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author | Silvio Rhatto <rhatto@riseup.net> | 2016-12-06 18:52:53 -0200 |
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É também um teatro experimental. O homem- + consumidor se deixa condicionar pelos estereótipos (lado passivo) segundo os + quais modela os seus diferentes comportamentos (lado ativo). Dissimular a + passividade, renovando as formas de participação espetacular e a variedade de + estereótipos, é aquilo a que hoje se + + -- 85 + + Os papéis são desmanchados pela força da resistência da experiência vivida, e + assim a espontaneidade arrebenta o abscesso da inautencidade e da + pseudo-atividade. + + -- 86 + + A habilidade em desempenhar e lidar com os papéis determina o lugar ocupado na + hierarquia do espetáculo. A decomposição do espetáculo prolifera os + estereótipos e os papéis, os quais justamente por isso caem no ridículo, e + roçam demasiado perto a sua negação, isto é, o gesto espontâneo (1,2) + + A identificação é o caminho de entrada no papel. A necessidade de se + identificar com ele é mais importante para a estabilidade do poder que a + escolha dos modelos de identifiicação. A identificação é um estado doentio, + mas só as identificações acidentais caem na categoria oficial chamada ”doença + mental”.O papel tem por função vampirizar a vontade de viver (3) O papel + representa a experiência vivida, porém ao mesmo tempo a reifica. Ele também + oferece consolo pela vida que ele empobrece, tornando-se assim um prazer + substituto e neurótico. É importante se libertar dos papéis recolocando-os no + domínio do lúdico(4) + + [...] + + O peso do inautêntico suscita uma reação violenta, quase biológica, do querer-viver. + + -- 87 + + Os nossos esforços, aborrecimentos, fracassos, o absurdo dos nossos atos provêm + na maioria das vezes da imperiosa necessidade em que nos encontramos de + desempenhar papéis híbridos, papéis que parecem responder aos nossos + verdadeiros desejos, mas que na verdade são antagônicos a eles. “Queremos + viver”, dizia Pascal, “de acordo com a idéia dos outros, numa vida imaginária. + E por isso cultivamos aparências. + + -- 88 + + Aonde a sociedade do espetáculo vai buscar os seus novos estereótipos? Ela os + encontra graças à injeção de criatividade que impede que alguns papéis se + conformem ao estereótipo decadente ( da mesma forma que a linguagem se renova + em contato com as formas populares). Graças, em outras palavras, ao elemento de + jogo que transforma os papéis. + + -- 89 + + a identificação – o princípio do teste de Szondi (psiquiatra que representou + uma oposição à linha dura stalinista dentro da URSS) é bem conhecido. O + paciente é convidado a escolher, no meio de 48 fotos de doentes em estado de + crise paroxística, os rostos que lhe inspiram simpatia ou aversão. + Invariavelmente são escolhidos os indivíduos que apresentam uma pulsão que o + paciente aceita, ao passo que são rejeitados aqueles que expressam pulsões que + ele rejeita. A partir dos resultados o psquiatra constrói um perfil pusional do + qual se serve para liberar o paciente ou para dirigi-lo ao crematório + climatizado dos hispitais psiquiátricos. + + Consideremos agora os imperativos da sociedade do consumo, uma sociedade na + qual a essência do homem é consumir: consumir Coca-cola, literatura, idéias, + sexo, arquitetura, TV, poder. Os bens de consumo, as ideologias, os + estereótipos, são as fotos de um formidável teste de Szondi no qual cada um de + nós é convidado a tomar parte, não por meio de uma simples escolha, mas por um + compromisso, por uma atividade prática. + + -- 90 + + Pode-se considerar que as pesquisas de mercado, as técnicas de motivação, as + sondagens de opinião, os inquéritos sociológicos, o estruturalismo são parte + desse projeto, não importa o quão anárquicas e débeis possam ser ainda suas + contribuições. Faltam a coordenação e a racionalização? Os cibernéticos + tratarão disso, se lhes dermos a chance. + + [...] + + A doença mental não existe. É uma categoria cômoda para agrupar e afastar os + casos em que a identificação não ocorreu de forma apropriada. Aqueles que o + poder não pode governar nem matar, são rotulados de loucos. Aí se encontram os + extremistas e os megalomaníacos do papel. Encontram-se também os que riem dos + papéis ou os recusam. + + -- 91 + + Papel, Reich, couraça. + + -- 92 + + Quanto mais nos desligamos do papel, melhor manipulamos contra o adversário. Quanto + mais evitamos o peso das coisas, mais conquistamos leveza de movimentos. + Os amigos não ligam muito para as formas...Discutem abertamente, certos de que + não podem machucar um ao outro. Onde a comunicação real é buscada, os equívocos + não são um crime. + + -- 94 + + Quanto mais se esgota aquilo que tem por função estiolar a vida cotidiana, mais + o poderio da vida vence o poder dos papéis. Esse é o início da inversão de + perspectiva. É nesse nível que a nova teoria revolucionária deve se concentrar + a fim de abrir a brecha que leva à superação. Dentro da era do cálculo e da + suspeita inaugurada pelo capitalismo e pelo stalinismo, opõe-se e constrói-se + uma fase clandestina de tática, a era do jogo. + + O estado de degradação do espetáculo, as experiência individuais, as + manifestações coletivas de recusa fornecem o contexto para o desenvolvimento de + táticas práticas para lidar com os papéis. Coletivamente é possível suprimir os + papéis. A criatividade espontânea e o ambiente festivo que fluem livremente nos + momentos revolucionários oferecem exemplos numerosos disso. Quando a alegria + ocupa o coração do povo não existe líder ou encenação que dele se possa + apoderar. + + -- 99 + + Segundo Hans Selye, o teórico do estresse, a síndrome geral da adaptação possui + três fases: a reação de alarme, a fase de resistência e a fase de esgotamento. + No plano do parecer, o homem soube lutar pela eternidade, mas , no plano da + vida autêntica, ainda se encontra na fase da adaptação animal: reação + espontânea na infância, consolidação na maturidade, esgotamento na velhice. E, + hoje em dia, quanto mais as pessoas buscam o plano do parecer, mais o cadáver + do caráter efêmero e incoerente do espetáculo demonstra que elas vivem como um + cão e morrem como um tufo de erva seca. Não pode estar longe o dia em que se + reconhecerá que a organização social criada pelo homem para transformar o mundo + segundo os seus desejos não serve mais a esse objetivo. E que ela não passa de + um sistema de proibição que impede a criação de uma forma superior de + organização e o uso de técnicas de libertação e realização individuais que o + homem forjou por meio da história da apropriação privada, da exploração do + homem pelo homem e do poder hierárquico. + + -- 102 + + Colocar a serviço do imutável a ideologia do progresso e da mudança cria um + paradoxo que nada, de agora em diante, pode esconder à consciência , nem + justificar diante dela. Neste universo em que a técnica e o conforto se + expandem, vemos que os seres se fecham em si mesmos, endurecem, vivem + mesquinhamente, morrem por coisas sem importância. É um pesadelo no qual nos + prometeram uma liberdade absoluta e nos deram um metro cúbico de autonomia + individual, rigorosamente controlada pelos vizinhos. Um espaço-tempo da + mesquinhez e do pensamento pequeno. + + -- 105 + + Ninguém tem o direito de ignorar que a força do condicionamento o habitua a + sobreviver com um centésimo do seu potencial de viver. + + -- 107 + + O revoltado sem outro horizonte além do muro das coações corre o risco de + quebrar a cabeça nele ou de defendê-lo um dia com uma teimosa estupidez. Já que + se apreender na perspectiva das coações é sempre olhar no sentido desejado pelo + poder, quer para recusá-lo, quer para aceitá-lo. Assim o homem se encontra no + fim da linha, coberto de podridão como diz Rosanov. Limitado por todos os + lados, ele resite a qualquer intrusão, e monta guarda sobre si mesmo, + zelosamente, sem perceber que se tornou estéril: que mantém vigílila sobre um + cemitério. + + [...] + + Como as pessoas mais inclinadas aos acordos comprometedores sempre consideram + uma incomensurável glória permanecerem íntegras em um ou dois pontos + específicos! + + Nenhum laço é mais difícil de romper que aquele no qual o indivíduo se prende a + si próprio quando sua revolta se perde dessa forma. Quando ele coloca a sua + liberdade a serviço da não-liberdade, o aumento da força da não-liberdade que + resulta disso o escraviza. Ora, pode acontecer que nada se assemelhe tanto à + não-liberdade quanto o esforço em direção à liberdade, mas a não- liberdade tem + como particularidade que uma vez comprada ela perde todo o seu valor, mesmo que + seu preço seja tão alto quanto a liberdade. + + -- 114-115 |