que a pessoa ajudada deve ajudar qualquer outra pessoa e não necessariamente quem a ajudou. -A entropia tem sido fonte de controversias e mal-entendidos quanto sua interpretao. Pela nossa definio, temos que uma entropia maior se deve exclusivamente a um aumento da complexidade do sistema social, complexidade que medimos utilizando um conjunto de variveis que consideramos como caractersticas do sistema\footnote{Num sistema mais prximo da realidade teramos trocentas outras variveis.} que de algum modo representam o seu estado. Aqui, utilizamos nmero de acordos, viralidade dos acordos, etc, o que caracteriza uma abordagem de \emph{granulao grosseira}, ou seja, de baixa resoluo. Um clculo de valor com maior resoluo deveria levar em considerao, por exemplo, os acordos separadamente ao invs de agrup-los por partes envolvidas. +A entropia tem sido fonte de controversias e mal-entendidos quanto à sua interpretação. Pela nossa definição, temos que uma entropia maior se deve exclusivamente a um aumento da complexidade do sistema social, complexidade que medimos utilizando um conjunto de variáveis que consideramos como características do sistema\footnote{Num sistema mais próximo da realidade teríamos trocentas outras variáveis.} que de algum modo representam o seu estado. Aqui, utilizamos número de acordos, viralidade dos acordos, etc, o que caracteriza uma abordagem de \emph{granulação grosseira}, ou seja, de baixa resolução. Um cálculo de valor com maior resolução deveria levar em consideração, por exemplo, os acordos separadamente ao invés de agrupá-los por partes envolvidas. \section{Descontrole social} -Esta se torna ento uma teoria do descontrole social: o aumento da entropia , aqui, no s benfica como desejvel, j que ela indica um aumento do nmero de interaes. Se nas teorias do controle a entropia tem um aumento indesejvel, aqui se torna o comportamento almejado. +Esta se torna então uma teoria do descontrole social: o aumento da entropia é, aqui, não só benéfica como desejável, já que ela indica um aumento do número de interações. Se nas teorias do controle a entropia tem um aumento indesejável, aqui se torna o comportamento almejado. -Sendo os acordos diretos, isto , no mediados, temos ainda mais descontrole: importantssimo que tais acordos no sejam mediados por bancos de dados. Por banco de dados entendemos qualquer iniciativa de tentar \emph{efetivamente} calcular $S$ para um dado grupo social (e no o registro pessoal que cada indivduo mantiver a respeitodos acordos que participou). A mera existncia de um banco de dados centralizado capaz de calcular a cada instante o valor social tem os seguintes riscos: +Sendo os acordos diretos, isto é, não mediados, temos ainda mais descontrole: é importantíssimo que tais acordos não sejam mediados por bancos de dados. Por banco de dados entendemos qualquer iniciativa de tentar \emph{efetivamente} calcular $S$ para um dado grupo social (e não o registro pessoal que cada indivíduo mantiver a respeitodos acordos que participou). A mera existência de um banco de dados centralizado capaz de calcular a cada instante o valor social tem os seguintes riscos: \begin{itemize} -\item D margens para o estabelecimento de controles sociais com a identificao das pessoas mais protagonistas (que participam de mais acordos), das pessoas mais prestativas (as que mais ajudam), as que mais so ajudadas e as que menos contribuem com aes coletivas, possibilitando assim represlias, etc. -\item Se, por um lado, o banco de dados ``facilita'' a busca de pessoas que querem ajuda e que podem ajudar, por outro diminuem a necessidade das pessoas de travarem contato pessoal para iniciarem seus acordos, j que o banco de dados detecta e aproxima as pessoas automaticamente. -\item Acredita-se que seja de interesse do grupo social que a prtica da ajuda mltipla faa parte da sua cultura e no uma dependncia do banco de dados (o que seria um culto ao banco de dados). +\item Dá margens para o estabelecimento de controles sociais com a identificação das pessoas mais protagonistas (que participam de mais acordos), das pessoas mais prestativas (as que mais ajudam), as que mais são ajudadas e as que menos contribuem com ações coletivas, possibilitando assim represálias, etc. +\item Se, por um lado, o banco de dados ``facilita'' a busca de pessoas que querem ajuda e que podem ajudar, por outro diminuem a necessidade das pessoas de travarem contato pessoal para iniciarem seus acordos, já que o banco de dados detecta e aproxima as pessoas automaticamente. +\item Acredita-se que seja de interesse do grupo social que a prática da ajuda múltipla faça parte da sua cultura e não uma dependência do banco de dados (o que seria um culto ao banco de dados). \end{itemize} - com esse sentido de oposio aos bancos de dados que estabelecemos o conceito de valor social: no nos interessa calcular efetivamente o valor de $S$ para um dado grupo social e muito menos caracterizar cada grupo em funo desses parmetros, o que alm de policialesco no representa o real valor social do grupo (afinal, nem discutimos as diferenas qualitativas de cada acordo). Queremos, ao contrrio, mostrar \emph{como se comporta} um grupo social adepto de acordos virais de ajuda mltipla. Podemos resumir isso com a seguinte expresso: \emph{criamos um clculo para auxiliar na compreenso o valor social mas jamais queremos que ele seja usado para quaintific-lo}, mesmo porque muitos valores escapam da frmula que estabelecemos. No necessitamos de um banco porque, na ajuda mltipla, o sistema bancrio j emerge do prprio tecido social. +É com esse sentido de oposição aos