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author | Silvio Rhatto <rhatto@riseup.net> | 2017-03-05 16:22:57 -0300 |
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Eis por que, entre + parênteses, o Método aqui procurado nunca será um programa, isto é, uma receita + preestabelecida, mas um convite e uma incitação à estratégia do pensamento. + + -- 257 + +### Liberdade + +* Definição, 258. +* Suicídio, 259. + +### Sociedades: entidades de terceiro tipo + + Não existe fronteira bem nítida entre as associações mais ou menos frouxas e as + sociedades rudimentares. Mas o que importa aqui é definir um fenômeno não na + sua fronteira incerta, mas na sua emergência própria. O fenômeno social emerge + quando as interações entre os indivíduos do segundo tipo produzem um todo + não-redutível aos indivíduos e que retroage sobre ele, isto é, quando se + constitui um sistema. Existe, portanto, sociedade quando as interações + comunicadoras/associativas constituem um todo organizado/organizador, que é + precisamente a sociedade, a qual, como toda a entidade de natureza sistêmica, é + dotada de qualidades emergentes e, com as suas qualidades, retroage enquanto + todo sobre os indivíduos, transformando-os em membros desta sociedade. + + -- 264 + + O sistema social não é apenas um sistema: é uma organização que organiza + retroativamente a produção e a reprodução das interações que a produzem, + assegura a sua homeostasia através do turnover dos indivíduos que morrem e + nascem e, assim, continua a ser um ser-máquina autoprodutor e auto-organizador. + + -- 265 + +### Totalitarismo + + Um novo e enorme poder de Estado tende a concentrar-se ao longo do século XX. + + O Estado torna-se cada vez mais Estado-providência e Estado assistencial + (Welfare state). Num sentido, dedica-se cada vez mais à proteção e ao + bem-estar dos indivíduos, mas, ao mesmo tempo, estende as suas competências a + todos os domínios das vidas individuais, doravante encerradas numa rede + polimórfica, simultaneamente casulo (protetor mas eventualmente infantilizante) + e armadilha. Assim, desenvolve-se um Estado, de certo não totalitário, mas + totalizante, isto é, englobando todas as dimensões da existência humana. + + Os notáveis desenvolvimentos informáticos, de que hoje se discutem as + ambivalências (Nora, Minc, 1978), deixam entrever espantosas possibilidades de + desconcentração comunicacionais e de que beneficiariam os indivíduos. Mas, ao + mesmo tempo, a informática dá a um aparelho de Estado central a possibilidade + de agrupar e tratar todas as informações acerca de um indivíduo de modo muito + mais ramificado e preciso que o controle neurocerebral sobre as células dos + nossos organismos. A partir daí, um código policial/tecnológico (munido de + dispositivos de detecção e de escuta em todos os terrenos) pode doravante + exercer-se sobre o desvio, anomalia, originalidade. A isto é necessário + acrescentar já as futuras ações bioquímicas sobre o espírito ----- cérebro + \____________/ + humano, que permitirão estabelecer uma normalização generalizada de todo o + desvio. Doravante, o Estado encontra-se dotado de poderes que, virtualmente, + excedem todos os poderes de controle e de intervenção jamais concentrados. + + Aqui mesmo, temos de inscrever o processo aparentemente marginal, + sociologicamente menor, que já constatei (Método I): o conhecimento científico + produz-se cada vez menos para ser pensado e meditado por espíritos humanos, mas + cada vez mais acumulado para a computação dos seus computadores, isto é, para a + utilização das entidades superindividuais, em primeiro lugar a entidade + supercompetente e onipresente: o Estado. Ao mesmo tempo e correlativamente, + essa ciência cega-nos: o resto do nosso mundo, da nossa sociedade, do nosso + destino é despedaçado por um conhecimento científico que, atualmente, ainda é + incapaz de pensar o indivíduo, incapaz de conceber a noção de sujeito, incapaz + de pensar a natureza da sociedade, incapaz de elaborar um pensamento que não + seja unicamente matematizado, formalizado, simplificador, mas, ao contrário, + muito capaz de fornecer aos poderes novas técnicas de controle, de manipulação, + de opressão, de terror, de destruição. + + Ao aproximarmo-nos, pois, do momento em que podemos considerar que todos estes + processos conjuntos poderiam permitir ao ser do terceiro tipo realizar-se em + onipotência, não só sujeitando-nos e manipulando-nos, mas também + infantilizando-nos, irresponsabilizando-nos e despossuindo-nos da aspiração ao + conhecimento e do direito ao juízo. + + Tal hipótese não é brincadeira intelectual, pois o Estado dedicado a essa + realização surgiu no século XX: o Estado totalitário. Instala-se, sob diversas + variantes, em todos os continentes, em todas as civilizações, em todas as + sociedades, sob o impulso, o controle, a apropriação de um aparelho soberano: o + partido detentor de todas as competências, possuidor de verdade sobre o homem, + a história, a natureza. + + A partir daí, bastaria que este Estado totalitário concentrasse e utilizasse de + modo sistemático todas as formas de dominação/controle, não só burocráticas, + policiais, militares, mitológicas, políticas, mas também científicas, técnicas, + informáticas, bioquímicas, para que se pudesse operar uma sujeição das classes, + grupos, indivíduos, já não apenas generalizada mas irreversível; regressões dos + direitos individuais já não são apenas generalizadas mas irreversíveis. + Podemos, certamente, esperar que nossos totalitarismos contemporâneos sejam os + monstros provisórios nascidos das agonias e gestações deste século. Mas podemos + recear também que estes monstros se tornem duradouros na e pela + sujeição/controle estrutural dos indivíduos do segundo tipo e, por isso, + constituam os artesãos de um desenvolvimento decisivo do ser do terceiro tipo. + + -- 281, 282 |