bancos de dados que estabelecemos o conceito de valor social: não nos interessa calcular efetivamente o valor de $S$ para um dado grupo social e muito menos caracterizar cada grupo em função desses parâmetros, o que além de policialesco não representa o real valor social do grupo (afinal, nem discutimos as diferenças qualitativas de cada acordo). Queremos, ao contrário, mostrar \emph{como se comporta} um grupo social adepto de acordos virais de ajuda múltipla. Podemos resumir isso com a seguinte expressão: \emph{criamos um cálculo para auxiliar na compreensão o valor social mas jamais queremos que ele seja usado para quaintificá-lo}, mesmo porque muitos valores escapam da fórmula que estabelecemos. Não necessitamos de um banco porque, na ajuda múltipla, o sistema bancário já emerge do próprio tecido social. \section{Desdobramentos} -No sabemos os desdobramentos desta teoria do valor e desta prtica de acordos aqui sugeridas. Num primeiro momento, podemos vislumbrar que, no limite desta teoria, o endividamento excessivo devido a acordos deve produzir uma prtica social indistinguvel de uma economia de ddivas onde no h expectativa de retribuio direta ou o uso da ddiva como demonstrao de poder\footnote{O uso da ddiva como demonstrao de poder seria, por exemplo uma pessoa com mais recursos dar um presente a outra com menos recursos de forma que seja causado um vnculo de relao seja paternalista, humilhante, etc.}. No caso da pedagogia tambm podemos vislumbrar um timo uso da ajuda mltipla: pessoas que aprenderam algo podem ensinar para outras, multiplicando o conhecimento ao invs de sempre recorrerem aos luminares do saber. +Não sabemos os desdobramentos desta teoria do valor e desta prática de acordos aqui sugeridas. Num primeiro momento, podemos vislumbrar que, no limite desta teoria, o endividamento excessivo devido a acordos deve produzir uma prática social indistinguível de uma economia de dádivas onde não há expectativa de retribuição direta ou o uso da dádiva como demonstração de poder\footnote{O uso da dádiva como demonstração de poder seria, por exemplo uma pessoa com mais recursos dar um presente a outra com menos recursos de forma que seja causado um vínculo de relação seja paternalista, humilhante, etc.}. No caso da pedagogia também podemos vislumbrar um ótimo uso da ajuda múltipla: pessoas que aprenderam algo podem ensinar para outras, multiplicando o conhecimento ao invés de sempre recorrerem aos luminares do saber. -Por outro lado, a existncia e a propagao dos acordos pressupem um grupo social pertencente a redes de relacionamentos afins, o que em certo sentido limita a aplicao da ajuda mltipla: e quem no participa da rede? E no caso de grupos em conflito interno? +Por outro lado, a existência e a propagação dos acordos pressupõem um grupo social pertencente a redes de relacionamentos afins, o que em certo sentido limita a aplicação da ajuda múltipla: e quem não participa da rede? E no caso de grupos em conflito interno? -Estas so apenas sugestes de desdobramentos possveis: convidamos todas as pessoas que queiram contribuir para a anlise de regimes econmicos fora do mercado para que pensem conjuntamente no que aqui foi meramente delineado. A experimentao tambm encorajada: sem ela, toda esta de discusso no passa de uma teoria descolada dos grupos sociais. +Estas são apenas sugestões de desdobramentos possíveis: convidamos todas as pessoas que queiram contribuir para a análise de regimes econômicos fora do mercado para que pensem conjuntamente no que aqui foi meramente delineado. A experimentação também é encorajada: sem ela, toda esta de discussão não passa de uma teoria descolada dos grupos sociais. -\section{Distribuio deste texto} +\section{Distribuição deste texto} -Este texto manipulvel segundo a \emph{Licena de Manipulao de Informaes do Coletivo Sarav}, disponvel tambm em \emph{http://www.sarava.org/copyleft} e que atribui ao detentor/a da informao as seguintes liberdades: +Este texto é manipulável segundo a \emph{Licença de Manipulação de Informações do Coletivo Saravá}, disponível também em \emph{http://www.sarava.org/copyleft} e que atribui ao detentor/a da informação as seguintes liberdades: \begin{enumerate} -\item A liberdade de armazenar a informao. -\item A liberdade de manipular a informao. -\item A liberdade de distribuir a informao, modificada ou no. +\item A liberdade de armazenar a informação. +\item A liberdade de manipular a informação. +\item A liberdade de distribuir a informação, modificada ou não. \end{enumerate} -Com as seguintes observaes: +Com as seguintes observações: \begin{enumerate} -\item Desde que esta licena acompanhe a informao. -\item Desde que para fins no-comerciais. +\item Desde que esta licença acompanhe a informação. +\item Desde que para fins não-comerciais. \item Desde que a fonte seja citada. -\item Caso o contedo seja distribudo por voc, o Coletivo Sarav deve ser notificado antecipadamente (sarava em lists.riseup.net). -\item Caso ocorra uma modificao, distribuir a informao modificada e notificar antecipadamente o Coletivo Sarav. -\item O Coletivo Sarav pode a qualquer momento revogar o licenciamento da informao para uma determinada pessoa ou entidade. +\item Caso o conteúdo seja distribuído por você, o Coletivo Saravá deve ser notificado antecipadamente (sarava em lists.riseup.net). +\item Caso ocorra uma modificação, distribuir a informação modificada e notificar antecipadamente o Coletivo Saravá. +\item O Coletivo Saravá pode a qualquer momento revogar o licenciamento da informação para uma determinada pessoa ou entidade. \end{enumerate} \end{document} |